sábado, 31 de janeiro de 2009

"The Shield"


"The Shield", conhecido entre nós como "O Protector", é a melhor série policial que já vi nos últimos anos desde a velhinha e inovadora "Balada de Hill Street" ("Hill Street Blues" no original). Tem passado na TVI, felizmente a horas muito tardias porque o nível de violência pode ser de facto traumatizante, e não tem tido o destaque que merece. "The Shield" não é apenas uma série policial mas um autêntico tratado sobre o Bem e o Mal e um espectáculo de bons actores, por onde passaram discretamente Glenn Close e Forest Whitaker (vencedor do Oscar para melhor actor em "O Último Rei da Escócia"), este particularmente brilhante na cena em que confronta o chefe da polícia com o discurso "Vic Mackey está a mijar... a mijar para todos nós... e nós abrimos a boca e bebemos?", entre um elenco de ilustres desconhecidos que a série tornou inesquecíveis.
De facto, é preciso estômago para ver todos os episódios sem pestanejar, e não acredito que alguém os digira sem abalar as suas certezas mais profundas. "The Shield" conta a história de uma equipa especial da esquadra de Farmington, Los Angeles, denominada Strike Team e concebida para actuar no território dos gangues mais violentos da história dos Estados Unidos. O que em a "Balada de Hill Street", passada em Nova Iorque nos anos 80, era apenas preocupante, em "The Shield", 20 anos depois, já se tornou num filme de terror em que crianças são recrutadas, inimigos queimados vivos, cortados à catanada, arrastados pela estrada presos a um carro. É um Iraque, ou pior, ali tão perto de Hollywood. A juntar a isto, ou por isto mesmo, os polícias da Strike Team não são os justiceiros normais que se vêem nas séries policiais. Nem sequer lhes chamaria apenas "polícias corruptos" porque seria pouco. Pelo contrário, atrever-me-ia a dizer que a Strike Team é uma autêntica quadrilha: do assassinato ao roubo, passando pela mais diabólica manipulação emocional, de pouca coisa se abstiveram todos os diabos que por lá passaram, sempre a resguardo do valioso distintivo, na ruas, e não deixando vestígios incriminatórios para os chefes da esquadra. Durante anos, tanto no tempo ficcional da série como na período real da sua exibição, os predadores da máquina perfeita de trucidar criminosos que compõem a Strike Team, e aqui está a parte interessante, acabam inevitavelmente por se devorar uns aos outros, e aqui está a parte perversa, devoram-se uns aos outros as devagarinho, pedaço a pedaço, até à sobrevivência de apenas o mais forte.
O pior, mesmo o pior, é que como seres humanos damos por nós a torcer por uma cambada de assassinos, ora este, ora aquele, até pelo que matou o colega à traição com uma granada. Chama-se empatia. De onde vem a nossa capacidade de empatizar com o horror é a grande pergunta que nos pomos no fim de cada episódio e que nos faz querer bater com a cabeça na parede, tal como muitos deles fazem de vez em quando porque é caso para isso. É esse o grande mérito do criador, Shawn Ryan.
Mas se é a história da Strike Team que acaba por viciar o espectador mais incauto, o tipo de casos paralelos com que se confrontam os polícias no seu dia-a-dia são de deixar qualquer um de cabelos em pé. Não se percebe muito bem se é a série que é perversa ou se apenas retrata os recantos mais sombrios do ser humano, mas de uma coisa temos a certeza: observadas no grande plano da lente propositadamente trémula de "The Shield", todas as personagens são doentes e retorcidas, e toda essa verdade nos é dada a ver pelo génio do realizador desta série aparentemente tão discreta como violentamente perturbadora.
A TVI apenas mostrou até ao fim da sexta temporada mas há uma sétima. Aconselho a toda a gente que perdeu alguns episódios, ou não deu sequer por isso, a pôr os vídeos a gravar se for preciso e ver, no dia seguinte, que o inferno pode ser mesmo aqui e agora.

5 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
HornedWolf disse...

Optimo gotika, optimo!
Estava a ver que ninguém escrevia sobre esta série, o que fizeste particularmente bem e fielmente.

Lembrem-se que o The Shield é baseado numa história veridica, de uma quadrilha de policias que custou balurdios incalculaveis ao estado devido aos seus multiplos crimes que, na realidade, são ainda mais violentos do que na série.

Não creio que nos encontremos a torcer pelo horror, estamos a torcer por pessoas que tentam encontrar um caminho humano no meio dele.

katrina a gotika disse...

Ora boas!

Não sabia que The Shield era inspirado numa história real. Se assim é, é de meter medo. E acredito que os "verdadeiros" tivessem ainda menos consciência do que as personagens.
Não sei se o caminho que eles escolheram seja um caminho minimamente humano. É uma questão filosófica se devemos ser feras como manda a nossa natureza ou erguermo-nos delas. Eu sou apologista da segunda hipótese.

HornedWolf disse...

"There are things I have done
There's a place I have gone
There's a beast and I let it run
Now it's running my way"

"So take this night
Wrap it around me like a sheet
I know I'm not forgiven
But I need a place to sleep
So take this night
And lay me down on the street
I know I'm not forgiven
But I hope that I'll be
given some peace"

Black Lab

O caso real assenta na Rampart Division (anti-gang), a unidade chamada CRASH, acusada de atirar sem provocação, de espancar sem provocação, plantar provas, incriminar os suspeitos, roubar e traficar narcoticos, roubar bancos, prejurio, esconder provas. Três deles foram condenados pelo assassinio de um cantor de hip hop B.I.G. (este assassínio também é abordado na série). Tudo isto custou a Los Angeles 125 milhoes de euros. Hoje ainda não se sabe tudo o que a unidade CRASH terá feito.

In 1996, CRASH officer Kulin Patel shot and wounded Juan Saldana when he was running down an apartment hallway. Patel and his partner then planted a gun on Saldana as he lay bleeding. When their CRASH supervisor, Sergeant Edward Ortiz, arrived, Ortiz delayed calling an ambulance until the officers concocted a cover story. Juan Saldana bled to death before arriving at the hospital.

CRASH officers fired 10 rounds at Carlos Vertiz, a 44-year-old man with no criminal record, when they mistook him for a drug dealer. To justify the shooting, the officers planted a shotgun on the dying Vertiz and claimed he had pointed it at them.

In 1996, officers Rafael Perez and Nino Durden handcuffed 19-year-old gang member Javier Ovando and then shot him in the chest and head, paralyzing him. The officers then planted a gun on him. Ovando received a 23-year prison sentence based on the officers testimony.

On New Year's Eve 1996, Rampart CRASH officers opened fire on and wounded two holiday revelers and then arrested them on trumped-up charges. According to Perez's testimory, the officers rehearsed a story claiming the revelers fired guns in the officers' direction, and were shot in self-defense.

Perez testified that a rookie Rampart patrol officer shot an unarmed man he discovered hiding in a closet. When the rookie's supervisor arrived at the scene, he directed the rookie to claim the man was holding a mirror, causing him to see his own reflection with a gun and open fire.

Officer Melissa Town shot at a youth in a park who fled when she approached him. When her supervising sergeant arrived, he pulled a 5-1/2 inch piece of chrome from the bumper of a nearby car and instructed Town to say the suspect pointed it at her.

Rafael Perez told investigators of an occasion when officers broke up a party and ordered several dozen gang members to their knees with their hands behind their backs. Officer Brian Hewitt walked down the line, randomly assigning a fictitious charge to each youth.

Perez relates how after a Rampart officer's tires were slashed, a group of officers drove around the neighborhood indiscriminately beating any youth they encountered. On a similar occasion, a gang member suspected of slashing a tire was beaten, stripped naked, and dropped into rival gang territory.

On one occasion, a youth was repeatedly shot with a bean bag gun for amusement.

For another suspected gang member, officers drew a target on a wall, and used the youth's body as a battering ram. The young man told investigators his head smashed through the plaster and was pierced by splinters from the wooden studs inside the wall. The officers were attempting to obtain information from the youth about a missing gun.

Some officers, notably Officer Brian Hewitt, preferred administering beatings to gang members, rather than bothering with booking procedures and reports. According to Perez's testimony, Hewitt in particular was known for beating handcuffed suspects, and beating for sadistic pleasure.

Officer Daniel Lujan, Brian Hewitt's partner, beat a youth at the end of a foot pursuit, badly injuring the suspect's knee. When his supervisor arrived at the scene, Lujan admitted having no reason for the beating. To justify the beating, the supervisor instructed Lujan to book the man on a drug charge. Perez testifies that on another occasion, Lujan dislocated a handcuffed suspect's elbow for sport.

Perez's testimony also recounts a story of officers approaching a man sitting on a bench, handcuffing him and throwing him to the ground, and kicking his head and body. According to the police report the officers filed, the man injured himself by jumping out of a third floor window head first. Rampart supervisors rubber-stamped this fictitious account.



O Perez, que foi o "chibo" (desconfio que era para ser o Lem), clama que os superiores encorajavam que a unidade CRASH se desviasse das regras, e o lema da CRASH era "We intimidate those who intimidate others." Eles tinham uma tatuagem, que era o logotipo deles, era uma caveira, com um baralho de poker em redor de um chapéu de cowboy. Quando esta unidade foi eliminada, o crime cresceu e os gangs passaram a tomar conta das ruas.

katrina a gotika disse...

Fantástico! Não conhecia esses factos. A Strike Team também tinha uma carta que deixava junto das intervenções: uma cobra a engolir um rato.
Obrigada pela "intel"! ;)