domingo, 12 de fevereiro de 2006

Smoke and mirrors



"A política nuclear da República Islâmica tem sido pacífica até agora. Até agora, temos trabalhado dentro da agência (a Agência Internacional de Energia Atómica das Nações Unidas) e das regras do TNP (Tratado de Não-Proliferação). Se virmos que querem violar os direitos do povo iraniano através dessas regras, devem saber que o povo iraniano vai rever as suas políticas. Não devem fazer algo que leve a tal revisão das nossa política", avisou Mahmoud Ahmadinejad.

No mesmo discurso, aludindo à questão dos "cartoons" de Maomé na imprensa europeia, Mahmoud Ahmadinejad voltou a produzir afirmações que questionam a existência do Holocausto judeu perpetrado pelos nazis na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, classificando o Holocausto como um "mito". Para o líder iraniano, os países europeus são fantoches de Israel.

"Eles dizem que os seus países são livres mas estão a mentir. São reféns dos sionistas e os americanos e os europeus devem pagar por isso", invectivou Ahmadinejad. Invocando a questão da liberdade de expressão, Mahmoud Ahmadinejad questionou: "Como é que os insultos são livres no vosso país mas qualquer investigação sobre o Holocausto é um crime?"

Adepto da ideia de que a morte de seis milhões de judeus durante o regime nacional-socialista alemão é uma fabricação para justificar os interesses israelitas, o Presidente iraniano pediu uma conferência académica para discutir o que aconteceu no Holocausto, sugestão que foi condenada internacionalmente pela maioria dos líderes mundiais. Hoje, voltou a dizer que "se procuram pelo Holocausto, vão encontrar o verdadeiro Holocausto na Palestina".



Sobre a questão das caricaturas. Passei os últimos dias a ler muito do que se escreve por cá e no estrangeiro, não só pelas elites como pelos cidadãos anónimos e pelos jornais que supostamente (já digo supostamente) publicam os factos como eles são. Cheguei à conclusão de que não há nenhuma questão de caricaturas. A verdadeira questão prende-se com este senhor na imagem e tudo o que ele implica.
"Smoke and mirrors" é uma expressão inglesa que significa "enganar ou distorcer a realidade". Nunca uma expressão serviu tão bem para explicar o que se passa actualmente na Europa, embora os americanos estejam bem habituados a ela.
Os factos são o que são. As caricaturas foram publicadas primeiro em Setembro, depois em Dezembro num jornal egípcio em pleno Ramadão, e não aconteceu nada. Subitamente em Fevereiro, em que se agrava o braço de ferro com o Irão, surgem manifestações nas ruas, embaixadas incendiadas, mortos e feridos e ameaças de morte. Pensar que esta reacção não é manipulada por radicais (e governos que pouco fazem para os travar) é ser demasiado ingénuo nos dias que correm. Pensar que a questão se centra em torno da sensibilidade islâmica a qualquer boneco publicado aqui ou ali é uma extraordinária perda de tempo para entreter quem não quer (ou não pode) falar claramente.
Entre estes que não podem falar claramente estão os ministros dos negócios estrangeiros e os diplomatas. Agora os leitores habituais vão estranhar-me mas tem de ser. Isto não é um dramazinho pessoal de pouca importância. Vive-se num clima de pré-guerra mundial. Faz todo o sentido e dita o bom senso que as entidades oficiais não deitem mais achas para a fogueira e condenem as caricaturas. Bem sei que a Europa não está habituada a isto porque os mais novos esqueceram a guerra. (Os americanos, no entanto, estão bem habituados a isto.) Logo, o que os diplomatas dizem faz todo o sentido.
O que nós dizemos, mais abertamente porque os nossos blogs são insignificantes para resolução final das coisas, é outra questão. E quanto mais insignificantes, mais abertamente se pode falar. É por isso que o faço. Se fosse ministra dos negócios estrangeiros não faria (nem poderia, excepto muitos anos depois do desfecho, como em todas as questões de relevância histórica). Trazer a lume tricas de política interna não só é míope como politicamente oportunista. Por outras palavras, é bom para os cegos e os que vêem muito bem.
Voltando ao assunto. A publicação das caricaturas não me faz mossa nenhuma e acho muito bem que tenham sido publicadas para mostrar uma posição. Entretanto, o que é, na minha modesta opinião (modestíssima, acreditem) realmente novo nesta situação é que pela primeira vez desde a Segunda Guerra mundial (ou talvez na História?) a Europa está exaltada porque vê tão somente o seu direito à liberdade de expressão ser posto em causa. Isto surpreende-me. Todas as lutas anteriores da Europa não se centravam em torno da liberdade de expressão mas de algo mais, quer fosse a liberdade política (como no nosso país) ou religiosa ou a libertação do modo de vida servil (a Revolução Francesa com o seu lema "liberdade, igualdade, fraternidade"). Este ataque directo ao "European way of life" atingiu a consciência europeia mais fundo do que os próprios atentados terroristas em Madrid ou em Londres. Isto talvez se deva ao facto de que a Europa, ao contrário dos Estados Unidos, já estivesse habituada a movimentos terroristas no seu próprio seio: o IRA, a ETA, as Brigadas Vermelhas, até no nosso pacífico país as FP25. (Lembro-me de uma bomba que explodiu nas proximidades e fez vítimas quando eu tinha menos de 3 anos. E jamais me esquecerei do terror dos tempos do PREC, vivido na mesma tenra idade.)
Estou, por isso, surpreendida que o clamor de indignação seja provocado pela perspectiva de abdicar de um direito e não pelo terror dos atentados. Talvez ainda haja esperança para a Europa idealista apesar de tudo.
Pena é que muita dessa Europa ainda se deixe enganar por jogos de fumo espelhos que, como a parafernália usada por ilusionistas para esconder o truque, a ilusão do seu ofício, distraem os pensamentos da verdadeira causa das coisas, e a causa está no facto de que a Europa já não é um lugar seguro como nos habituámos a vê-la desde os anos 80 e a queda do muro de Berlim.
De um lado temos o fundamentalismo islâmico em erupção e de outro o belicismo irreflectido dos Estados Unidos (e o seu igualmente preocupante fundamentalismo cristão de que grande parte dos europeus ainda não se apercebeu). A Europa, lamento-o, tem estado de olhos fechados a olhar para o umbigo do seu poderio económico pensando que as convulsões lhe vão passar ao lado. Agora os bárbaros batem-lhe à porta como aconteceu ao Império Romano. Se a história se repete ou não, é o que vamos ver. Vivemos tempos diferentes e sem paralelo. Isso é que nos assusta mais do que tudo. A incógnita, a incerteza. A guerra já não se faz pelas espadas como no tempo das Cruzadas. Os países islâmicos não são a Rússia do tempo da guerra fria. Os valores europeus não são os mesmos que se viviam durante a Segunda Guerra. Tal como nos anos 30 do século XX, se quisermos estabelecer um paralelo algo rebuscado, ninguém sabe muito bem o que fazer nem o que pensar. Daqui para a frente não devemos olhar para as referências em busca de respostas (que as referências não sabem dar ou não querem dar por motivos de Estado que espelham a sua -- legítima! -- ambição política no futuro). Está na altura de pensar pela própria cabeça e de pensar duas ou três vezes antes de dizer seja o que for.

11 comentários:

Goldmundo disse...

Parece claro que a guerra está a ser provocada. Mas está, penso, a um nível muito mais elevado do que o do grupo de barbudos excitados do Irão. A expressão "tirar as castanhas do lume com as patas do gato" assenta aqui como uma luva que, infelizmente para o gato, não se destina a ele.

Eu diria que os senhores de Império concluiram que, nos anos mais próximos, é necessário assegurar, seja a que custo for, petróleo para a China. Por duas razões básicas: a primeira é a de que enquanto a China crescer a este ritmo terá mais em que pensar do que na guerra; a segunda é a de que a China começa a ser o sustento do sistema financeiro mundial (digo financeiro e não económico). De passagem, a aniquilação do Islão chiita (Irão e possivelmente Iraque dentro de algum tempo) é uma questão central para a sobrevivència do Israel as it is. E, por outro lado, é absolutamente indispensável, para que a guerra seja credivel, que a Europa se envolva nela em primeira linha. Vamos aguardar o contributo que esse fantoche chamado Al-Qaeda dará nos proximos tempos.

É por isso que se dá o curioso desfasamento entre a primeira publicação dos bonecos e a exaltada reacção das "massas" islâmicas. Entertanto,a o que parece, foi feita uma viagem de "esclarecimento" por imans dinamarqueses ao Irão e à Síria na qual terão sido acrescentados outros bonecos aos que na verdade foram publicados.

A liberdade de expressão, enquanto manifestação da liberdade individual, tornou-se um valor sagrado na Europa, o que significa que tentar impor-lhe limites significa, também, uma blasfémia. É daí que vem a reacção exaltada que nem os atentados de Madrid conseguiram. Podemos ser cobardes nos assuntos mundanos, mas este deixou de ser um deles.

E, claro, a tudo isto não é alheia a campanha que o Irão - e a Venezuela, que também tem petróleo, para os distraídos - tem feito contra o famoso holocausto. A propósito de liberdade de expressão, convém notar que as frases que transcreveste do barbudo seriam, por si só, CRIME em França, na Alemanha, na Espanha e em mais alguns paises europeus. O que não deixa de ser curioso, independentemente da "verdade dos factos".

Edo disse...

Nao sei se iria tao longe quanto vc gotica para falar de Guerra mundial.
Semana passada também falava de "cruzada" totalmente sem foco que a mídia anda travando sem reconhecer a metade do problema diplomático que a Europa enfrenta há muito...

Goldmundo disse...

grunfo, o império tem aparentemente sede na America (teve-a em londres, até perto de 1910). Mas não é "os americanos".

Em que mundo é que vives, tu?

Quanto à "invencibilidade" do Irão, recordo que a Guerra Irão-Iraque (é do vosso tempo?) terminou com um vergonhosl empate técnico. E o Iraque é o que se viu.

Por causa do último argumento - que aliás se aplica também ao povo americano, como a relutância em entrar nas duas guerras mundiais bem demonstrou - é que as coisas têm de ser bem preparadas. Achas que um cidadão como o George Bush ganhava alguma eleição (mesmo que fosse distrital) em 1930 ou mesmo em 1960?

Goldmundo disse...

Grunfo:

O Império actual tem origem remota em John Ruskin (o inofensivo crítico de arte) e nos seus discipulos de Oxford (ou seria Cambridge?). Ruskin, que era um platonista, teorizou uma forma de os "filósofos" controlarem o império britânico e, indirectamente, o mundo. Entre esses discipulos estavam os filhos de alguns dos homens mais poderosos de Inglaterra. E as coisas correram bem. As personagens centrais seguintes são Sir Cecil Rhodes (o fundador da Rodésia) e Lorde Kitchener: os tempos do Mapa Cor de Rosa, da Guerra Boer, da aventura da Índia - e de toda a Ásia - tão bem descrita no romance "Kim" de Kipling: o "Grande Jogo", como ele lhe chamou, o xadrez da conquista do mundo. Winston Churchill nasceu e criou-se nesses meios, e agora tendemos a esquecer as suas afirmações dos anos 20, tipo "não vejo inconveniente algum em bombardear pesadamente os povos incivilizados". O Grande Jogo confundiu-se, gradualmente, com o Jogo do Petróleo, e algumas famílias americanas (o novo-rico Rockeffeler e os aristocratas de Boston Astor, Vanderbildt e outros) foram admitidas como associadas. Algures por perto da Primeira Guerra (o processo é magistralmente descrito nos romances do ciclo "Império" de Gore Vidal, que sabe do que fala porque pertence a uma das "famílias"...)o centro de poder transferiu-se, aparentemente, para o outro lado do Atlântico.

A primeira organização visível desse grupo intitulou-se "Round Table" (ainda existe), nome que fica bem ao patrono dos Pré-Rafaelitas. Depois, os "think tanks", como lhes chamaríamos agora, passaram a ser o Council of Foreign Relations e os famosos Grupo Bilderberg e Comissão Trilateral. O Presidente dos EU faz o papel de Rainha de Inglaterra (aparentemente houve qualquer problema com o Kennedy).

Voilà, para uma introdução. :)

Goldmundo disse...

Só uma coisa sobre a Guerra Irão-Iraque. Isso ("ninguém entrou por ali adentro") também aconteceu durante dois anos na Guerra de Trincheiras da nossa Primeira Guerra. Vê os números das baixas. Num caso e noutro.

Lord of Erewhon disse...

Guerra Mundial??? JAJAJAJA!!! Isso fica tudo na boa dentro de duas semanas... (que é o tempo que os emails islâmicos demoram a chegar aos escritórios do Céu)... O melhor que o Ocidente tem a fazer... é lançar dos céus hamburguers, coca-colas, t-shirts a dizer «I´M THE MAN» e posters de camelos sobre as cidades iranianas, as vilas e as aldeias!

Acho que o Irão deve avançar nos seus intentos nucleares... e preparar-se em paralelo para técnicas de limpeza radioactiva do seu solo pátrio...

katrina a gotika disse...

Acredito, JesusRocks, mas também acredito que os moderados sejam obrigados a calar-se e que, em caso de ataque, se não se quiserem sacrificar voluntariamente alguém os sacrificará por eles. ;)

Goldmundo disse...

Esta coisa dos interesses que escondem interesses, do "ardil dentro de um ardil dentro de um ardil" (a frase é do "Dune"), faz-me lembrar os versos do Jorge Luis Borges, do poema "xadrez":

"Deus move o jogador e este move a peça;
Que deus atrás de deus tudo começa?"

Lord of Erewhon disse...

O Irão... de que se fala aqui... não existe!!
O que existe é a miséria, o que existe é a fome, o que existe é o fingimento!

Acham que - se os deixarem - o zé-muçulmano não quer a civilização ocidental - nos seus aspectos não religioso -?? Claro que quer!!

Tão simples como... No Ocidente - por uma quantia irrisória - tem-se três miúdas a dar kisses na pilinha! No Islão paga-se uma fortuna para mal-foder toda a vida uma gordalhufa com pentelho até ao queixo!!
É disto - banal - de q se alimenta a esperança do homem comum... Pensam q brinco??

katrina a gotika disse...

De onde a exportação de broche barato poria o fim ao choque de civilizações.
Ainda melhor do que futebol.

Goldmundo disse...

O drama do mundo é que uns são massas e os outros têm massa.