segunda-feira, 1 de julho de 2019

Colony (2016-2018)


[crítica às três temporadas; contém spoilers]

É um erro pensar nesta série como mais uma invasão extraterrestre. “Colony” é a história de uma família que tenta sobreviver a uma colonização repressora e brutal onde a vida humana perdeu o valor. Nada do que acontece aqui não aconteceu já em várias ditaduras do século XX. Desde a Ocupação nazi e à Resistência francesa (onde a série se inspira predominantemente), às outras ditaduras fascistas e comunistas, das europeias às soviéticas, às asiáticas, às latino-americanas. A invasão extraterrestre é uma desculpa para revisitar episódios da História tão monstruosos que é mais fácil imaginá-los cometidos por criaturas de outro planeta.
Will Bowman (Josh Holloway, o Sawyer de “Lost”) era um agente do FBI antes de chegar a Ocupação, mas agora o mundo está muito diferente. Quando a série começa, a invasão já aconteceu. Em flashback, vemos como os alienígenas dividem a área de Los Angeles em várias colónias através de umas titânicas muralhas de metal que caem directamente do céu nocturno e destroem tudo onde aterram (mais uma boca política a um certo muro…). Ao mesmo tempo, todos as forças de segurança, policiais e militares, são estrategicamente eliminadas (assassinadas) como medida para prevenir uma rebelião inicial. Não que tal rebelião fosse muito longe, porque os meios militares dos invasores são de tal modo avançados que neutralizam qualquer tecnologia terrestre. Os seres humanos não têm capacidade para se defender e têm de se submeter por uma questão de sobrevivência. Will consegue escapar a esta onda de assassinatos assumindo o nome de um vizinho que estava fora de Los Angeles e começando a trabalhar como mecânico. Kate Bowman, esposa de Will, (Sarah Wayne Callies, a Lori de “The Walking dead” e a Sara Tancredi de “Prison Break”) tem um bar que é fechado pela Ocupação. Existe um recolher obrigatório e qualquer incauto apanhado na rua depois de soar a sirene tanto pode ser morto imediatamente pelos drones extraterrestres que vigiam as ruas como, pior, ser preso e enviado para um lugar sinistro chamado a Fábrica, de onde nunca ninguém volta.
O drama dos Bowman é que um dos seus três filhos (o miúdo do meio, Charlie) ficou preso noutra colónia e não o conseguem ir buscar. As deslocações são proibidas. A colónia é uma grande prisão. Automóveis, telemóveis, todos os meios de comunicação avançados, foram neutralizados ou proibidos pela Ocupação. Os residentes recorrem a chamadas em cabines telefónicas anónimas onde, como nos tempos das ditaduras do século XX, transmitem mensagens em código. Tudo está a ser vigiado pelas câmaras da Ocupação, todas as comunicações são ouvidas. Noutras das alusões à Segunda Guerra Mundial, é através de frequências secretas de rádio que a Resistência transmite informação codificada.
A comida é racionada. Algumas pessoas, como os diabéticos, que é o caso do sobrinho de Kate, não têm acesso a medicamentos porque os Anfitriões (nome dado aos extraterrestres pelos representantes humanos da Ocupação) não consideram as suas vidas relevantes. Para os Anfitriões, os seres humanos são apenas um recurso: mão-de-obra em campos de trabalho, de onde se mantém toda a logística da Ocupação. A alusão aos campos de concentração nazis é arrepiante quando vemos um grupo de pessoas chegar à tal Fábrica, onde homens e mulheres (todos juntos) são mandados despir completamente e submeter-se a um “banho” químico de descontaminação. Nunca nos é explicado, mas pressupõe-se que quaisquer bactérias que transportem poderão ser nocivas à tecnologia extraterrestre. Esta tecnologia, descobrimos mais tarde, também é radioactiva, o que faz adoecer os trabalhadores que entram em contacto com ela. Vemos um deles começar a tossir sangue e a ser prontamente levado para parte incerta. Já não sendo produtivo, adivinha-se-lhe o que lhe acontece. Outros trabalhadores (vítimas) o substituirão.
Mas isto é na Fábrica, um verdadeiro campo de extermínio de todos os que lá vão parar. Cá em baixo na Terra (a Fábrica não fica na Terra) os ocupados tentam por tudo sobreviver e evitar ir lá parar.


Nem eram precisas listagens
Porventura o mais chocante desta série (chocante para quem não conhece os perversos mecanismos dos sistemas ditatoriais como eles sempre se desenvolveram) é a quantidade de pessoas que colaboram voluntariamente com a Ocupação, que fazem do lema do inimigo o seu lema, que por instinto de sobrevivência ou sadismo nada se importam com a vida dos seus semelhantes desde que mantenham o seu poder dentro da Autoridade Global, a face humana da Ocupação. A série até aproveita para fazer um comentário à actualidade, explicando que estes colaboradores de topo foram seleccionados um a um antes de chegar a Ocupação através dos seus dados online. Alguém diz mesmo que as nossas vidas estavam todas na internet para eles escolherem. Existe verdade nisto. Actualmente a nossa vida está toda online. E nem me refiro apenas às redes sociais, onde só partilhamos o que queremos. Refiro-me mesmo aos serviços do Estado, especialmente dados médicos e financeiros, onde qualquer hacker pode descobrir que lojas frequentamos, que medicamentos tomamos, que produtos consumimos. Tanta informação nas mãos erradas é uma receita para nos desenharem o perfil: pobre, abastado, casado, solteiro, desportista, sedentário, feliz, infeliz. Nas mãos de um regime ditatorial, o perfil seria diferente: saudável (mão-de-obra capaz), doente (dispensável, a eliminar), pai ou mãe (mais susceptível a intimidação), e por aí fora. Na série, com a ajuda dos colaboradores humanos, os Anfitriões tiveram acesso a listas de possíveis colaboracionistas e de elementos indesejáveis a abater. Assustador, não é?
Mas na vida real nunca foram precisas estas listagens. Basta que qualquer grande facínora chegue ao poder que imediatamente se encontra rodeado de batalhões de pequenos facínoras à cata do seu quinhão de poder que numa sociedade democrática e regida pela ética dificilmente conseguiriam alcançar. (E mesmo assim conseguem, que os pequenos facínoras também sabem jogar pelas regras.) O que “Colony” mostra aqui é a realidade nua e crua que o vizinho do lado ou o amigo de longa data pode ser o primeiro a mandar-nos para a Fábrica, especialmente se for uma questão de “nós ou ele”.


Colaboras ou resistes?
“Colony” começa quando Will consegue esconder-se, clandestino, num camião de carga destinado à colónia onde se encontra o seu filho Charlie, na esperança de o encontrar. Para seu azar, a Resistência faz explodir o camião quando este cruzava a passagem entre as duas colónias, debaixo da muralha alienígena, para potenciar o número de vítimas entre os colaboradores. Will é preso, o seu verdadeiro nome é revelado, e é-lhe feita uma proposta que ele não pode recusar: trabalhar para a Autoridade Transicional e ajudar a capturar os terroristas responsáveis pela  explosão (na perspectiva da Ocupação, a Resistência é uma organização terrorista) ou… ganhar um “bilhete de ida” para a Fábrica, ele e toda a família. Por outro lado, se colaborar, prometem-lhe a possibilidade de lhe ser devolvido o seu filho.
O poster da série pergunta: Colaboras ou resistes? É fácil responder quando não se tem família, pais e filhos sujeitos a represálias, e até, neste caso de uma ditadura brutal, a correrem risco de vida. De repente, a resposta não é assim tão simples. Will aceita, por falta de opção.
Kate começa a envolver-se em actividades clandestinas para arranjar insulina para o sobrinho no mercado negro. Ao saber que o marido está a colaborar com a Ocupação, Kate decide, por sua vez, entrar em contacto com Eric Broussard, ex-militar e implacável membro da Resistência, para o ajudar na luta contra os ocupantes. Agora que Will tem acesso aos bastidores da Autoridade Transicional, Kate torna-se um elemento muito útil para a Resistência, obtendo informação privilegiada através do marido, que de nada suspeita.
“Colony” é, acima de tudo, e principalmente nas duas primeiras temporadas, um drama familiar e inteligente que coloca o casal um contra o outro, pelo menos até Will perceber que Kate trabalha com a Resistência e tem de tomar uma atitude. Adorei a cena, muito realista, em que finalmente se confrontam. Will nunca lhe pergunta ou diz “sei o que andas a fazer”. (E isso Kate também já tinha percebido.) O que ele lhe diz é “há semanas que ando a encobrir o que andas a fazer”.
Como colaborador, Will tem acesso a regalias que a restante população não tem, como sempre acontece nestes regimes. Mas uma das regalias é um presente envenenado. Tendo como desculpa as possíveis represálias que a família pode sofrer devido à colaboração de Will, os miúdos deixam de ir à escola e é-lhes atribuída uma tutora ao domicílio. Esta tutora é uma fanática da religião promovida pelos Anfitriões, a Igreja do Maior dos Dias, que promete vida eterna a todos os que forem fiéis ao novo regime. (Isto lembra-me os khmer rouge, no Cambodja, que endoutrinavam as criancinhas para denunciarem todos os que se opusessem ao regime.) Uma das melhores cenas da série é quando Kate se apercebe disto e mostra à filha, Grace, uma série de livros de várias religiões em que todas prometem o mesmo. Mas a miúda é muito jovem e susceptível (deve andar pelos 8/10 anos) e já lhe fizeram uma autêntica lavagem cerebral. De onde podemos tirar uma lição prática. Foi tão fácil endoutrinar Grace porque esta foi a primeira religião com que teve contacto. Se Grace tivesse tido alguma espécie de educação religiosa talvez tivesse resistido mais ao fanatismo da tutora, digo eu.
Agora que Will e Kate estão tão envolvidos na Ocupação e na Resistência, a sobrevivência torna-se cada vez mais periclitante para toda a família.


Era bom mas descambou
As duas primeiras temporadas de “Colony” são tão boas, mas mesmo tão boas, que quase cheguei a dizer aqui que é a melhor série que vi desde “Breaking Bad” e “Black Sails”. Só que:
1, entretanto vi “The Terror
2, a segunda parte da terceira (e última) temporada de “Colony” foi por água abaixo.
Perguntei-me muito, quando soube que a série tinha sido cancelada, porque é que tinham acabado com uma série tão boa, tão bem escrita, focada em personagens bem construídos e desempenhados (a princípio, confesso, só conseguia ver o Sawyer e a Lori, e preferia ter visto nela a outra Kate, a de “Lost”, a única Kate que conseguia imaginar ao lado de Sawyer. Mas Sarah Wayne Callies impôs-se e a química entre os dois actores é excelente). As duas primeiras temporadas são espectaculares (em todos os sentidos, até na grandiosidade dos cenários exteriores com as grandes muralhas extraterrestres, os lançamentos de naves para o espaço, as cenas na Fábrica). A terceira temporada começa bem, mudando a família para um esconderijo nas montanhas onde se introduzem num campo da Resistência liderado por um survivalista ditatorial que gere a comuna com mão de ferro, em que não é por acaso que um dos episódios se chama “Sierra Maestra” e quase são fuzilados como traidores. Mais uma referência a outros movimentos insurgentes de guerrilha.
Infelizmente, na segunda parte da terceira temporada, quando eles vão para Seattle, foi o descalabro. Nem sequer vou dizer que o pior foi terem de facto mostrado extraterrestres (como tantos fãs exigiam) o que tornou a série numa dessas coisas que começam por Stargate e Babylon que eu não vejo. O pior nem foi isso, mas o grande plot hole no enredo.
Parece que os extraterrestres invasores até não eram tão maus de todo (apesar dos milhões que mataram indiscriminadamente e mandaram para a Fábrica e outros campos de trabalho forçado), e que andavam a fugir de uns extraterrestres ainda piores (e copiados do Predador, o que não foi nada brilhante), e que afinal até precisavam de um super-exército para combater estes últimos. Onde a bota não bate com a perdigota foi o que mencionei logo no início desta crítica: todas as forças de segurança, policiais e militares, são estrategicamente eliminadas (assassinadas) como medida para prevenir uma rebelião inicial. Há até uma cena em que Broussard e outros militares de elite são convocados a um único ponto de encontro, logo no início da invasão, para serem massacrados de uma só vez. Broussard consegue escapar porque tem um mau pressentimento à última da hora. Na terceira temporada, de repente, tanto Broussard como Will aparecem numa lista de operacionais a NÃO-abater por serem importantes para o tal exército ao serviço dos Anfitriões. Então em que é que ficamos? Os militares de elite são valiosos para os extraterrestres ou são alvos a abater? Quem escreveu a terceira temporada, será que viu a primeira?
E se fosse só isto! De repente há um colaborador, que nunca tínhamos visto na vida, que anda a esconder estes militares dos Anfitriões no intuito de estabelecer uma aliança com os inimigos deles e assim recuperar o planeta. Mas se estamos a falar de espécies tão avançadas (os Anfitriões conseguiram dominar a Terra em questão de horas) alguém acredita que vai ser um exército de humanos a fazer a diferença? E já agora, quem é que disse aos Anfitriões que este inimigo ia simplesmente “aceitar” lutar contra o exército de humanos na Terra quando o que estes outros extraterrestres querem mesmo são os Anfitriões e podem atacá-los no espaço? “Exmo.s Inimigos, sabemos que vêm aí e tomámos a liberdade de preparar para V.Exas estes soldadinhos aqui neste lindo planeta para vosso entretenimento e lazer. Façam favor de aproveitar, matar os humanos e visitar as belas paisagens terrestres, enquanto nós assistimos do conforto da nossa nave. Felizes em servir V.Exas. Voltem sempre.”
Eu explico: nas primeiras temporadas viram-se pessoas serem transportadas em cápsulas de animação artificial para as naves extraterrestres sem que soubéssemos porquê. Era um mistério que tinha de ser explicado. A série meteu os pés pelas mãos e explicou-o assim, com estes enormes plot holes. Os escritores começaram a inventar, pura e simplesmente, com o único objectivo de fazer render o peixe e sem grande vontade de começar a dar respostas ou de conduzir a narrativa a um fim coerente (a lembrar "Lost", onde o showrunner Carlton Cuse também andou...).
Se calhar até tinham conseguido vender melhor esta intrujice se tivessem sido os protagonistas a descobri-la. Mas em vez disso começámos a acompanhar a história pela perspectiva de um personagem novo, de quem nem me vou dar ao trabalho de saber o nome, enquanto Will e Kate e Broussard quase tropeçam no enredo principal por acaso.
E só mais uma: quem é que disse aos Anfitriões que estes soldados humanos mantidos em cápsulas de vida suspensa quereriam ou aceitariam lutar pelos invasores e opressores, quando subitamente têm como aliado natural uma espécie que também quer destruir os Anfitriões? O inimigo do meu inimigo meu amigo é, e claro que toda a gente estaria a pensar numa aliança com este inimigo comum dos Anfitriões. Até parece que quem escreveu as duas primeiras temporadas da série se foi embora a meio da terceira, de tal modo a qualidade e a coerência foi por água abaixo.
Mas a verdade é que as audiências de “Colony” nunca foram boas. Na minha opinião, muito da culpa se deve a ter sido dirigida a um público-alvo errado, os apreciadores de ficção científica com extraterrestres (Stargate, Babylon, etc) sem grande profundidade, em vez de se salientar o drama humano. A série é extremamente brutal e pessimista, às vezes é bastante deprimente, e raramente temos um qualquer motivo de esperança. Direi mesmo que foi isso que faltou à Resistência durante toda a série: uma vantagem secreta que pudesse efectivamente ser usada para derrotar os Anfitriões. Episódio após episódio, tivemos de assistir enquanto inocentes eram massacrados e a Resistência se desfazia aos pedaços em vez de se tornar mais forte. Esta falta de esperança que permeia toda a série pode ter afastado muitos espectadores que apreciam uma ficção científica mais levezinha em que os Bons ganham e os Maus perdem e tudo acaba bem.
Marketing errado, enredo pesado e deprimente, brutalidade e violência (embora nunca gratuita) podem ter ajudado ao cancelamento da série, mas nada tão grave como o final da terceira temporada. Eu, sinceramente, fiquei contente quando acabou porque não queria ver a série afundar-se mais.
Mas aconselho vivamente as duas primeiras temporadas e o princípio da terceira. São excelentes. Faz de conta que acabou na temporada 3 episódio 5, bem intitulado “The End of the Road”.



1 comentário:

Anónimo disse...

Uma série excelente com um enredo fabuloso, porque não continuam dariam um enorme sucesso!