domingo, 16 de abril de 2023

O Rei das Berlengas ou A Independência das Ditas (1978)

A data diz tudo. Este é um filme satírico pós-25 de Abril, quando já se podia dizer tudo o que não tinha sido dito antes. Artur Semedo (realizador) e Mário Viegas criticam ferozmente um Portugal que muitos leitores mais novos não reconhecerão, e de que apenas me lembro vagamente e mais pelo que leio do que pelo que vivi. Pergunto-me até que ponto este filme terá influenciado o outro, “Recordações da Casa Amarela”, de João César Monteiro.
O enredo é engraçado. Muito antes do condado portucalense, os Alves de Midões já eram reis das Berlengas, Estelas e Farilhões, território que lhes foi conquistado por D. Afonso Henriques. Se eu fosse monárquica reconhecia-lhes a pretensão ao trono das Berlengas. D. Lucas Telmo de Midões foi educado nos resquícios nobres da família deposta para reconquistar o trono perdido, o que o traz à capital e, inevitavelmente, ao manicómio.
Tudo é gozado e desconstruído (ou retratado sem piedade). A História de Portugal, Salazar, a beata/santa Sãozinha, a ocupação espanhola, o Marquês de Pombal: “O povo é sereno! Isto é só o terramoto de 1755!”.
Sinceramente, não sei se uma audiência mais nova poderá redescobrir este filme e reconhecer-lhe a vertente cómica e surreal. É caso para experimentar.

Mário Viegas
Falecido em 1996 aos 47 anos, Mário Viegas nunca foi muito conhecido (ou reconhecido), nunca teve o super-estrelato de um Herman José. (Embora faça uma mulher mais bonita, como se pode ver neste filme, e agora Herman José vai odiar-me.) Do que conheci dele, pareceu-me uma pessoa muito acessível, que gostava de se misturar. Encontrei-o numa madrugada no Bairro Alto na companhia de dois adolescentes metaleiros genuínos (daqueles que gostam de Iron Maiden), numa discussão sobre qualquer coisa como se fosse um deles. Eu própria adolescente, não tive lata de ir lá apertar a mão e cumprimentar. Quem é que gosta de ser abordado na rua por um fã?, pensei. Um actor, talvez? Se calhar devia ter ido, mas preferi respeitar a privacidade. Não sei se os metaleiros o conheciam. Mário Viegas era ilustre nos meios artísticos e intelectuais, mas não era nenhum fenómeno de popularidade entre as massas. Se queria andar anónimo, deixei-o andar anónimo.

De volta às Berlengas
Resta-me convidar os leitores mais novos a experimentarem este filme. Verão que está datado e que o orçamento era mínimo. 1978, não havia dinheiro para nada. Mas “O Rei das Berlengas ou A Independência das Ditas” continua válido pela sátira cortante a um Portugal atrasado, bafiento, beato, queque, desigual (nisso não mudou nada), obcecado por um Império dos livros de História. Acima de tudo, sobressai a forte mensagem política final: ”Fome, fome, fome”, gritam os pobres de todos os séculos. “Come, come, come”, traduzem os ricos nos seus palácios privilegiados de janelas fechadas. Não sei se a fome envergonhada começou antes ou depois, só sei que ela anda aí, muito caladinha, despercebida.

13 em 20 


Sem comentários: