domingo, 20 de novembro de 2022

O Convento (1995)

Nunca tinha visto o filme nem lido nada sobre ele (como prefiro fazer sempre). Vi recentemente e vi logo duas vezes seguidas. Primeiro, porque nem acreditava no que estava a ver; segundo, porque queria tentar compreender o final. Consegui o primeiro, não consegui o segundo.
Um casal em crise, Hélène (Catherine Deneuve) e Michael Padovic (John Malkovich) visitam um convento na Arrábida onde este investigador julga poder encontrar provas de que Shakespeare teria ascendência espanhola. A recebê-los, o curador do convento, que se apresenta apenas por Baltar (Luís Miguel Cintra) manifesta imediatamente uma atracção por Hélène. É também este quem lhes apresenta o assistente Baltazar (João Bénard da Costa) e a governanta Berta (a conhecida astróloga Heloísa Miranda num papel delicioso). Para ajudar o professor, Baltar chama também a conservadora dos arquivos, a recatada e religiosa Piedade (Leonor Silveira).
E depois começam a acontecer coisas estranhas. Baltazar e Berta são adoradores do Diabo em pleno convento. Baltar, ele próprio, parece ser o Diabo, ou apenas um demónio, que, qual Mefistófeles a Fausto, quer tentar o orgulho do professor Padovic a aspirar à imortalidade.
Como em todos os filmes de Manoel de Oliveira, há aqui demasiada filosofia para resumir numa crítica curtinha, mas pergunto-me que Mefistófeles teria ainda algum poder para desencaminhar um homem moderno e científico para quem a alma é uma abstracção simbólica.
Nada expressa melhor esta ideia do que a conversa entre Hélène e Baltar, quando este a leva à Floresta das Bruxas (como ele lhe chama) e fala dos tempos em que não havia diferença entre o Bem e o Mal. “Como agora?”, provoca ela, cinicamente. “É melhor agora, porque agora faz-se o Mal sem qualquer escrúpulo", responde ele.
Enquanto Baltar tenta seduzir Hélène, um outro romance começa a despontar entre o professor Padovic e a sua assistente Piedade. Mas será mesmo um romance, ou uma relação de admiração de uma filha para com um pai, como esta confessa a Baltar? Quem está a dizer a verdade, quem está a ser manipulado? Hélène, alegando ciúmes, “promete-se” a Baltar se este levar Piedade à Floresta das Bruxas e a “perder completamente”. O próprio Baltar hesita perante isto, porque reservava outro destino a Piedade: perdê-la num “grande pecado”. Mas aceita o desafio para conquistar Hélène.
Entre as conversas filosóficas, as estátuas de santos mutilados, a adoração demoníaca num convento, o jogo de manipulação, a possibilidade de Baltar ser o próprio Diabo (e parece que é), a música dissonante e estridente a lembrar um filme de terror, eu estava quase a dar 20 em 20 ao filme, quando o fim se torna confuso.
Piedade e Baltar vão à floresta, mas não me parece que este a consiga “perder”. “Tenho saudades de Deus”, diz ela, e o suposto demónio quase tem um ataque de depressão. Entretanto, no convento, o professor Padovic pensa que vê a mulher, Hélène, entrar na sala de arquivos com a aparência de Piedade. Hélène deixa-lhe um livro aberto sobre Helena de Tróia. Subitamente, Padovic decide que Helena de Tróia tinha o poder da ubiquidade, e vai encontrar Hélène na praia. Não conto mais, mas a nível de resolução não temos mais do que isto.
Que significa este final? Que Hélène e Piedade eram uma só e a mesma? Mas como, se foi Baltar quem apresentou Piedade ao casal e já a conhecia antes? E se Hélène já estava no convento muito antes de Padovic chegar (graças à tal ubiquidade), terá sido tudo isto para reconquistar o marido?
Não percebi. E, ao contrário de outros espectadores que gostam de especular, até mesmo aquilo que não tem especulação possível, eu prefiro os finais que oferecem uma explicação lógica. Ou melhor, uma explicação qualquer, mesmo que não seja lógica. Isto não significa que eu tenha preguiça de pensar, ou mesmo de especular. Muito pelo contrário. Gosto da explicação do autor para posteriormente lhe analisar os méritos e deméritos.
Sem dúvida que “O Convento” é um grande filme, sem dúvida de que gostei tanto que vi duas vezes de seguida, mas não me encheu as medidas todas. Tal como Baltar e Piedade, também a história se esfumou em nevoeiro quando tudo até ao momento se prometia materializar com um estrondo.
Por último, um elogio. Tenho-me queixado repetidamente, como AQUI e AQUI e AQUI, dos problemas de áudio nas produções portuguesas mais recentes. Caros técnicos de som, ponham os olhos neste filme. Ou melhor, os ouvidos. Mesmo com a música incessante e estridente, mesmo com as personagens a falar em línguas diferentes, mesmo com os sons de fundo, nunca em “O Convento” se notam problemas de áudio e dicção. Percebe-se tudo, ouve-se tudo, sem ter de se andar com o comando a levantar e a baixar o som constantemente. Para bom entendedor meia palavra basta e está tudo dito.

18 em 20


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