O que eu gosto mais neste filme de terror é que não implica o sobrenatural. Não há aqui nenhuma criança possuída pelo diabo, filha do diabo ou com poderes maléficos. É tudo tão realista que eu diria mesmo que é educativo: toda a gente devia ver este filme com muita atenção e descobrir que conhece pelo menos uma Esther, se não duas ou três. É útil conhecer as Esthers desta vida para não fazermos o papel de parvos que os pais adoptivos fizeram. Quando se conhece uma Esther a única solução é fugir.
Esther é uma órfã russa adoptada por um casal americano já com outros dois filhos pequenos. Este casal perdeu o último filho, nado-morto, e para superar o desgosto decide adoptar uma terceira criança a quem pretende dar o amor que teria dado ao filho falecido. Mas assim que Esther chega a casa, coisas más começam a acontecer. Algumas coisas teriam sido evitadas se os pais não tivessem uma política de não trancar as portas. Eu sou uma grande crente em portas trancadas, já por causa das Esthers. Como diz o ditado americano: boas vedações fazem bons vizinhos. Não é que uma porta trancada consiga impedir uma Esther de entrar, mas dissuade muito.
É impossível não empatizar com Esther. Ela tem 9 anos, é bonita, talentosa, precoce, inteligente, pinta e toca piano, e veste-se como uma bonequinha gótica (versão criança). Adorável, na verdade. As Esthers são sempre adoráveis. E, no fundo, pensamos: pobre criança, sabe-se lá o que já sofreu na vida, se calhar foi isso que a tornou assim. Não é claro que traumas de infância tenham tanta influência na formação de um sociopata, mas bem não podem fazer. E é tudo o que posso dizer do enredo.
“Órfã” é um daqueles filmes de terror raros, baseados num drama realista e interpretações brilhantes de grandes actores. Até nos papéis secundários, por exemplo, em que CCH Pounder (a detective Claudette Wyms de “The Shield”) brilha nos seus dez minutos como Irmã Abigail. Aqui, todos os actores deram o máximo.
Mas as melhores interpretações vão sem dúvida para os miúdos, especialmente as duas meninas, sempre no centro do enredo. Confesso que julguei que Isabelle Fuhrman (Esther) fosse daquelas adolescentes de 12 ou 13 anos que conseguem passar por mais novas e caiu-me o queixo quando pesquisei que a actriz tinha apenas 10 anos à altura. Uma interpretação verdadeiramente arrepiante para alguém desta idade e uma actriz a ter debaixo de olho. Li que entrou nos “Hunger Games” mas não reparei nela. Gostaria muito de a ver num papel a sério hoje em dia.
E depois temos Vera Farmiga, a força da natureza, no papel da mãe. Já aqui falei de Vera Farmiga e de como esta actriz me surpreendeu como Norma Bates em “Bates Motel”. Foi de ficar apaixonada. Curiosamente, já tinha visto este filme mas não me lembrava, e não dei por Vera Farmiga aqui porque, boa actriz como ela é, Farmiga sabia muito bem que este não era o espectáculo dela, mas de Fuhrman. Agora que conheço o talento de Vera Farmiga consegui apreciar todos os pormenores, todas as subtilezas e a sobriedade que lhe exigia o enredo. Vera Farmiga devia fazer mais filmes de terror, com aquele seu ar às vezes tão inocente e às vezes tão perturbador. Mas gosto tanto dela que até a podia ver em comédias românticas e musicais se me aparecessem à frente (a actriz canta muito bem, ainda por cima!).
Quase dava um 20 em 20 a este filme, excepto por uma coisinha no desfecho que achei algo implausível. Isto é uma opinião minha, muito pessoal, daquilo que conheço da experiência. Penso que uma sociopata tão inteligente já devia ter “resolvido” a sua vida de uma maneira mais engenhosa. Mas não posso explicar esta última frase sem cometer spoilers, por isso…
19 em 20
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