Devo ter ficado mesmo traumatizada com as minhas experiências “Merlin” e “Atlantis” porque, ao começar a ver “The Outpost”, esperava outra série para dizer mal.
E então não é que a série não só é boa, como, pior um pouco, é viciante? A história é Fantasia Grim Dark, e haveria aqui drama suficiente para um George R. R. Martin escrever 20 livros… se os conseguisse acabar, isto é.
Mas “The Outpost”, embora no Género de “A Guerra dos Tronos", é um Grim Dark light que não tenciona traumatizar ninguém. O ritmo da história é tão alucinante que mal temos tempo de digerir um acontecimento dramático quando já está a acontecer outro. Claro que isto não é bom drama, mas entretém bastante.
“The Outpost” começa com a história de Talon (digo “começa” porque entretanto deixa de ser apenas a história dela para se tornar num universo mais alargado, com um world building bem conseguido que nos conquista de episódio para episódio). Talon é a última sobrevivente da tribo/raça/espécie dos Black Bloods, pessoas como os humanos só que têm sangue negro e orelhas pontiagudas. Os Black Bloods foram massacrados quando Talon era criança, a mando da sinistra Primeira Ordem (há razões, mas não vou contar). Talon foi a única a sobreviver porque um dos assassinos teve pena dela (parece-me). Para passar por humana, Talon cortou as orelhas bicudas que distinguem a raça, o que devia ter sido um momento de ir às lágrimas (mas não foi porque, lá está, isto não é bom drama). Depois de adulta, Talon tem um único objectivo: vingar-se dos homens que mataram todos os Black Bloods.
A partir daqui haveria muito a contar, porque isto é só o início. Confesso que não gostei do primeiro episódio, que teve, sem exagero, umas três ou quatro cenas de porrada. Talon, é óbvio, é a guerreira mais durona lá do sítio. E por falar em lutas, não sei o que raio eles fizeram ou tentaram fazer, que todas as lutas, em vez de realistas, como é desejável, parecem estar em “fast forward”, se é que não foram todas feitas com CGI, o que lhes dá um aspecto de jogo de vídeo que nos tira do sério. Mas o problema maior não foram mesmo as cenas de acção, mas a actriz, Jessica Green (Talon). Eu não costumo criticar actuações porque tenho a sorte de ter apanhado sempre actores e actrizes decentes/competentes, e acredito que com mais experiência (e aulas) Jessica Green até lá chegue, mas em três temporadas de “Outpost” não vi evolução nenhuma e tenho de chegar à conclusão de que foi escolhida por ser gira e credível como guerreira. Há uma cena, por exemplo, em que o objectivo é que ela ficasse triste, e nem com cascas de cebola a rapariga conseguiria arrancar lágrimas daqueles olhos. No primeiro episódio, simpatizei mais com a miudinha que fez de Talon em criança (que esteve em cena menos de 10 minutos) do que com a protagonista, o que é mau, muito mau.
Felizmente, não desisti, pois se a protagonista não é propriamente candidata aos Óscares, a história e os personagens secundários valem bem a série, especialmente os actores mais velhos que forneceram peso e espectáculo onde ele não havia.
Aquele personagem ridículo, Janzo, o que é aquilo? É para nos fazer rir? Eu tive foi pena dele, especialmente quando começaram a dizer-lhe que ele não precisava de mudar porque está muito bem como é. Ora, amigos, o personagem parece sempre à beira de uma apoplexia, como é que pode estar bem como é? Pelo menos que endireite as costas ou fica marreco para sempre. Postura! Não era necessário e não faz rir.
Os Black Bloods são perseguidos porque conseguem invocar demónios através de uma espécie de portal para outra dimensão, ou aquilo a que os humanos chamam demónios e que são afinal outra raça. Aqui notou-se incrivelmente a falta de orçamento desta série, há que dizê-lo. O dinheiro foi todo para o cenário e para o guarda-roupa, porque estes pobres demónios são pessoas vestidas de plástico, e às vezes até se vêem os bigodes de borracha a vibrar. Os olhos, então, notava-se às vezes que eram pintados na cabeça do boneco. Fez-me rir, admito, embora não fosse esse o propósito.
O Outpost é uma espécie de reduto de todos os refugiados do regime agora no poder, a terrível Primeira Ordem, que assassinou o antigo rei, a rainha e toda a sua família, crianças e tudo. Mas a pequena princesa sobreviveu (não vou dizer quem ela é). Vou antes explicar porque é que o drama aqui é muito superficial, tão superficial que não se nota. A princesa sobreviveu porque um nobre falsamente leal à Primeira Ordem, mas leal ao antigo rei, a substituiu pela sua própria filha e a criou como se fosse dele. Isto é, este homem entregou a própria filha e assistiu, impávido e sereno, a vê-la ser decapitada. Rico pai, sim senhor! (Compare-se o dramatismo com o conto de Eça de Queirós, “A Aia”, em que esta também troca o seu filho pelo príncipe herdeiro, suicidando-se de seguida.) Mas este homem até já se esqueceu da filha e afeiçoou-se à jovem que criou como sua, como se a outra menina nunca tivesse existido. Pobre miúda!
Isto significa que existe alguém da família real que tem direito ao trono e decide recuperá-lo, e com a ajuda dos demónios de Talon não será impossível, mas também não será fácil.
Outro momento de dramatismo superficial é quando um dos leais à princesa sofre uma lavagem cerebral (com drogas e magia à mistura) e lhe é ordenado que mate o próprio pai, o que ele faz sem pestanejar. Quando acorda do torpor em que tinha sido lançado, matar o pai é a última coisa de que se lembra. “Ooops, e além de fazer estas coisas todas, matei o meu pai.” Personagens profundíssimos, sem dúvida.
Mas não posso terminar este artigo sem falar da maneira em que a tal princesa, a certa altura, quase foi Daenerysada e transformada num monstro impiedoso. Talvez por terem aprendido com “A Guerra dos Tronos”, os autores da série voltaram atrás antes que acontecesse, ou lá se ia outra personagem empática para o galheiro.
Como numa boa Fantasia Grim Dark, há mortes chocantes (que podiam ter sido mais chocantes, mas esta série não é para adultos) e inesperadas, há objectos e seres mágicos, profecias, e um trono a ser reconquistado. Há muito de interessante para ver, desde que não se perca o fio à meada. Como disse, o ritmo é tão alucinante que por vezes eu tinha de parar e lembrar-me de como se chegou do ponto A ao ponto B, o que nunca é bom sinal. “The Outpost” estreou em 2018, já teve três temporadas e prepara uma quarta (nunca pensei que chegasse tão longe, francamente). Não é nenhuma “Guerra dos Tronos”, mas agradará de certeza à mesma audiência. Recomendo, sem grandes entusiasmos.
Uma última nota para os fantásticos títulos dos episódios, que às vezes nos dão pistas, que outras nos enganam de propósito, e que outras simplesmente nos divertem, como no caso do segundo: “Two Heads Are Better Than None”. Grande verdade! E grandes títulos, parabéns!
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