Um conto para crianças pequenas e crianças grandes
Como é que eu acabei a ler um conto de fadas? Por acidente. Procurava histórias de Chelsea Quinn Yarbro, de quem aqui já falei a propósito da saga de vampiros por que é mais famosa, quando me deparei com este título, “A Baroque Fable”. Imaginei que o título fosse irónico, até porque não deve melhor época para a sátira do que a época barroca, e conhecendo a autora como já conhecia até agora era por aí que andavam as minhas expectativas.
Ao começar a ler, para meu espanto, apercebi-me de que isto não era o conto satírico e socialmente crítico que eu esperava, mas antes um conto de fadas, para crianças! Ou melhor, como se diz na classificação de filmes familiares, “para todos”.
Admito que muitas vezes me divertiu, e que até ao fim tive medo que fosse uma armadilha, e que de repente acabasse com um final adulto, sangrento, horrível. E conforme me ia embrenhando na história (uma história simples e contada de forma simples) cada vez me apetecia menos que acabasse mal, porque afinal é um conto de fadas e os contos de fadas não podem acabar mal. Como todas as crianças sabem, e nem devem desconfiar de outra coisa.
Estou a fazer um post sobre este “Baroque Fable” com um intuito diferente do que geralmente que me leva a partilhar as minhas leituras por aqui. Desta vez falo para aqueles que tem miúdos e que precisam de histórias de jeito (saliento, de jeito!, para os entreter).
Não faço ideia se Chelsea Quinn Yarbro tinha a intenção de escrever para crianças ou se queria apenas produzir uma história divertida, com bruxas e feiticeiros, dragões, trolls, e cantigas, algo que se pode ver num filme ou desenho animado. Aliás, admiro-me que esta história ainda não tenha sido adaptada ao cinema porque é muito mais interessante do que as coisas insonsas que se dão actualmente às criancinhas. As criancinhas não gostam de coisas insonsas. Gostam de histórias que parecem histórias de adultos, daquelas que só os adultos sabem que o não são. Esta é uma dessas.
A bruxa má Alfreida, que mora num bosque escuro e assustador como devem ser os bosques onde moram as bruxas, transforma a sua bonita e boazinha criada Esmeralda num dragão. Porquê? Só para provar que tem talento.
Ao tomar conhecimento disso, no reino de Alabaster-on-Gelasta, o jovem príncipe Andre decide imediatamente ir caçar o dragão, o que nesta versão soft significa arranjar um animal de estimação. O rei, cujo passatempo é fazer malha, aprova a coragem do filho, enquanto a sua mãe, a rainha histriónica, faz uma cena. É bom para os putos saberem que nem sempre as mães histriónicas que gritam e choram e se fazem de vítimas devem ser levadas a sério.
A princesa, de nome Felicia, uma rapariguinha emo, que está sempre sempre aborrecida porque no reino nunca acontece nada, decide ir com o irmão para espantar o tédio, e é assim que o príncipe e a princesa, e o pasteleiro do reino (porque o mais importante quando se caça dragões é levar o pasteleiro que faça o pequeno almoço), viajam para a floresta sombria, sozinhos. O dragão não é difícil de caçar, porque não é um dragão mas uma rapariga encantada (e desejosa de ser caçada pelo príncipe). Mais difícil é para os heróis fugirem do reino tirânico de Addlepate, onde o príncipe é raptado pelo resgate, mas nada que a princesa aborrecida e a rapariga-dragão não consigam ultrapassar sozinhas e salvar o príncipe.
No fim, e conto o fim para os meus leitores não pensarem que afinal isto não é para crianças, o pasteleiro é na realidade um príncipe (e já pode casar com a princesa), o outro príncipe descobre que o dragão não é um dragão, e até a bruxa má (que afinal não é assim tão má) encontra o amor da sua juventude. E todos viveram felizes para sempre.
Recomendaria esta história a adultos? Só àqueles que ainda têm, lá no fundo, no fundo, um coração de criança, e sentido de humor, e miúdos pequenos insatisfeitos com “histórias para crianças”. Os miúdos vão adorar, e os pais vão sorrir com as insinuações que só eles vão perceber. Para toda a família.