domingo, 17 de dezembro de 2023

Nadie Quiere La Noche / Nobody Wants the Night / Ninguém Quer a Noite (2015)

Poucos filmes têm um título tão desastrado. Resultado de uma produção espanhola, belga e búlgara, o título original é “Nadie Quiere La Noche”, mas já vi traduzido para “Nobody Wants The Night” e até “Endless Night”. O título português segue o original: “Ninguém Quer a Noite”.
Isto é o perfeito exemplo de um título mal pensado, até porque não nos diz nada da história. Parece mais um filme sobre prostitutas e é o suficiente para afastar potenciais interessados. Mesmo no contexto do filme, em que a frase é efectivamente proferida, é um diálogo forçado e bizarro, algo que ninguém diria naquela situação. Começa mal.
Mas o filme é melhor do que o título e merece atenção. Esta é a história de duas mulheres sozinhas nos rigores do Árctico, a lembrar a série “The Terror”.
Josephine Peary, mulher do explorador americano Robert Peary, que alegou ter sido o primeiro a alcançar o Pólo Norte em termos geográficos, é também uma aventureira e acompanhou o marido em diversas expedições ao Árctico. Em 1908 não o acompanhou desde o início, facto que nunca é explicado. Josephine diz apenas que o seu casamento de vinte anos se baseia na busca pelo Pólo Norte (inclusivamente, ela deu à luz durante uma dessas expedições) e que, desta vez, porque tem a certeza de que ele vai conseguir o objectivo, tem de estar lá com ele.
Para tal, Josephine paga uma mini-expedição que a leve a um posto seguro muito longe da civilização, uma cabana de madeira, quando já é Julho (quase inverno em termos polares). Tal como em “The Terror”, Josephine manifesta toda a arrogância da classe alta da altura. Começa logo por matar a tiro um urso polar, com todo o orgulho e petulância, como se estivesse numa caçada na terra dela. Não quer ouvir os conselhos de que já é tarde para partir. Faz-se acompanhar de baús com roupas caras, talheres, pratos de porcelana e copos de vidro. Igualmente como em “The Terror”, o racismo e o antropocentrismo impregnam as mentalidades da época. A morte de um esquimó durante uma expedição era considerada irrelevante. Os cães não eram permitidos dentro de tendas ou cabanas, o que é um erro colossal porque os animais contribuem para o calor. Por outro lado, compreende-se esta última questão, uma vez que os cães eram vistos como fornecedores de outras comodidades…
Josephine, segundo o espírito dos tempos, força tudo e todos a atravessar um estreito de gelo movediço (onde perde o melhor guia que tem) até encontrar a pequena cabana. O seu objectivo é esperar pelo marido antes do inverno polar. Mas é demasiado tarde, como todos lhe disseram, e ele não vem. A única Inuíte que não a abandona é uma rapariga chamada Allaka, que, Josephine vem a descobrir depois, espera um filho precisamente do marido de Josephine.
Na falsa segurança da sua cabana de verão de paredes finas e janelas de vidro, embora os recursos estejam a escassear e já não haja caça, Josephine dá-se ao luxo de recusar a carne de morsa crua oferecida por Allaka. Faz mal, porque assim que chega o inverno polar, a tal noite sem fim, Josephine começa a sofrer de escorbuto. Uma tempestade de neve com fortes rajadas de vento destrói completamente a cabana e Josephine não tem outro remédio senão abrigar-se dentro do iglu de Allaka, a única estrutura que resiste.
A comida acabou-se e receei que se seguisse o canibalismo. Tal não chegou a acontecer, mas por muito pouco.
Esta é a história da amizade improvável entre duas mulheres em condições extremas, onde apenas importa a sobrevivência por todos os meios. Duas mulheres que se colocaram propositadamente naquela situação: uma por arrogância, outra por fatalismo. O Árctico não respeita motivações, nem berço ou dinheiro, nem os nativos da terra, nem sequer os animais. Como se diria em “O Terror”: este sítio quer ver-nos mortos.
Aconselho este filme a toda a gente, apesar de poder e dever ser chocante.

15 em 20

 

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