quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Syriana (2005)


A raiz de todo o mal

"Syriana" é um dos filmes mais complicados que já vi na vida. Cada visionamento é a descoberta de mais um pormenor que escapou à primeira. Mas não é de estranhar. O primeiro impacto é perceber como nasce um terrorista. Uma espécie de 12 de Setembro de 2001, o acordar. O resto tem de ser digerido aos bocadinhos, porque de retalhos se faz o filme, aparentemente tão desconexos para o cidadão comum como a primeira página de um jornal (a encher o olho) e as sombrias páginas de economia lá para dentro.
Tudo começa com um campo de emigrantes paquistaneses no Médio Oriente a implorar por um emprego nas petrolíferas americanas. Quando são compradas por chineses, a mão de obra é dispensada. Pai e filho ficam na miséria. O pai está louco. O filho está revoltado e não arranja trabalho.
Entretanto, na América, um auditor externo descobre que a empresa para a qual trabalha é culpada de corrupção na aquisição de direitos de exploração de recursos energéticos no Cazaquistão e algumas cabeças têm de rolar para salvar todas as outras.
A história mais comovente, se bem que irrelevante, é a do consultor financeiro e comentador de economia que é convidado para uma festa da família real saudita em Marbella. Por trágico acidente, o seu filho mais velho morre na piscina. Assim nasce a estranha relação de desprezo e respeito que aproxima o economista do príncipe herdeiro, um visionário que quer tornar o seu país numa democracia com um parlamento, impor o desenvolvimento e a racionalidade a uma economia baseada num recurso exausto. Se necessário, apoiando a instalação chinesa contra os interesses americanos.
É aqui que o príncipe saudita se torna um alvo a abater. Um agente da CIA é enviado a Beirute para o liquidar. Representantes da petrolífera são enviados ao irmão mais novo para o convencer a ser rei.
Tentando um golpe de estado, o príncipe reformista (e toda a sua família inocente) é abatido na estrada por um míssil americano. Com ele, o agente da CIA que percebeu tarde demais a manobra e que a tentou evitar.
Com o irmão mais novo no governo, os interesses americanos estão assegurados. A petrolífera volta de novo a deter direitos de exploração. Em Washington, rolam algumas cabeças da hidra. Business as usual.
Mas nem tudo regressa ao normal. Durante todo este tempo, o jovem paquistanês mata a fome numa madrassa onde lhe servem carneiro e batatas fritas e lhe ensinam que o ocidente está corrupto e decadente e que não há outra resposta que não a religião. De barriga cheia e alma alimentada, torna-se um mártir e faz explodir com um míssil americano a mesma petrolífera que o dispensou, alheio à mudança de administração. A verdadeira vida, para ele, já não é esta mas a seguinte. A sua morte é uma forma de espalhar a verdadeira fé.
Com a sensação que foi derramado o sangue de vários mártires de diferentes origens e motivações, mas todos de coração puro e inocente, o filme termina com o regresso a casa do economista, desiludido observador, para a mulher e filho que lhe restam.
As palavras faltam perante o desenrolar da engrenagem, excepto as de Paulo, no seu momento de maior clareza: "O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males". A ganância é a causa. "Syriana" e o estado do mundo é apenas a consequência.

O maior pecado deste filme, a sua complexidade, é também a sua maior virtude. Cabe ao espectador menos esclarecido perceber o que puder e juntar depois as peças do puzzle. Quanto mais vezes se visiona menos amargo se torna, tornando reais as palavras de Jesus de que "a verdade vos libertará": primeiro do choque, depois do horror, e finalmente da ignorância.
O tema genérico de "Syriana" é uma das músicas mais tristes que já ouvi e desperta em nós o receio de que tudo fique assim, para sempre, sem remédio. Demasiado complexo, demasiado fatídico, demasiado genético.
Eis um filme que peca por conteúdo a mais, se isso é possível, para que se considere perfeito. Ficam demasiadas pontas soltas para o espectador atar.

Um 17 a pender para o 18, porque se o filme é complexo a sua classificação também não é simples.

5 comentários:

Goldmundo disse...

Este tive muita pena de não ter visto. Toma nota de um que esteve há pouco (não sei se ainda está) num ou dois cinemas escondidos: Rendition ("detenção secreta").

Outra coisa: "visionamento" é uma palavra medonha. É como dizer "audicionei os Dead can Dance e gostei muito".

As palavras são um campo de batalha.

katrina a gotika disse...

Vou tentar arranjar outro sinónimo. Aceitam-se sugestões.

Mas não se diz "audicionei". Utiliza-se "uma audição e gostei muito".

Goldmundo disse...

Ao que isto chegou. Qual é o problema de "vi o Syriana"? :P

katrina a gotika disse...

Não se pode repetir vezes sem conta a mesma palavra. Isto tenta ser uma crítica escrita em linguagem objectiva e não na prosa poética do menino. :P

Goldmundo disse...

Ahahahahaah :P Ok...