Um seminarista em crise de fé, uma psicóloga agnóstica e um cientista muçulmano investigam fenómenos paranormais ao serviço da Igreja Católica. Trabalhando contra eles, Leland Townsend, psiquiatra forense e satânico, lidera uma organização demoníaca que pretende dar origem ao Anticristo.
Dito assim, isto parece os "Ficheiros Secretos" com demónios em vez de extraterrestres, mas a semelhança com os "X-Files" termina antes de começar.
Confesso que vi "Evil" de queixo caído, não por achar a série fantástica mas por me questionar continuamente a quem é que a série era dirigida. Kristen Bouchard, a psicóloga, tem quatro filhas entre os 10 e os 15 anos. Os demónios são fofinhos ou engraçados, nunca assustadores. Seria uma série de "terror para crianças"? Mas ao mesmo tempo, depois da primeira temporada, "Evil" enveredou também por cenas de sexo tão maradas que não podia ser para crianças. À semelhança de "Ficheiros Secretos", alguns casos investigados têm explicação científica, outros não. Muitas das conclusões podem parecer demasiado "beatas" para alguns gostos e quanto às respostas científicas não consigo opinar, mas muitas coisas pareceram-me mais ficção científica do que realidade.
O enredo é completamente desvairado. David Acosta, o futuro padre, tem visões do Céu, do Inferno, de anjos e de santos. Tem também uma atracção por Kristen, e durante algumas temporadas David não consegue decidir entre ela e Deus, sendo atormentado por demónios na forma de Kristen que o tentam sexualmente. Kristen corresponde à paixão de David, apesar de casada, e ao longo da série torna-se cada vez mais destravada e arrogante, a ponto de matar um homem e safar-se porque tem uma amiga na polícia que a encobre. Na verdade, detestei a personagem por uma batelada de razões, mas a principal é que ela tem a mania de que é boa. Nisso sai à mãe, Sheryl Luria, que não olha a meios para conseguir os fins e que também pertence à organização de Leland. A filha mais velha de Kristen, de 15 anos, tem mais juízo do que as duas juntas. O personagem mais simpático é mesmo Ben, o cientista, sempre muito pragmático e leal, que não se deixa levar por superstições e contos do vigário.
Entre os elementos alucinados de "Evil", temos também uma freira que vê demónios e que os mata com o sapato (quando são pequenos e fofinhos, o que até dá pena deles); uma app que as miúdas usam para "detectar" demónios, e que evidentemente os "detecta" para que os utilizadores não deixem de a usar, o que as leva a exigir um "exorcismo porque a casa está cheia de demónios"; demónios peludos e chifrudos na posição de CEOs de empresas e organizações cotadas em bolsa (nisto eu acredito!); lendas urbanas que dizem que durante um furacão os demónios caminham na terra; a freira a dizer que os furacões são obra do Diabo e apenas Ben a explicar que são consequência das alterações climáticas; um demónio numa reunião remota por Zoom que quer falar mas está em mute e têm de o ensinar onde activar o microfone.
Então, o que é "Evil"? Comédia? Se é, eu não achei graça nenhuma. Drama? Demasiado ligeiro. Terror? Só se for para criancinhas, porque não mete medo nenhum. Depois de ver a série toda a tentar perceber o que ia sair dali, concluo que "Evil" é um comentário social que explora os conceitos do que é o Mal, desde o Mal clássico e personificado por diabos chifrudos (pobre deus Pan não tem culpa de nada disto!) aos novos males que podem ser colocados pela ciência, pela tecnologia, pela Inteligência Artificial, pela internet.
Não gostei da maior parte dos episódios, mas um dos meus preferidos foi sobre um programa que, usando Inteligência Artificial e informação de emails, voice mails e redes sociais, permitia manter uma conversa/relação com um falecido, incluindo conversas usando a voz deste. O programa também permitia conversar com figuras históricas e pessoas conhecidas, ou até manter um flirt com uma paixão proibida. Eu já tinha ouvido falar nestes programas e, sinceramente, acho que a possibilidade de continuar a "falar" com um falecido através de Inteligência Artificial é algo arrepiante, já para não dizer que impede a pessoa de fazer completamente o luto. Eis um bom exemplo de uma tecnologia que questiona os nossos princípios éticos e até as nossas noções do que é moral.
A melhor razão para ver "Evil", no entanto, é mesmo Michael Emerson, o enigmático Ben Linus de "Lost", no papel de Leland Townsend. Michael Emerson é uma boa razão para ver tudo, até uma telenovela mexicana. Este é um daqueles actores grandiosos que enchem o écran sem precisarem de dar muito nas vistas, e Michael Emerson parece que nasceu para fazer papéis maléficos. Deste modo, "Evil" assenta-lhe como uma luva.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez
PARA QUEM GOSTA DE: Os Ficheiros Secretos, The X-Files, exorcismos, paranormal, ciência, ficção científica, sexo marado, Michael Emerson (Lost)