domingo, 1 de maio de 2022

A Rainha e a Bastarda

A filha bastarda de um rei, assassinada. Uma corte que guarda um segredo sórdido. Um herói relutante encarregado de descobrir o assassino. O rei e o herdeiro ao trono em guerra um com o outro. Heréticos religiosos. Sexo. Violência. Autoflagelação. Tortura. Sangue. Violação. Guerra dos Tronos? Não, História de Portugal.
Admito que não me lembro de gostar tanto de uma série portuguesa.
Não é nossa tradição misturar História com elementos ficcionais. Na minha opinião, e como todos os leitores já devem saber, também não sou adepta da mistura. Foi para isso que se inventou o género Fantasia, que pode muito bem ser baseado na realidade mas construindo todo um mundo ficcional que não confunde factos com ficção. A série é uma adaptação do livro homónimo de Patrícia Müller (ou terá sido o guião que deu origem ao livro? É confuso). Preferia que os autores portugueses não usassem a História como muleta para vender livros mas que antes embarcassem a 100% no género Fantasia, ainda tão mal visto entre nós. (Mas isto eram outros 300.) É nestas alturas que tenho saudades do Professor José Hermano Saraiva, que sabia estes pormenores todos e era capaz de nos esclarecer onde acaba a realidade e começa a ficção. Lamento, não estudei isto na escola. Só aprendemos que D. Diniz e D. Afonso andaram às turras e que D. Isabel, a Rainha Santa, tentou fazer as pazes entre pai e filho. Aliás, D. Afonso (o príncipe, mais tarde Afonso IV) nunca conseguiu ser simpático aos olhos de ninguém porque foi ele quem mandou matar Inês de Castro.
Mas vamos lá à série. Soror Maria Afonso, filha bastarda e preferida de D. Diniz, é assassinada no convento de Odivelas, onde esta tomara o hábito. Maria Afonso não tinha qualquer vocação para freira e acumulava amantes. D. Diniz encarrega o seu cavaleiro de confiança, Lopo Aires Teles, de descobrir quem a matou. Lopo é o herói relutante, já bastante farto da guerra civil que lhe levou um filho, e só quer afastar-se da corte. Mas não lhe é permitido.
Gostei da técnica estilística, bastante interessante, com que nos mostraram o luto de Lopo Aires Teles. Não se vê muitas vezes e também não é para abusar.
Lopo Aires Teles começa a investigar, quase como um detective moderno, interrogando todos os intervenientes, e é capaz de descobrir demais para seu bem. A Rainha Santa não é tão santa como a História a regista.
Não duvido que nos tempos históricos retratados toda a violência representada tenha sido real e banal, mas confesso que na minha ingenuidade tinha uma ideia diferente de D. Diniz, afinal o rei poeta das “froles de verde piño”, de cognome o Lavrador, que plantou o pinhal de Leiria. Julguei-o um homem mais sensível, delicado, gentil, sedutor, não esta besta autocrática que se julga arbitrariamente senhor da vida e da morte dos seus súbditos. Mea culpa, que o imaginei um homem à frente dos seus tempos, um autêntico romântico do século XIX, enfim, um poeta como o entendemos agora. É curioso, também, que a série não tenha feito grandes esforços para abordar essa faceta do rei como trovador. Não consigo sequer imaginar a personagem a fazer cantigas de amigo. Simplesmente não bate certo com o D. Diniz da série.
Não acredito em nada dos supostos “segredos” e vi “A Rainha e a Bastarda” como uma ficção qualquer. Daí a minha aversão pela “História” fantasiada. Mesmo assim, recomendo vivamente pelo entretenimento. Passou na RTP1 e espero que repitam.

E mais uma vez o problema do som
A série foi relatada em voz off para os invisuais, o que eu acho muito bem. Podiam também ter posto legendas para se perceberem os diálogos perdidos na má dicção e no volume muito baixo – o que já é costume, infelizmente. “Ai Deus y u é” um técnico de som capaz de resolver isto? O que é que se passa com o som nas produções nacionais mais recentes?


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