sexta-feira, 5 de maio de 2006
A queda vertiginosa
O nosso corpo é como a montanha russa. Desde a infância até à louca adolescência, ele estica, cresce, desenvolve, acelera. Alguns de nós, os mais loucos, puxamos pela máquina e aceleramos pela vida porque é um crime desperdiçar a potência da máquina. Sem regras.
(Também é preciso ter sorte para nascer numa máquina topo de gama mas a natureza é bondosa e neste caso dá em fartura à maioria das criaturas.)
Quando chegamos aos 30 anos o nosso corpo começa a dar sinais. Até certo ponto, talvez até aos vinte e tal, mais coisa menos coisa, nem se dá por ele. Já não estica, já não apetece mexer tanto, já não desenvolve, mas funciona.
E depois chega-se aos trinta.
Passar dos trinta é como a montanha russa. Quem fez bom uso da sua máquina e experimentou a montanha russa pelo menos uma vez, sabe o que é subir, subir, subir, devagarinho e em segurança, até àquele patamar em que o carro quase pára. Aí percebe-se que a gravidade não admite ser contrariada. E de repente vislumbra-se, com terror, a queda vertiginosa que nos estava preparada. Mas verdade seja dita, ninguém se mete na montanha russa por outra razão senão a queda!
E é assim algures depois dos trinta. Periclitante, a máquina pára por instantes e ficamos na corda bamba do equilíbrio, mas sabemos que vai para baixo, inevitavelmente para baixo, e o frio na barriga que nos vai dar. É mesmo uma questão de tempo.
De repente as coisas deixam de funcionar. Se não é um pé é uma mão, se não é o pescoço é o tornozelo, se não é a cabeça é o coração. E se dantes a máquina se auto-regenerava, agora já não é bem assim. A máquina está cansada e não desenvolve. Só há uma saída airosa. Quando cair, deixá-la cair com o mesmo entusiasmo com que subiu.
Para os que acreditam que há uma segunda viagem, há que apreciar esta. Para os que não acreditam, é obrigatório apreciar esta.
E a queda também.
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4 comentários:
É mesmo isso. Estragam-se as peças mais improváveis. Tenho a ideia de que é suposto aparecer entretanto uma nova peça, chamada "sabedoria", cuja função seria a de fazer descer sem sobressaltos. Até agora não dei por nada.
As "segundas viagens"... pois. Se calhar esta é a minha vigésima oitava, não sei. Se me lembrasse talvez tivesse mais graça.
Não concordo é com o/a necare. Eu apreciei a subida, muito antes de saber o que era a tal descida.
Tenho a ideia de que é suposto aparecer entretanto uma nova peça, chamada "sabedoria", cuja função seria a de fazer descer sem sobressaltos. Até agora não dei por nada.
Olha para dentro.
YEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEP
(olhei para dentro) :P
Parabéns pela lucidez.
Eu não dei por nada aos trinta. Dei um pouco mais tarde, mas muito forçada pela realidade inesperável da sobrevivência a uma morte medicamente inevitável.
É tal qual. E nunca melhora.
É certo que nunca percebi qual o gozo das montanhas russas.
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