domingo, 3 de outubro de 2021

Child of the Prophecy, de Juliet Marillier


[contém alguns spoilers inevitáveis]

“Child of the Prophecy” é o terceiro livro da trilogia Sevenwaters iniciada com “Daughter of the Forest”. Desde o primeiro livro, fui muito crítica com certos problemas da autora, nomeadamente os anacronismos (o piquenique), a falta de massa crítica das personagens (que foi melhorando), e, acima de tudo, os enredos em que a bota não bate com a perdigota, e não há nada que me chateie mais do que este último. Até parece que autora foi lendo as minhas críticas porque os livros foram melhorando de volume para volume, e desta vez até conseguiu arrancar-me um 5 no Goodreads, o que não acontece frequentemente.
Se calhar porque é o último livro e eu já tinha muita bagagem para trás a influenciar-me, o início de “Child of the Prophecy” é um dos melhores primeiros capítulos que já li na vida.
Chiaran sempre se reuniu com Niamh ainda no segundo livro, onde ninguém os conhecesse (apesar de tio e sobrinha), e tiveram uma filha, Fainne, que foi a melhor coisa que lhes aconteceu. Ficamos logo a saber que Niamh, incompreensivelmente, se suicidou quando Fainne era pequenina, atirando-se de um penhasco. Este “suicídio” é suspeito, como assinala Bran (o marido de Liadan, irmã de Niamh, num dos seus poucos momentos de brilhantismo), mas mais tarde acabamos por saber tudo, tudinho. Chiaran acredita no suicídio (julga que Niahm não conseguiu viver com a relação amaldiçoada entre eles) e fica completamente destruído.
Adorei a personagem Chiaran, um homem destroçado que vive para a filha, o que lhe resta de um amor perdido. Fainne tem os mesmos poderes de feitiçaria do pai e este faz questão de lhe ensinar tudo o que sabe conforme esta vai tendo idade. Mas de repente Chiaran fica doente (o que é incomum para um feiticeiro), com todos os sintomas de tuberculose. Até então, Chiaran nunca tinha contado a Fainne os pormenores que esta devia saber sobre a sua mãe, a sua avó e a sua família em Sevenwaters. Subitamente, conta-lhe tudo, e diz-lhe que vai mandar vir a avó (a Lady Oonagh) para lhe ensinar as coisas que uma rapariga deve saber, e que depois disso a vai enviar para Sevenwaters. Fainne não percebe, naquela negação de quem não quer ver que o pai está a despedir-se e a fazer planos para depois da morte dele. Isto é daquelas coisas que me fazem chorar, e chorei copiosamente. Quando Fainne lhe pergunta se está alguma coisa mal, ele responde sarcasticamente: “Há alguma coisa que esteja bem?” Como não amar um personagem destes? Mas Fainne demora a perceber porque não quer acreditar no que os seus olhos vêem, o lento definhar que está a acontecer ao seu pai.
Já sabíamos que a Lady Oonagh é uma megera. Mas este terceiro livro mostra-nos realmente que tipo de megera ela é. Aqui tenho de criticar novamente, porque esperava mais profundidade desta vilã. Marillier ainda não se consegue livrar (neste livro) dos vilões 100% malvados, daqueles que só servem para fazer mal. Lady Oonagh, afinal, é outra destas, uma vilã sem interioridade. Fiquei desapontada, confesso. Desde o primeiro livro que a Lady Oonagh é a vilã “número um”, merecia mais tridimensionalidade do que teve.
Pois esta megera não mudou nada, e assim que se apanha sozinha com Fainne diz-lhe que é ela quem está a fazer o filho adoecer (o próprio filho, Chiaran!). Para quê? Para controlar Fainne. A Lady Oonagh quer que Fainne vá para Sevenwaters acabar o que ela própria não conseguiu: destruir Sevenwaters e impedi-los de recuperar as ilhas sagradas.
Finalmente compreendemos, mais ou menos, porque é que as ilhas sagradas são tão importantes, e porque é que a Lady Oonagh disse, logo no primeiro livro, que ela e a Senhora da Floresta eram “a mesma”. Quanto a isso, a conclusão é satisfatória, embora tenha ficado um mistério a pairar. Parece que os feiticeiros pertenciam aos Fair Folk e foram expulsos porque alguém de entre eles usou o seu poder para lançar ao mundo um grande Mal, Mal este que nunca é explicado. Fiquei com a ideia de que quem fez isso foi também a Lady Oonagh, mas é dito tão depressa que tive dúvidas. Não me surpreendia nada que tivesse sido TUDO ela, porque a Lady Oonagh é má como as cobras e só sabe fazer o Mal.
Por falar em Mal, a Lady Oonagh confessa que nunca pensou que os seis irmãos transformados em cisnes (“Daughter of the Forest”) sobrevivessem. O que não é muito inteligente, especialmente tendo em conta que ela sabia perfeitamente que tinha os Fair Folk contra ela e bastante capazes de intervir, como intervieram. Parece que a autora também “leu” as minhas críticas neste ponto porque a questão das “empadas” é abordada, uma das vezes sem graça nenhuma (a rapariga transformada em peixe que é incautamente comida pela família). A Lady Oonagh também não teve um fim nada glorioso, desculpem lá o spoiler.
Fiquei contente por ver que finalmente os irmãos restantes se tinham preparado para combater a Lady Oonagh, ao contrário do primeiro livro em que depois de “desencantados” regressam a casa sem qualquer plano, mesmo a pedir para serem transformados em empadas.
(Faço aqui um aparte para comentar que é mesmo por causa destas incoerências de lógica que os contos infantis raramente resultam como ficção para adultos. Se a Lady Oonagh quisesse de facto matar os enteados não os transformava em cisnes só para os deixar ir, arriscando que os seus inimigos fornecessem o contra-feitiço para a derrotarem. Não, transformava-os em patos e fazia empadas com eles. Mas aqui acabava-se a história e não havia trilogia, não era? Logo, muita coerência teve de ser sacrificada em prol de existir um enredo.)
Fainne foi a minha personagem preferida nesta saga toda, e nem sequer por ser feiticeira. Aqui ela é apenas uma miúda assustada a tentar salvar o pai e os amigos das ameaças da Lady Oonagh, compreensivelmente receosa de não ser tão poderosa como a avó.
O final deixa algo de tristeza, porque afinal, pelo que me parece, mesmo salvas as ilhas sagradas, aquilo que os Fair Folk e os Old Ones mais temiam acabou por acontecer: perdemos a conexão com a espiritualidade da Terra e da Natureza, um assunto muito melhor abordado em “As Brumas de Avalon” que aqui é simplesmente tocado ao de leve. Ou será que o facto de estarmos a ler esta saga significa exactamente o contrário, que afinal pelo menos alguns de nós nos reconectámos, ao fim destes séculos todos? Mesmo sem ilhas sagradas, pois as ilhas sagradas estão dentro de nós.
Mas agora já sou eu a filosofar.
Adorei esta saga, mesmo com todos os problemas que assinalei, e reparei que a autora foi melhorando de livro para livro. Por exemplo, aqui não pôde recorrer ao “truque” de mostrar o que o personagem não presenciava através do dom da Visão, que era muito conveniente em termos de escrita mas que se tornou até abusivo no segundo livro. (Para isso, mais valia recorrer ao Narrador Omnisciente, e daqui ninguém me tira.) Vou continuar a ler a autora na esperança de que mais coisas boas venham daqui.
Recomendo vivamente, e que comecem pelo princípio, “Daughter of the Forest”, embora este terceiro livro tenha sido de longe o meu favorito.
Desta vez fico-me por aqui para não incorrer em mais spoilers. Direi, como conclusão, que as perguntas por responder dos livros anteriores tiveram uma resposta satisfatória e que Chiaran (mais até do que Fainne) ficará no meu panteão de personagens preferidos de sempre.


2 comentários:

Rita disse...

Se seguires a ordem cronológica dos livros que se seguem verás que as histórias estão interligadas, Saga of the Light Isles, dois livros também eles muito bons! Ainda bem que gostaste desta trilogia.

katrina a gotika disse...

Obrigada pelo comentário! :)
Agora vou ler “The Dark Mirror”, início de outra trilogia, porque me foi aconselhado pela mesma pessoa que me aconselhou “Daughter of the Forest”.
Se calhar vou saltar a ordem cronológica mas já estou habituada a apanhar o fio à meada nestes casos.