[contém spoilers!!!]
"Daughter of the Forest" é uma história é inspirada no conto infantil em que a madrasta má transforma os enteados em cisnes, mas este é tudo menos um livro para crianças.
Fiquei com sentimentos contraditórios após ler esta história. Por um lado tem partes brilhantes que me fazem querer gostar muito mais do que gostei, e depois tem inconsistências que simplesmente não me deixam apreciar o enredo e as personagens como teria desejado. De 1 a 5 não lhe daria 3 nem 4 mas 3,5. E é pena porque queria ter gostado mais.
A protagonista é demasiado nova
Primeiro que tudo, esta história teria sido infinitamente melhor se a protagonista fosse uns dois anos mais velha. Sorcha, a irmã mais nova que tem por missão salvar os seis irmãos do encantamento que os transformou em cisnes, tem apenas 12 anos quando a história começa. Apesar disso, é uma curandeira respeitada por toda a gente. A história começa logo aqui a desafiar a credibilidade. Sorcha é uma menina nobre e diz que encontrou livros de medicina esquecidos algures (isto eu aceito), e também se informou junto de mulheres sábias da povoação. Pois bem, se havia mulheres sábias porque é que toda a gente recorre a uma fedelha de 12 anos? Nem é a questão dos conhecimentos que ela pudesse ter, é mesmo a questão da autoridade, e nestas coisas da saúde as pessoas só confiam em quem tem autoridade (mesmo que tenha menos conhecimentos). Mas a autora leva isto ao cúmulo quando após ajudar a um parto Sorcha faz respiração boca-a-boca a um recém-nascido que não respirava. Ora, ainda nos anos 70 a solução para isto era dar uma palmada nas nalgas. Como é que uma fedelha de 12 ou 13 anos, dos confins da floresta céltica irlandesa do século IX, sabe mais do que médicos e parteiras do século XX? (Ou éramos nós assim tão atrasados?) Estas coisas arrancaram-me completamente à Fantasia e fizeram-me revirar os olhos. Teria sido bem diferente se Sorcha fosse mais velha e tivesse mais experiência com partos, ou, noutras circunstâncias, se tivesse crescido com uma familiar que era parteira e tivesse aprendido com ela. Assim, Sorcha é demasiado competente para a experiência e idade que tem. Mais dois anos de idade teriam feito maravilhas pela credibilidade da personagem sem interferir com a história.
Há mais incoerências. Quem costuma ler aqui o blog já sabe que me chateia muito quando a bota não bate com a perdigota. Neste caso, acho que a autora se agarrou demasiado ao conto infantil em pontos em que não devia. Quando contamos uma história às criancinhas sobre uma menina e seis irmãos, as criancinhas não questionam. Quando se conta um conto de fadas aos adultos, as perguntas começam a surgir umas após outras. Que idade tem a mais nova, que idade tem o mais velho? Do que percebi, se Sorcha tem 12 anos o mais velho deve andar pelos 18 ou 19 anos, no mínimo. Logo a princípio, quando ele fica noivo e a noiva o vem visitar, este mancebo casadoiro ainda se mostra tão juvenil que se reúne com os irmãos, todos num círculo de mãos dadas como um grupo de putos wiccans. Mas Liam (o mais velho) não é nada juvenil. Não faz sentido nenhum que em vez de querer estar com a noiva (às escondidas, se preciso fosse) preferisse encontrar-se com meia dúzia de fedelhos. Contraria tudo o que conheço da vida. Rapazes desta idade com uma noiva que lhes interessa já não andam com miúdos pré-púberes a não ser para tomarem conta deles (e a maior parte das vezes a fazer um grande frete obrigados pelos pais). Tive de fazer um grande esforço para fingir que acreditava nestes rituais de infância ainda observados por sete jovens em fases da adolescência tão díspares. Todos eles às vezes parecem muito adultos (Sorcha principalmente, apesar dos 12 anos, quando discursa sobre a unidade que os assemelha aos sete ribeiros que dão nome a Sevenwaters) e às vezes portam-se como criancinhas.
A pior destas incoerências relativas à idade da protagonista é quando Sorcha conhece alguém que se apaixona por ela, Red, e ele próprio não sabe se lhe há-de chamar criança ou rapariguinha. Como é que é, Red? Criança ou rapariga? É que não sou eu que estou a inventar estas coisas. Estão explícitas na história quando ele se refere a ela como “criança”. Não sei a idade dele e quero acreditar que não tenha ainda 20 anos (mas neste caso quanto mais velho pior porque ela só tem 13) mas não me parece que um homem (mesmo jovem) que tenha sentimentos românticos por uma rapariga lhe chame criança em nenhuma circunstância. Se a Sorcha fosse apenas uns dois anos mais velha tudo faria muito mais sentido.
O feitiço
Lady Oonagh, a madrasta má, quer livrar-se dos enteados para que o filho dela herde o domínio de Sevenwaters. Até aqui bate certo. Mas depois transforma-os em cisnes e deixa-os ir à vida deles. Não seria muito mais lógico apanhá-los e fazer empadas? (A ideia não é minha, é de uma tragédia grega.) Foi imediatamente em que pensei ao ler algumas críticas que alertavam que este livro tem muito sofrimento, que é muito pesado, etc. É tudo relativo. Habituada como estou a doses descomunais de porno-tortura, esperava muito mais perversidade. A autora podia ter lá ido, e a certas alturas noto-lhe uma perversidade subtil e até perturbadora (ver Finbar) mas não é tão pesado como podia ser sido.
Sorcha consegue escapar por pouco ao feitiço. Eis quando lhe aparece a figura da fada madrinha na Senhora da Floresta que lhe ensina como reverter o encantamento. Tem de fazer seis camisas de uma planta espinhosa que tem de apanhar, fiar e tecer ela própria, tudo isto sem pronunciar uma única palavra ou sequer um som até terminar a tarefa. As camisas têm de ser vestidas aos irmãos exactamente ao mesmo tempo, quando todas estiverem prontas. Duas noites por ano, no solstício de verão e no solstício de inverno, os irmãos escapam ao encantamento e transformam-se de novo em homens desde o anoitecer ao amanhecer.
Admito que a princípio embirrei com a Sorcha. Ela é mimada, convencida, sabichona e, o pior de tudo, daquelas pessoas muito positivas e optimistas porque nunca passaram por nada. Assim que lhe é pedido que se submeta a esta tarefa excruciante, Sorcha responde imediatamente que é “forte” e que vai conseguir tudo e mais alguma coisa, o que ainda me fez embirrar mais. Só comecei a simpatizar com ela quando admitiu que afinal podia não ser tão forte como pensava e que nem tudo na vida está dentro do nosso controlo. Aí sim, deixou de ser uma menina privilegiada e tornou-se uma personagem com que consegui empatizar.
Mas demorou. Tenho de dar os parabéns à autora por ter escrito tão vividamente o sacrifício que implicou toda esta tarefa com a planta espinhosa. A planta é chamada starwort. Pesquisei mas não consegui encontrar o nome em português nem sei se a planta existe entre nós. [Se alguém souber, deixe nos comentários, por favor.] Mas foi tão bem descrito que imaginei o que conheço, aqueles cactos que deitam uns espinhos fininhos, quase invisíveis, que se espetam debaixo da pele e dentro da carne e têm de ser tirados à pinça. Ao ler tantas vezes como era doloroso fiar esta planta, e como as mãos dela incharam e se deformaram, a certa altura também comecei a sentir picadas nas mãos. Verídico. É preciso escrever muito bem para causar esta impressão no inconsciente do leitor. Este foi um dos momentos brilhantes do livro que nos provam que a autora tem grande talento, se bem que nem sempre os enredos mais bem construídos, mas lá voltaremos de novo.
Não percebi, sinceramente, a necessidade de silêncio. A Sorcha está proibida de falar, mas aparentemente só não pode dizer nada sobre o encantamento e não pode explicar a tarefa. De resto, ela comunica por linguagem gestual e “fala” de tudo e mais alguma coisa e até comunica telepaticamente com alguns dos irmãos. Batota! Isto faz com que a Sorcha tenha a vida muito mais facilitada do que se não pudesse mesmo comunicar de forma nenhuma, o que muito possivelmente a colocaria em situações ainda mais periclitantes do que já acontece. Mas, sendo assim, ela podia muito bem falar normalmente e dizer “sobre isso não me perguntem” em relação ao assunto proibido. A Senhora da Floresta também é uma grande sádica e ainda teve o desplante de lhe dizer “não sou eu que invento estes feitiços”. Então quem é, Senhora da Floresta? Sorcha, porque não lhe perguntaste isto?
Por último, a Lady Oonagh diz aos irmãos que não devem contar com a ajuda da Senhora da Floresta porque ambas são “uma só”. Ora, eu acho que isto devia ser explicado. O encantamento é o enredo principal do livro. E ao chegar ao fim da história também concluí que as Fadas (os Fair Folk, no livro) a que a Senhora da Floresta pertence também não são de fiar. Mais uma razão para esta questão ser explicada. Compreendo que a Lady Oonagh pode estar a querer dizer que a magia negra/má e a magia branca/boa são duas faces da mesma moeda, mas a Lady Oonagh é humana, não é Fada (ou será?).
Algo que me deixou perplexa durante o livro todo é que nunca, nem por um instante, Sorcha ou os irmãos pensam em aprender magia também para derrotar a Lady Oonagh. A certa altura (não direi quando) decidem ir confrontá-la os sete sem terem qualquer plano. Isto não foi inteligente. A mulher já os tinha transformado em cisnes, podia transformá-los noutra coisa qualquer ou fazer muito pior. Não me importa que eles tivessem um bom plano ou um mau plano, desde que o tivessem. Convenientemente, a Lady Oonagh sabe da vinda deles e foge. O que não faz sentido nenhum. Agora ela já tinha conseguido tudo o que queria. É uma mulher poderosa capaz de transformar pessoas em cisnes (e não pode ser a única coisa que é capaz de fazer) e foge? Só há uma “desculpa” para esta resolução insatisfatória, e essa é que a autora planeasse desenvolver esta história noutro livro mais dedicado à Lady Oonagh. Não sei se o fez ou não, mas compreendo que o quisesse fazer. Não considero esta ponta solta muito grave mas irritou-me que os sete irmãos não tivessem um plano.
Finbar o Gótico
Finbar é o meu personagem preferido. Um dos irmãos do meio, é o mais próximo de Sorcha e partilha com ela uma ligação telepática. Finbar tem algumas qualidades “vampirescas” que dão logo nas vistas aos “entendidos”. Não só consegue transmitir pensamentos telepáticos (conversas inteiras, com efeito) como consegue transmitir também imagens. Tem dons proféticos. Consegue aproximar-se das pessoas sem fazer barulho como se aparecesse “do ar”. E depois tem alguns traços nitidamente góticos, como o pacifismo, a melancolia e a visão pessimista da vida. E a rebeldia.
Tudo começa com ele, na verdade, quando se revolta contra o pai. Há muito tempo que dura uma guerra com os Bretões (a acção passa-se no século IX, tempo do rei Aethelwulf, mas não o de Vikings em que a série aglutina dois séculos numa única linha temporal). Os três irmãos mais velhos participam na guerra com entusiasmo, mas Finbar prefere aderir à Amnistia Internacional e quando um prisioneiro de guerra é capturado e torturado pelos soldados do pai decide libertá-lo. O que até nos dias de hoje é considerado traição. (Aliás, aquela revolta toda contra o pai caiu ali de pára-quedas. Lord Colum, o pai, é um homem distante dos filhos desde que a esposa que amava morreu de parto quando Sorcha nasceu, mas tirando isso não merecia aquela hostilidade toda em frente dos seus súbditos.) Finbar quer o fim da guerra e o começo de negociações (mas a guerra nunca é algo realmente relevante na história, apenas pano de fundo). Lord Colum e os irmãos mais velhos nem querem ouvir falar do assunto. Novamente a tal inconsistência. Por muito que Sorcha fale de unidade e façam rodinhas wiccans de mãos dadas, não há unidade. A própria Sorcha o diz, que os irmãos mais velhos iam ficar muito zangados se suspeitassem do que Finbar quer fazer. Lá se vai a unidade dos sete ribeiros, não, Sorcha? Direi mesmo mais. A verdadeira unidade entre eles só acontece depois do feitiço que sofrem juntos, não antes.
Finbar recruta Sorcha para lhe preparar uma beberagem que põe os guardas a dormir e lá conseguem libertar o prisioneiro, Simon. Outra grande inconsistência. No decorrer da história percebemos que toda a gente reconhece que Sorcha tem conhecimentos médicos. Que toda a gente recorre a ela quando é necessário. (Passe a falta de credibilidade que isto tem.) E no entanto ninguém desconfia que foi ela quem drogou os guardas? Muito estranho. Seja como for, Finbar e Sorcha conseguem tratar o prisioneiro e dar-lhe uma hipótese de sobreviver e escapar. O começo da história (principalmente toda esta parte em que Sorcha é a enfermeira de Simon) pode ser considerado algo lento para quem gosta de mais acção, mas eu não me importei porque acho que vale a pena esperar pelas partes boas e deixo ao autor a liberdade de me guiar até elas como lhe parecer melhor. Nunca pensei que Simon regressasse, e muito menos que Simon também se tenha apaixonado por Sorcha quando ela ainda era uma miúda. É algo que deve ser de família, gostar delas aos 12 anos, e não digo mais nada.
Finbar personifica um dos momentos mais perturbadores da história. Mais perturbador do que a cena da violação e a morte de alguém que não vou revelar, mais perturbador do que a cena da fogueira. Como cisne, Finbar tem uma “esposa” cisne e dois patinhos. Em forma humana, lembra-se deles e atormenta-o tê-los abandonado. Ora, nem sei o que devo sentir perante isto. Tristeza? Repulsa? Pena? Acabei por decidir-me pela tristeza e foi uma das coisas mais amargas que já li na vida. Entre dois mundos, Finbar não consegue pertencer a nenhum porque está demasiado dividido. O que ele resolve no fim (e desconfio que sei o que é) faz todo o sentido. No final, Finbar é completamente gótico, um espírito atormentado que anseia libertar-se do seu estado humano.
Os vilões
A história tem dois vilões e ambos são apresentados a preto e branco, o que raramente faz personagens cativantes.
Mesmo assim, Lady Oonagh é uma vilã bem conseguida. Talvez seja até a personagem mais bem conseguida da história toda. Todos nós já conhecemos uma Lady Oonagh, pelo menos. Tive o azar de me cruzar com várias e conheço bem a peça. Marillier também a deve conhecer e nota-se na perfeição com que a retrata. Faz-me ficar em pulgas para ler mais sobre ela. Quem era, de onde veio, para onde foi, onde aprendeu as artes mágicas, quem a ensinou. Se não houver um livro sobre a Lady Oonagh vou ficar muito desapontada.
E depois temos outro vilão, Lord Richard, que já não me convenceu. Lord Richard é execrável em vários sentidos. É o tipo de vilão irredimível que ali está para o odiarmos sem reservas. Prefiro vilões complexos e “cinzentos”, mas no que toca às intenções da autora, foram bem conseguidas. A caracterização da personagem, contudo, não foi tanto. Lord Richard revela-se um homem extremamente sádico quando Sorcha recusa os seus avanços. Cheio de orgulho ferido (e com outras motivações adicionais que não vou revelar) arranja maneira de a condenar à fogueira sob várias acusações, uma delas de feitiçaria. Não contente com isto, durante as semanas em que a mantém aprisionada delicia-se a torturá-la psicologicamente com os pormenores da morte que a espera: a construção da fogueira, o fogo, a dor, tudo com tanto detalhe e malvadez que raramente encontrei um vilão tão sádico. Um nível de sádico acima do Hannibal Lecter, acreditem ou não, que ao menos anestesiava as vítimas. É este nível de sadismo que não me convence. Este nível de sadismo não se desenvolve da noite para o dia e não se consegue esconder das pessoas mais íntimas (que são as principais vítimas). Uma rejeição amorosa também não o explica. Um sádico assim começa na infância, e se for narcisista também (e geralmente são) por esta altura já todos conheceriam a peste que ali estava. Das duas uma, ou já teriam cortado relações ou, se não pudessem, viveriam aterrorizados por ele. Não é nada disto que acontece com a família de Lord Richard, que o acha simplesmente desagradável. Não, um sádico destes não é apenas desagradável. É um terror. A família é a primeira a sofrer. Aqui, Marillier errou ou exagerou. Funciona, mas não me convence.
A autora
Juliet Marillier consegue criar uma Fantasia Romântica com uma leve base histórica que resulta muito bem a esse nível. Mas não se espere daqui um romance histórico porque não o é. Aqui reina a Fantasia. Sorcha, na floresta, ouve as fadas das árvores, o que pode parecer algo infantil. Mas há outros seres sobrenaturais. Não há nada de infantil no momento de Dark Fantasy em que as sereias aliciam Sorcha, desesperada e traumatizada, a juntar-se a elas no mundo aquático “onde não há mais dor”. Por um instante temi que Sorcha cedesse à tentação de as ouvir e pusesse fim à vida. Esta é das tais passagens brilhantes que quase nos fazem esquecer as inconsistências.
Mas os momentos mais impressionantes são a violação (muito gráfica, muito pormenorizada, muito traumática) e a fogueira, que realmente nos arrepia. Toda a relação de Sorcha com a floresta é igualmente bonita e bem descrita.
Só tenho algo a apontar à forma como Sorcha, em primeira pessoa, “justifica” ter de contar a violação como “algo que determina” tudo o que aconteceu depois. Não, não determina nada, nem a autora tem de se justificar. A violação é uma coisa que acontece, independente do enredo, e que tem uma influência marginal nos acontecimentos seguintes. Sorcha vivia escondida numa gruta da floresta enquanto se dedicava à sua terrível tarefa, mas a sua subsistência tinha-se tornado insustentável. Mais tarde ou mais cedo teria de procurar um abrigo mais seguro e confortável. Com ou sem violação. Eu sempre pensei que a violação estaria mais ligada ao enredo mas afinal é algo que acontece à margem.
Não é a primeira vez que através da primeira pessoa a autora nos tenta manipular a concordar com o desenvolvimento da narrativa. Eu dispensava estas manipulações que a certa altura se tornam demasiadas, desnecessárias e justificativas. Especialmente quando Sorcha diz “nos contos tradicionais tudo acaba bem, os vilões são castigados, não há pontas soltas, mas esta é a minha história, etc”. Completamente desnecessário e manipulativo. A autora não tem de pedir desculpa.
Outro pormenor que me irritou, mas parece que os autores anglo-saxónicos não prestam tanta atenção a estas coisas como nós, foi a quantidade de anacronismos linguísticos que fui apanhando na história. O pior, o uso da palavra "piquenique", duas vezes!, pela protagonista. Não, não, não. Nem era necessário. Pergunto-me se não foi uma palavra ali inserida pelos editores, uma vez que a autora até respeita a linguagem da época. Aquele “piquenique” e outras que tais destroem a nossa imersão na Fantasia e tornam o livro desleixado. É uma pena.
Outro ponto negativo é o recurso ao deus ex machina, e por duas vezes! Da primeira, quando Red está mesmo prestes a ser morto na floresta e Sorcha se lembra de pedir ajuda aos Fair Folk. (E porque não pediste também antes e depois, Sorcha?) Da segunda, quando Sorcha já está na fogueira e aparece alguém que estava ausente no preciso instante em que a salva por uma unha negra. Ainda estou para encontrar alguém que goste de deus ex machinas, e eu também não gosto. Na segunda vez nem seria necessário porque os irmãos estavam presentes e podiam tê-la salvo sozinhos.
E por falar nisso, lamento dizer que fomos roubados do verdadeiro clímax da história. A autora não “mostra” o fim do feitiço, antes o descreve pela boca de personagens que ainda por cima são secundárias. Não percebi esta opção (a autora tem talento de sobra para mostrar a cena) e senti-me defraudada. Também não achei graça nenhuma àquela ideia de a camisa voar no vento e ir parar por artes mágicas onde era necessária. Com ou sem influência dos Fair Folk. Não era isto que eu queria ver. E acaba por funcionar como outro deus ex machina, fazendo três, e somando dois na mesma cena.
São estas coisas que me fazem não gostar tanto do livro como podia ter gostado. A todo o momento queria acreditar que não iam aparecer mais coisas destas, que eram só um percalço, mas os “percalços”, mesmo os de menor importância, foram-se avolumando uns em cima dos outros e acabaram a criar uma montanha de percalços. Uma montanha, passe a poesia, cuja sombra obscureceu os momentos brilhantes que o livro efectivamente tem. E é pena. Quando é preciso, a autora tem um tipo de escrita vívida e sensível, às vezes poética, de que gostei muito. Também gostei dos momentos perturbadores e jamais esquecerei Finbar e a sua família de cisnes.
Se é um livro que vou ler duas vezes? Não. Não gostei o suficiente. Mas gostaria de dar outra oportunidade a esta escritora (parece que este é o livro de estreia) e perceber se as inconsistências desaparecem noutras histórias ou se se tornam norma.
Desaconselho este livro a toda a gente que detestar Fantasia e Fadas e encantamentos e enredos românticos em geral. Aconselho vivamente a quem gostou de “As Brumas de Avalon”. Não é tão bom, nem por sombras, mas às vezes parece umas Brumas de Avalon menos pesadas.
3 comentários:
Na verdade, Daughter of the Forest, é o primeiro de uma saga. Já li há vários anos e esqueci-me do nome do livro seguinte porque emprestei-o e nunca mais o vi mas com uma rápida pesquisa na net poderás identifica-lo (peço desculpa mas o dicionário do meu telemóvel é muito incompleto e não me deixa colocar acentos manualmente) mas recordo-me de que foi o meu preferido. A história continua na pessoa da filha de Sorcha, Liadan, personagem que achei bem mais fascinante.
Sim, vou tentar o próximo. Já li críticas a dizer que é melhor do que o primeiro. Fiquei interessada.
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