domingo, 31 de dezembro de 2023

Charlie Says / O Culto de Manson (2018)

Gosto muito de filmes que retratam cultos, não apenas o de Charles Manson, mas também. É um erro pensarmos que não nos pode acontecer a nós. Conhecermos os meandros do fenómeno é a única maneira de nos protegermos de uma lavagem cerebral aos primeiros indícios de alarme, porque eles existem.
Não acontece do dia para a noite. “Charlie Says” conta a história pela perspectiva das três mulheres “Mansonitas” que cometeram homicídios a mando de Manson, quando estas já estão na prisão. Passados meses, anos, ainda acreditam em tudo o que Manson “profetizou”, como se este fosse um messias. Na verdade, Manson chegou a arrogar-se ser a segunda vinda de Cristo.
Mas nem tudo eram rosas no rancho onde a comunidade de Mason (a Família) se estabeleceu, longe disso. A princípio Manson é um homem carismático, acolhedor, bem-humorado, com ideias que agradam aos jovens hippies da altura. LSD e orgias são a norma. Todos os membros são incentivados a sentirem--se perfeitos, belos, e a deixarem para trás o “ego”. Quando as raparigas aliciadas já pertencem à comunidade, tudo muda. As mulheres não são autorizadas a ter dinheiro nem a ler nada senão a Bíblia. Outra coisa que eu não sabia: as mulheres só podiam começar a comer depois dos homens. (Ainda outro dado importante que não aparece muito salientado neste filme: as crianças eram retiradas às mães e criadas num infantário colectivo sob a supervisão das Mansonitas mais fanáticas para melhor controlar as mulheres que pensassem em desertar.) Manson chega a ser violento para com uma das discípulas como qualquer marido abusador, mas tudo isto é atribuído ao “amor”. Não era só uma forma de controlo, mas várias, o que lentamente ia formatando os indivíduos ao culto a ponto de acreditarem em tudo o que Manson dizia. E o que ele dizia era verdadeiramente absurdo: ia haver uma guerra racial, o Helter Skelter (segundo a canção dos Beatles). Usando ideias bíblicas, no Apocalipse cinco gafanhotos seriam mandados como praga para a humanidade. Quatro eram os Beatles, Manson era o quinto. Completamente delirante. Manson manda os discípulos cometerem crimes e darem a entender que foram os negros, para começar a guerra. A Família de Manson ia então refugiar-se nas profundezas do abismo de que fala o Apocalipse e só emergiria quando a guerra terminasse. Há mais, mas fiquemos por aqui.
Fascinante! Mais fascinante ainda é como é que jovens normais (se bem que inseguros e à margem da sociedade) acreditaram nisto tudo. Nunca é demais estudar estes fenómenos.
Como bom sociopata que era, Manson teria razões muito próprias e vingativas para ordenar os primeiros homicídios. Conhecido de Dennis Wilson, dos Beach Boys, Manson tinha ambições de se tornar uma estrela rock. Através deste conheceu o produtor Terry Melcher, que ouviu a música de Manson e não o contratou. Furioso, Manson manda os discípulos a casa de Melcher para o massacre. Só que entretanto Melcher tinha-se mudado e a casa estava alugada pela família de Roman Polanski (ausente nessa noite). O homicídio brutal da modelo Sharon Tate, esposa de Polanski e grávida de 8 meses, foi o crime hediondo que deu cara às vítimas. Segundo várias fontes, nos seus últimos momentos Tate ofereceu-se como refém para que a levassem e não a matassem até o bebé nascer. Não valeu de nada.
Este filme e outras séries/documentários contam a história, acrescentando mais pormenores. É cómodo preferir não conhecer os detalhes porque são demasiado chocantes. Mas nos dias da internet é ainda mais fácil estabelecer um culto, religioso ou outro. Toda a vigilância é pouca e começa nas nossas cabeças. Se cheira a culto, se tem contornos de culto, se a palavra do “líder” não pode ser questionada, então é um culto.
Filmes como este são mais documentários romanceados do que cinema propriamente dito, mas são obrigatórios.

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