domingo, 19 de junho de 2022

Blade Of Fortriu, de Juliet Marillier

“Blade Of Fortriu” é o segundo livro da trilogia The Bridei Chronicles. Admito que estive algo distraída no primeiro livro porque não percebi onde se passava a acção, o que geralmente não é importante em livros de Fantasia porque os locais são ficcionados. Afinal o reino de Fortriu existiu mesmo, algures na Escócia, e existiu mesmo um Bridei, rei dos Pictos, que travou uma guerra para expulsar as tribos gaélicas do que considerava o seu território, provavelmente por razões que não têm nada a ver com este livro.
Para mim foi um pequeno choque porque estava convencida de que a história se passava na Irlanda, tal como na trilogia Sevenwaters. Aliás, é mencionado o clã dos Uí Néill, tal como em Sevenwaters, o que contribuiu para o meu equívoco. Mas nesta segunda parte da série a localização é importante, porque é aqui que Bridei lidera os seus exércitos contra os gaélicos de Dalriada, tentando expulsar de vez a religião cristã que ameaça os deuses antigos. (Cá para mim ele não vai ter sorte nenhuma a longo prazo, é só um palpite…)
Bridei agora é rei, Tuala é rainha, e já têm um filho pequeno. Confesso igualmente que fiquei preocupada ao perceber que a história ia ser sobretudo acerca da guerra, e comecei logo a imaginar batalhas sem fim. Tudo o que são batalhas é aborrecido. Até em filmes me aborreço a ver batalhas. Quem viu uma, viu todas. Talvez seja defeito meu, mas nunca li sobre uma batalha que me interessasse. Felizmente a autora deve concordar comigo porque nos poupou à maioria das batalhas, escaramuças, exércitos e guerra em geral (só assistimos à última batalha), focando-se antes numa história romântica paralela a isto tudo, que é o que a gente quer do livro.
Em “Blade Of Fortriu” Bridei e Tuala assumem um papel secundário. Esta é a história de Ana, princesa real e refém na corte de Fortriu desde muito jovem. (Era costume as casas reais trocarem reféns para garantir que não se atacariam mutuamente.) Ana é refém mas tal nada afecta a sua posição de realeza. Bridei pede-lhe que viaje até ao reino dos Caitt, no norte, onde esta deverá casar com o chefe de um dos clãs locais em troca da promessa de que este não lutará contra Bridei na operação militar iminente. Claro que é um casamento estratégico e combinado, como o eram todos na altura. Ana, como princesa real, poderá ser a mãe do futuro rei de Fortriu, uma vez que o herdeiro ao trono provém da linhagem materna (outro pormenor que me escapou no primeiro livro). Isto faz-nos confusão, uma vez que as linhagens maternas estão praticamente erradicadas das dinastias reais, mas significa que Derelei, filho de Bridei, não será rei automaticamente. Terá de haver uma eleição entre candidatos reais, como aquela que elegeu Bridei.
Mas basta de política.
Bridei manda Ana e sua escolta para o terreno inóspito dos clãs do norte, com uma comitiva considerável e a protecção do seu homem de confiança Faolan, espião e assassino ao serviço de Fortriu, embora este seja, curiosamente, gaélico de nascimento. Bridei quer assim evitar que ele tenha de combater o seu próprio povo.
A autora volta a fazer um duplo sentido com o título: Bridei, o rei, é a quem todos chamam a Espada de Fortriu, mas durante o livro apercebemo-nos de que Faolan é que é a verdadeira Espada que interessa à história. Durante a viagem, Faolan apaixona-se por Ana, o que o surpreende porque já a conhecia antes e não sabia que ela lhe despertaria esses sentimentos. Faolan não quer ter sentimentos e faz tudo para os evitar, especialmente nesta situação em que lhe é completamente vedada a união com uma princesa de sangue real. O amor que sente é amargo, mas é genuíno.
Foi a primeira vez que li uma história de amor proibido (e “quase” não correspondido) num livro de Juliet Marillier, e gostei. Até aqui, todos os casais românticos que li nos livros da autora se apaixonam à primeira e acabam invariavelmente juntos. Adorei uma relação diferente, triste, dolorosa, sem esperança.
Ana chega à terra do futuro marido depois de bastantes vicissitudes, acompanhada apenas por Faolan porque perdeu a comitiva num acidente pelo caminho. E o futuro marido, Alpin, chefe do clã, é uma besta!
Se mesmo agora elogiei Marillier, diria que o amor impossível de Faolan foi um passo em frente, mas Alpin foi um passo atrás em algo que sempre me desgostou na autora: os vilões a preto-e-branco. A princípio pensamos que Alpin é abrutalhado porque foi educado assim e não sabe portar-se melhor porque nunca aprendeu outra coisa. Afinal não: Alpin é mesmo mau, pérfido. Este é um defeito que já vem do primeiro livro de Marillier, “Daughter of the Forest”, em que um vilão quis queimar Sorcha na fogueira como bruxa porque ela recusou os seus avanços. É preciso ser mau! O fulano também era um traidor ao seu próprio povo, para embelezar ainda mais o ramalhete de vilão. Marillier tem propensão para criar vilões super-malvados, e isto não é interessante. No livro anterior, “The Dark Mirror”, o druida Broichan não era um vilão mas antes um adversário, e a qualidade da história melhorou muito por isso. Também havia uma vilã a preto-e-branco, uma nobre que queria matar Bridei para colocar o seu próprio filho no trono, mas neste caso não era preciso fornecer mais motivações para nós compreendermos tudo. Os vilões de Marillier têm sido maus “porque sim”, e quando são maus são mesmo muito maus, sem quaisquer escrúpulos. Isto é algo que a autora ainda não conseguiu superar (pelo menos neste livro), o que é pena. Pouco me agrada mais do que um vilão “cinzento”, cheio de complexidades e contradições.
Felizmente, Ana acaba por encontrar o amor à mesma, embora não no malvado Alpin, e tem de ser Faolan, que a ama loucamente, a salvá-la das garras de Alpin quando já tudo parece perdido, embora sem esperança nenhuma para si próprio. Faolan é, por isso, a verdadeira Espada de Fortriu. Recentemente, Juliet Marillier disse no Goodreads que Faolan foi um personagem que foi crescendo ao longo da série, que foi merecendo mais do que o papel secundário que lhe estava destinado, e nota-se.
Este foi o livro mais complexo que já li de Marillier, em termos de personagens, localizações, intrigas, e devo dizer que foi tudo muito bem conseguido. Só falhou a questão do vilão. Por outro lado, compensou em não acabar com um “todos felizes para sempre”, como é costume.
Numa última nota, começo a notar uma tendência estranha que leva Marillier a juntar pessoas com aves. Não vou dizer mais nada sobre isto, mas lá que é bizarro, é.
Estou muito curiosa quanto ao livro seguinte.


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