domingo, 9 de outubro de 2022

Black Summer (2019 - ?)

Finalmente percebi porque é que não gosto de super-zombies. Não gosto de zombies que correm mais do que eu. Não gosto de zombies que correm mais depois de mortos. Abomino zombies de idade avançada que correm mais do que gente nova. "Black Summer” foi baseado em “Z Nation” (a série, depreendo, que eu não vi) mas são os mesmos zombies de “World War Z”, de que já falei aqui. Se todo o conceito de zombismo é ridículo, uma idosa zombie de 70 anos a correr que nem uma atleta olímpica exige uma completa anulação da nossa incredulidade.
Mas nem sequer é por isso. Todo o horror do zombie é o cadáver putrefacto, morto e bem morto, cheio de vermes e musgo e lapas (se esteve no mar), a cair aos pedaços, que se arrasta lentamente na direcção dos vivos. O problema não é apenas um zombie (a não ser que esteja “muito fresco”), é uma horda deles a cercar os vivos sem deixar escapatória. Todo esse horror original do melhor filme do género , “A Noite dos Mortos Vivos”, se perde quando temos super-zombies a correr mais do que os vivos.
“Black Summer” sofre disto, mas sofre de mais coisas. Sabemos por uma personagem que passaram pelo menos seis semanas desde que o apocalipse zombie começou e os sobreviventes ainda não descobriram como se mata um zombie. Errado. Sobreviventes que não descobrem logo nos primeiros dias não são de certeza sobreviventes seis semanas depois. E cometem mais erros que já não são desculpáveis por esta altura. Fazem muito barulho, gritam sem motivo, usam armas de fogo a torto e a direito (chamando a atenção), entram em lugares que parecem seguros e deixam a porta escancarada atrás deles mesmo a pedir que os zombies entrem.
O que permite que ainda existam tantos sobreviventes é que há poucos mortos. Mesmo muito poucos mortos. Super-zombies deste tipo, em números semelhantes aos de “The Walking Dead”, já teriam exterminado tudo. É-nos dito que no princípio os militares bombardearam as cidades mais populosas. Também se tentou fazer isso no universo de “The Walking Dead” (a sinistra operação Cobalto) mas o número inexorável de novas transformações não permitiu que tal fosse muito efectivo. Em “Black Summer”, então, em que o zombie se transforma no segundo em que solta o último fôlego, muito menos seria viável. O uso de armas e os tiroteios às cegas, neste caso, sem o precioso tiro na cabeça, só faz com que se transformem mais zombies imediatamente e vindos de todos os lados. Seria impossível sobreviver a um apocalipse zombie assim. A maneira que os criadores usaram para contornar isto, lá está, foi a existência de poucos mortos. Assim, temos uma média de dois zombies para cada três vivos. Comparado com o mais realista “The Walking Dead”, é risível.
Aliás, “Black Summer” é uma boa série, não digo que não, mas jamais seria possível sem as bases que (o universo de) “The Walking Dead” estabeleceu. Por exemplo, aqui não é preciso explicar que toda a gente está infectada e se transforma quando morre. Não é preciso ser mordido nem arranhado, como nos filmes/séries anteriores. Esta foi uma originalidade de “The Walking Dead”, para o bem e para o mal a melhor série de zombies das últimas décadas. Da mesma forma, “Black Summer” não tem de explicar quase nada. Já vimos quase tudo o que se passa aqui em “The Walking Dead”, desde os poucos sobreviventes dos alvores do apocalipse até aos grupos armados em busca de recursos e pilhagens. Por exemplo, a mansão. Há um motivo pelo qual os personagens de “The Walking Dead” procuram abrigo em cabanas e celeiros abandonados, ou mesmo no meio da floresta. A mansão para onde estes sobreviventes foram era um chamariz de salteadores. Obviamente, dois grupos armados em luta para a ocuparem acabam por destruí-la de cima a baixo. Agora não há nada para ninguém. Também já vimos isto.
Queria falar da história, mas receio que a história seja praticamente a mesma com outros personagens. Se calhar mais acelerada e sem tempo para os desenvolver, porque mal temos tempo de lhes saber o nome. Os protagonistas vão morrendo em catadupas porque a série é curta.
Mas vamos então tentar começar pelo princípio, embora o post já vá longo. A série começa com uma família (os pais e uma miúda) a fugir de um bairro suburbano na direcção de camiões militares que estão a evacuar as pessoas para um estádio. Mas o soldado nota algo de estranho no marido e descobre que este está ferido, aparentemente com gravidade. Imediatamente o camião se vai embora com a miúda deixando os pais (e o resto das pessoas à espera de vez) apeados. Mesmo ao lado, uma mulher asiática é igualmente rejeitada pelos militares, quase sem notarmos. Trata-se apenas da “protagonista”, mas para perceber isto é preciso ver a série duas vezes. Já explico melhor. Entretanto, o casal foge para uma das casas evacuadas, onde o marido sucumbe ao ferimento e se transforma. É o primeiro zombie que nós vemos e é de meter medo. Mas ao mesmo tempo perguntamo-nos, seis semanas de apocalipse e Rose (a mulher) ainda não sabia que o mais provável era isto acontecer?
Durante a maior parte da série acompanhamos a viagem de Rose e Anna (a filha), bem como a de Sun (a protagonista coreana de que falei acima e que só sabe dizer duas ou três palavras em inglês, o que foi inteligente porque nos obriga a compreendê-la de outra maneira). Como dizia, é preciso ver a série duas vezes para apanharmos todos os pormenores. Muitos acontecimentos que vemos ao longe, quase a sair do écran, são outros sobreviventes importantes que se vão cruzar com os protagonistas. A série não nos dá tempo de respirar na sua rapidez alucinante. Raramente temos um momento parado ou de diálogo para ficarmos a conhecer as personagens. Quando isto acontece quase podemos encher os pulmões de ar. Mas sabemos que não vai durar muito tempo. “Black Summer” não nos quer deixar adormecer. Talvez até exagere na sua avidez de nos manter agarrados ao écran.
Esta é outra série de zombies que começa quando a sociedade já se desagregou. Até à data, apenas “Fear The Walking Dead” se atreveu a mostrar-nos o início, e muito de raspão antes de passarmos para o caos completo. (Deve ficar caro filmar ruas cheias de gente em pânico, deduzo eu.) Difere do universo Walking Dead pelos zombies e pelo passo acelerado com que se move, sem medo de nos deixar para trás. Talvez por isso nos envolva a outro nível com os personagens. Ou estamos alerta e os acompanhamos, ou ficamos pelo caminho. Quem fica pelo caminho não se safa.
Uma última nota sobre o título. Este Black Summer deve ser no Canadá, onde a maioria das séries são filmadas hoje em dia, porque os personagens queixam-se de muito calor ao mesmo tempo que trazem vestidas três ou quatro camisas, t-shirts e uma parka. Fez-me rir. Eles que viessem para cá que os zombies até derretiam.
Deixo os factos, recomendo aos apreciadores do género. Não vamos ver nada de original mas não é uma série que se deixe escapar.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 2 vezes (neste caso, é melhor mesmo ser vista duas vezes ou perdemos pormenores importantes)


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