quarta-feira, 1 de maio de 2013

Gotika: arquivos Junho 2004

junho 12, 2004

“Os Versículos Satânicos”, de Salman Rushdie

Sempre pensei, devido ao preconceito que vem associado a uma certa literatura, que este livro de Salman Rushdie - por causa do qual teve (e ainda tem?) a cabeça a prémio por ordem dos fanáticos muçulmanos do costume - fosse um daqueles manifestos trágicos e chorosos em que se relatam os horrores de um regime político.
Em boa hora, e casualmente, me chegou o livro às mãos. Foram muitas as gargalhadas que me proporcionou. Afinal, como se supõe num outro livro célebre, “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco, o livro do riso é sempre o livro mais perigoso. Uma gargalhada é uma arma mais poderosa do que um rio de lágrimas. Os imãs muçulmanos devem concordar.
A sinopse na contracapa: “Antes de nascer o dia, numa manhã de Inverno, um avião Jumbo é assaltado e explode por cima do canal da Mancha. (...) Duas figuras caem na direcção do mar sem auxílio de pára-quedas”. E não só sobrevivem à explosão como sobrevivem à queda: “Um milagre, mas ambíguo, porque em breve se nota neles sinais de curiosas transformações”. De facto, enquanto um deles, de nome Gibreel (Gabriel) se começa a transformar num anjo aureolado, o outro, Saladin, e sem ter feito nada para o merecer, transforma-se num diabo de pés de cabra, corpo peludo, cornos na testa e rabinho a condizer com o conjunto.
“Porquê eu?”, perguntar-nos-íamos todos, pergunta-se ele. E como Gibreel o anjo o abandonou à sua sorte, a vingança vem sobre a forma de versículos e de ciúmes e de dar cabo da vida do outro. Sim, uma história de cama. Tudo isto bem envolvido em blasfémia que calha tanto às divindades indianas como às raízes da tradição judaico-cristã e da muçulmana. Quando dói, que doa a todos.
Este livro não é mais blasfemo do que “A Vida de Brian”, dos Monthy Pyhton, mas há sempre aquela gente que não tem sentido de humor.
Mas quem tem sentido de humor e não despreza o surrealismo de uma imaginação delirante, prepare-se para tudo e leia o livro.
É bom absorver a ideia refrescante de que o herói cornudo acusa o pai de “lampadismo mágico, de ser um abre-sesamista”.
Que o problema de Londres e dos ingleses é o clima e que o que é preciso é pôr outros pássaros em cima das árvores e outras árvores debaixo dos pássaros.
E depois querem matar o homem por causa disto? Há de facto quem não tenha nada que fazer.

Publicado por _gotika_ em 08:06 PM | Comentários: (20)

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