terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Chelsea Quinn Yarbro: "Olivia"

*contém spoilers*

Quem gosta de literatura de vampiros já deve ter ouvido falar de Chelsea Quinn Yarbro, ou pelo menos da sua famosa personagem o Conde de Saint Germain. Foi nos fóruns da especialidade que a saga Saint Germain me foi aconselhada. Pesquisei por onde começar (nestas coisas das sagas tento ser cautelosa) e descobri que havia uma vampira: Olivia. Diz muito de mim que nesse momento tenha imediatamente decidido ler os livros de Olivia primeiro. Até agora li dois: "A Flame in Byzantium", como o nome indica passado em Bizâncio (Constantinopla, hoje Istambul) nos dias em que os bárbaros saqueavam o império romano, e "Crusader's Torch", quinhentos anos mais tarde em plena Idade Média. Isto torna Olivia uma vampira muito antiga. Nunca fiz as contas mas a rondar os 1000 anos, mais século menos século.
A minha expectativa era grande. Confesso que tinha em mente uma outra vampira, a de Anne Rice, de alcunha Pandora e de nome Lydia, a predadora. A amante de Marius, quando eram "novos". Sempre achei que o talento de Anne Rice se gastou demasiadamente nos vampiros do sexo masculino. Apetecia-me uma vampira. Uma Olivia, romana, trigueira, de pêlo na venta e fartos seios, que os sugasse e deitasse fora como quem troca de camisa. Fui avisada para o teor erótico de certos episódios, mas não fazia mal se Olivia os comesse de todas as maneiras. Uma vampira milenar, uma deusa, uma rainha!
Não ponho as culpas em Yarbro, mas não me saiu o que eu estava à espera. Em vez de um hino ao feminismo... saiu-me uma vampira ruiva (ruiva!), doce, boazinha, esfomeada de afecto. Capitães romanos, cruzados, nobres árabes, e mais o que calhar entretanto, não consigo levar a mulher a sério. Mas antes de lhe chamar "oferecida" calhava bem explicar o que já compreendi da mitologia destes vampiros. Não apreendi tudo, o que é natural numa saga quando não se lê do princípio. Os vampiros de Chelsea Quinn Yarbro não são invulneráveis. Ainda não percebi até que ponto os seus corpos imortais podem morrer de golpes fatais. Fico na dúvida porque Olivia tem horror às viagens no mar (da mitologia que os vampiros não podem deslocar-se sobre água), que a enfraquece fisicamente, e uma dos seus maiores terrores é naufragar, terminar no fundo do mar, consciente, incapaz de se mexer, comida pelos peixes. Mas não morta. O sol não os mata mas retira-lhes a força, pelo que podem viver à luz do dia, mas não comem nem bebem alimentos (o que lhes causa o transtorno de tentar arranjar desculpas para o explicar). Precisam, para se fortalecer, da terra natal literalmente sob os pés (como "Drácula").
Agora vamos à parte que interessa, o sangue. Estes vampiros, como Olivia, pelo que percebi, podem sobreviver de sangue de pessoas ou animais, mas não ficam saciados se não o beberem durante um encontro sexual, e agora sim, a parte melhor, mas não um qualquer encontro sexual! Para ficar saciada, Olivia tem de encontrar o amor, a paixão, a entrega, a total partilha de um amante.
Pobre Olivia, bem está condenada a passar fome eternamente, digo eu que sou cínica.
E a autora também não é romântica. Em dois livros, Olivia tem dois amantes, nenhum deles acredita que é vampira por mais que lhes diga, nenhum a compreende, nenhum a ama, nenhum consegue resistir à atracção puramente sexual, ambos a deixam, cada um à sua maneira. Mil anos depois, Olivia ainda escreve cartas apaixonadas ao seu primeiro amante imortal, o Conde Saint Germain, que não a vê há igual tempo e que partiu algures para parte incerta na Ásia.
Como levar a sério esta mulher?! Uma vampira, ainda por cima! A fazer figuras destas! Onde está o teu orgulho, Olivia? Um pouco mais de auto-estima, mulher! És boa demais para eles! Antes morrer de fome, Olivia! Antes morrer de fome!
Olivia tem um mordomo, vampiro de nome grego impronunciável, Niklos Aulirios, uns séculos mais novo, que lhe é leal como um cão. Parece que Saint Germain também tem um lacaio assim. Intriga-me se os prende a pura amizade ou qualquer espécie de servidão vampírica aos seus criadores (um "sire bond", como se diz noutras terras). Parece-me também que Olivia e Niklos, amantes quando este era mortal, não podem, ou não querem, unir-se carnalmente ou sequer de maneira romântica. Porquê é um mistério, se foram amantes em tempos... Talvez a repulsa faça parte das "leis" que regem os vampiros de Yarbro. Ou talvez, muito prosaicamente, se tenham fartado um do outro ou aquilo nunca tenha sido assim tão bom?! Permanece o mistério. Talvez os livros anteriores o expliquem.
É este mordomo o companheiro fiel de Olivia, através dos séculos.
E através dos séculos, é esta a maior perplexidade dos vampiros de Yarbro, não mudam nada. Levam uma vida rotineira e quotidiana, eventualmente têm de deslocar-se de país em país para que a juventude eterna não os traia, e depois é a vida como todos os dias. Nunca passam pela cabeça destes vampiros as angústias existenciais dos séculos após séculos. Nunca lhes passa pela cabecinha qual é o sentido de tal existência.
Diria mesmo mais, há pouco critiquei Olivia pela solicitude com que se entrega aos homens que ama, mas também os esquece igualmente depressa. Parece-me que estes vampiros não conseguem chorar lágrimas, mas Olivia faz uma espécie de luto a cada um dos amantes, por quem daria a própria vida ainda uns dias antes, e aceita que morram, eventualmente, como se fosse normal que uma alma humana conseguisse sobreviver a milénios de perdas sem achar que já bastou.
Esta leveza, esta futilidade, não me entra na cabeça. Observo os vampiros de Yarbro, divirto-me com o realismo cínico da autora, rio-me nas hilariantes cenas eróticas (sem exagero, são hilariantes, e tenho para mim que só lá estão porque o erotismo vende), impressiono-me com o profissionalismo e a competência da pesquisa histórica (que às vezes consegue pecar por excesso), admiro-me com o rigor espartano com que a escritora divide os capítulos em cena/carta cena/carta cena/carta até atingir as trezentas páginas, e aconselho aos amantes de vampiros que procurem uma leitura agradável. Mas leve.
Não quis comentar um só livro para não incorrer em juízos precipitados, e regozijo-me que no segundo as cenas eróticas já não se repitam tanto em número, mas ao fim da leitura de ambos não posso dizer que em qualquer altura me tenha sentido particularmente empolgada.
Minto. No segundo livro, quase no fim, há um episódio interessante que prometia algo de excitante. Olivia, que apesar de vampira não parece ser capaz de matar um ser humano por meios vampíricos (?), cai nas mãos de um cruzado Hospitalário de sádica reputação que entende ter sobre ela vantagem suficiente para a tornar sua escrava sexual. E o que é que acontece? Olivia deita de fora os dentes e suga-o até ficar enxague? Não. Esconde-se debaixo da cama, por sorte deita mão à espada dele, e mata-o de um golpe. (Peço desculpa pelo spoiler do que pode ter sido a melhor leitura do livro.) Boa, Olivia, mas não era exactamente isso que eu esperava!
Que vampiros estranhos, estes!
Recomendo aos amantes de vampiros (aqueles que são predadores, e bebem sangue a sério, e sofrem de angústias existenciais) que se aproximem com uma valente diminuição de expectativas. Para leitura de cabeceira na certeza de sonhos tranquilos, mas sem chegar ao ponto de dar sono.






1 comentário:

Fashion Faux Pas disse...

E pronto, não penso sequer aproximar-me, a não ser munida de uma estaca de oito metros...