quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Gotika: arquivos Dezembro 2003


dezembro 26, 2003

Eu, Gótica

Perguntaram-me, num comentário, o que é ser gótico. Peço perdão, culpa minha, não me apresentei! Tencionava fazê-lo mas não surgia a oportunidade adequada... Mas quem me perguntou o que é ser gótico não imagina o berbicacho em que me meteu. Já explicarei porquê.
Começo antes por explicar o título do blog. Como é um diário pessoal, resolvi ir buscar o adjectivo que mais vibra na minha alma, que mais me identifica perante mim própria e perante os outros. A sociedade em geral, e os amigos em particular (os não-góticos), é que começaram a identificar-me assim, “aquela, a gótica”. A brincar, a brincar... E começa assim. O gótico é identificado pelo resto da sociedade, geralmente pelo que veste e pelo que ouve, por isso não vou perder-me aqui a descrever a roupa e a música gótica. Aliás, no caso da música, começar a classificar categoricamente “isto é gótico, aquilo não é gótico” era pedir sarna para me coçar ou, em inglês, to open a can of worms, e não estou de facto para isso. Posso expressar a minha opinião sobre uma banda ou outra, noutro contexto, mas não para explicar o que é ser gótico. Fiquem descansadinhos, seres das trevas, irmãos, companheiros, palhaços, que não vou por aí. Nem sequer vou falar de música neste post.
Vou falar da alma gótica inserida no contexto do movimento gótico actual. E perante o contexto gótico actual (que teve o seu início no começo da década de 80), saliento o que é logo à partida, da minha parte, uma contradição gritante. A primeira regra do gótico, REGRA NÚMERO UM!, é que o gótico nunca assume que é gótico. Não me perguntem porquê, mas É assim. Ponto final. A quem diz que é gótico, dentro do movimento, é chamado poseur, o que é a pior coisa que podem chamar a um gótico: fingir ser gótico pelo que veste e o que ouve só para se sentir parte do grupo. E eu concordo. Há muitos putos e pitas assim. Mas esses desaparecem depressa, assim que tomam juízo. Ser gótico não é bom para ninguém, é uma mais maldição. Uma maldição saborosa mas uma maldição.
Porque é que eu me dou ao luxo de assumir? Pois, porque sou velha. Porque não tenho as inseguranças da adolescência. Na adolescência, a maioria das pessoas são góticas. Inadaptado, solitário e deprimido, o adolescente pensa “quem sou? o que faço aqui? ninguém me ama. não pertenço a sítio nenhum. sou um desgraçado. quero morrer.” A maioria das pessoas, como eu disse, passa por isso. Penso até que é uma fase saudável, de aprendizagem, de socialização, um rito de passagem. No fim da adolescência, o jovem adulto ultrapassou estas inseguranças, encontrou-se, e encontrou o seu lugar no mundo e na sociedade.
Agora poderia começar a dissertar sobre o que é ser gótico aos 30 anos, mas não vou fazê-lo. Não hoje. Este post é mais geral. E aqui entra-se no berbicacho. Com certeza já viram entrevistas e reportagens sobre góticos e se há alguma coisa em que os góticos concordam é que o gótico é subjectivo.
Por isso mesmo, ao falar do movimento gótico estou a assumir um risco, estou a ser provocadora. Tentarei ter tento na língua. Opinião pessoal, portanto, é que os góticos têm um sistema de regras e de hierarquia semelhante ao mito do vampiro. - Respeitam-se os mais velhos. Andam nisto há mais tempo. E não se fala sobre os segredos da comunidade. Nem esperem que vos conte todos, isso é que era bom. Afinal, eu também faço parte dela... É preciso ter segredos. Só os segredos nos permitem identificar-nos uns aos outros. É uma espécie de sociedade secreta. Eu juro que não queria entrar na paródia, mas às vezes é difícil. É mesmo preciso ser gótico e pertencer à comunidade para identificar o que é paródia e o que não é. Vão ter de me perdoar. - Como eu dizia, voltando ao mito do vampiro, e sem querer dizer que todos os góticos gostariam de ser vampiros porque alguns fogem à regra, se lerem as crónicas do vampiro Lestat (Anne Rice) perceberão a raiva que a comunidade vampírica tem desse ser provocador que se atreve a escrever sobre os outros vampiros. Pois, meus amigos em geral, é mesmo assim. Um gótico não expõe os outros. A não ser que seja do tipo do Lestat... Adivinhem de que tipo sou eu... *cough, cough*
Pronto, não falo mais em vampiros, juro! *dedos cruzados atrás das costas porque pode vir a dar jeito outra metáfora do género*
Vamos então à alma gótica e dissequemo-la.
No tal contexto dos anos 80, o gótico veste-se de uma determinada maneira e ouve um certo tipo de música. Ponto assente. (Eu também visto, e eu também ouço)
Mas a alma gótica nasceu nos anos 80? Isso é que era bom! Então e Egdar Allan Poe? Então e Florbela Espanca? Opinião pessoal: eram góticos e não sabiam. Outros sabiam, no século XIX, em que a literatura se deliciou com novelas assumidamente góticas. E não me parece que as jovens donzelas do século do romantismo fossem para os bailes vestidas de preto...
Nestes anos todos, o que eu tenho notado em comum com toda a gente que gosta do movimento e esteve nele para ALÉM da adolescência, tirando a música e as roupas, tirando o gosto pela noite, tirando uma certa “doença de viver” que pode ou não ser uma depressão mais ou menos grave, o que eu vejo mesmo é que os góticos são pessoas que não têm medo de pensar no lado negro da vida. O tal “dark side of the Force” para os star trekkers. O “dark side of the moon” para os pink floyders. Não tentam fingir que a noite - e o dia - é um espaço para esquecer os problemas. Daí que muita gente os acuse do culto da depressão. Eu não concordo com essa do “culto da depressão”. É uma opinião pessoal e vale o que vale mas não acho que seja boa política ir para a noite (ou para o dia) fingir que está tudo bem e que estamos muito contentes quando não estamos.
Aliás, o que me atraiu na cultura gótica foi o facto de que podia estar sentada a um canto a noite toda sem sorrir nem dizer nada a ninguém e as pessoas respeitavam esse estado de espírito. Ainda respeitam. Não preciso estar a fingir que estou bem disposta. Há quem lhe chame “culto da depressão” mas eu chamo-lhe não estar a fingir. Enfim, já tenho idade para confrontar esses senhores e desafiá-los “e vocês querem dizer-me que vão para as Docas a sorrir porque são muito felizes?...” Fingidos.
Não concordo que se fique em casa a curtir a depressão sozinho como faz a maioria só porque as outras pessoas não gostam de ver tristezas. Viram aquele filme, “A Praia”? Foi um filme que me chocou. Lembram-se daquela parte em que estava um homem a morrer com gangrena e o mandaram embora das suas vistas para que a morte não lhes perturbasse a festa? É o que faz a sociedade em geral. Fiquei chocada, admito, mas porquê se o vejo todos os dias? É preciso sorrir, é preciso “estar contente”. Nem que seja a fingir.
Rejeito. Oponho-me. Dou cabo das vossas festas. Aliás, para não dar cabo das vossas festas junto-me a outras pessoas que não se importam de me ver a um canto de vez em quando, tal como eu respeito quando os outros precisam de estar a um canto.
Nem todos os góticos são sensíveis, atenção! Há por lá autênticas bestas. Nem todos os góticos são místicos. Por isso eu dizia que uns vão mais longe que outros. Muitos góticos são cultos porque a música gótica tem tendência para as referências literárias, mas nem todos o são!
Outra coisa, a atracção pela morte. O tal factor X que leva as pessoas a interessarem-se pelo oculto, a perguntarem-se se há algo para além disto, a adoptarem esta ou aquela religião... Outro mito acerca dos góticos é que amam a morte. Não é bem assim. Como eu disse, e aqui está a chave, os góticos são pessoas que não têm medo de olhar para os aspectos menos positivos da vida. Incluindo a morte. Comparando com a maioria da pessoas, para quem a morte é um tabu impronunciável, até parece que amam a morte só porque pensam nela, falam sobre ela e têm-na presente. A música gótica (penso que este ponto não é polémico) tem na morte uma grande fonte de inspiração. Logo, se gostamos de ouvir canções que falam na morte, amamos a morte? Não. Simplesmente não a ignoramos, não fingimos que ela não existe. E só isso. E isso chega para fazer confusão a muita gente.
Pelo facto de estarem conscientes também da morte, muitos góticos se tornam místicos. Há-os pagãos, cristãos, satânicos... agnósticos e ateus. Como o resto da sociedade. A perspectiva é que é diferente. Deixa de ser “não vou pensar nisto porque tenho medo” para ser “até posso ter medo mas se isto existe o melhor é pensar no assunto”.
A partir daí, a forma como cada um encara a existência é de facto muito pessoal. Eu tenho a minha. Outros terão outra. É natural.

Haveria muito mais para dizer acerca do gótico, da cultura gótica, do movimento gótico, mas a partir daqui é a minha opinião pessoal e não aquilo que salta à vista. A partir daqui entramos no subjectivo. Na opinião de muitos góticos até já entrei, mas que se lixe. É assim que eu vejo a coisa.
Não quero que fiquem com a ideia, porém, que os góticos são um bando de gente depressiva. Ok, até podem ser, mas têm os seus momentos de alegria. Estar consciente das coisas más não é sinónimo de estar triste. Muitos de nós (góticos) fazem paródia disto, dizendo que o verdadeiro gótico é aquele que acorda a chorar e adormece a chorar e ainda por cima tem pesadelos, mas isso é paródia. Como é paródia dizer que o gótico é aquele que escreve poesia num papel negro, debaixo de uma luz negra, com uma caneta de tinta preta. Pode escrever poesia com caneta preta sob uma luz negra, mas bolas!, o papel tem que ser branco senão não vê o que escreve! E daí... qual é o mal de escrever para ninguém ver? Foi o que eu fiz muitos anos.
Enfim, gótica.

Publicado por _gotika_ em 04:47 AM | Comentários: (5)


Filmes

Pois é, nunca tinha visto o "Harry Potter", muito menos lido os livros. Se eu fosse miúda era capaz de ficar pottermaníaca, tenho a certeza. Nestas alturas é que eu gostava de ter filhos, para eles verem. Não podia desmamá-los com "As Brumas de Avalon" ou "O Exorcista", pois não? Tínhamos de começar por uma coisa mais levezinha. Um Harry Potter.
Quase me apetece dizer "gostava de voltar a ser criança" mas por razões de vária ordem de facto não, não gostava de voltar a ser criança.
No meu tempo não haviam pequenos feiticeiros. Haviam grandes feiticeiros e bruxas a sério. Agora parece que nem o Lobo Mau come a avó do Capuchinho Vermelho, limita-se a fechá-la no armário. O que eu acho um disparate. O Lobo Mau comeu a avózinha e deve continuar a comê-la para todo o sempre. O lenhador não deve correr com o lobo mas sim matá-lo e abrir-lhe a barriga, de onde sai a avózinha. Vivemos num mundo cada vez mais violento mas somos cada vez mais hipócritas a ensinar as crianças. Se calhar porque não queremos admitir que deixámos o mundo chegar ao que chegou... Mas o mais importante é isto: como é que as crianças se podem proteger se não souberem que o Mal existe, que o Mal pode estar em cada esquina e mesmo, infelizmente, dentro de casa?
De modo que achei o "Harry Potter" um bocado leve de mais. Podia ser um bocadinho mais assustador... Só um bocadinho.

Nota: Por falar no Capuchinho Vermelho, deixo aqui um elogio àquele filme fantástico que é "A Companhia dos Lobos". Não aconselhável a crianças, mas se as crianças virem também não percebem nada por isso mal não faz...

Publicado por _gotika_ em 02:41 AM | Comentários: (0)

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