domingo, 21 de abril de 2024

The Last of Us (2023 - ?)


Fiquei decepcionada com esta série. “The Last of Us” é a adaptação de um jogo de vídeo num mundo pós-apocalíptico. O que causou o apocalipse foi um fungo mutante que começou a infectar seres humanos, controlando-lhes o cérebro e tornando-os agressivos de modo a contagiarem o máximo de pessoas possível (é-nos dito no prólogo que isto acontece na natureza, mas não em seres humanos). Chamam-lhes Infectados mas na verdade são mais “colonizados”, e comportam-se como uma mente única, a do fungo, que inclusivamente tem tentáculos subterrâneos que os controlam como uma só unidade. No entanto, embora se assemelhem a zombies, estes Infectados não o são e o próprio fungo acaba por matá-los mais tarde ou mais cedo.
Devo avisar que algumas imagens de Infectados são imensamente repugnantes. O fungo aloja-se dentro do hospedeiro mas acaba por sair para fora. Numa das cenas, uma professora universitária de Micologia está a fazer uma autópsia a um deles e, ao abrir uma incisão no cadáver, o interior do corpo é só fungo. A professora fugiu disparada da sala de autópsias e eu até fiquei com comichões e com os pêlos dos braços em pé de tanto nojo. Na verdade, acredito que “The Last of Us” podia ter feito os Infectados ainda mais repulsivos (alguns fungos são bastante repelentes) mas se calhar recearam que as pessoas não conseguissem ver a série devido à reacção física de repugnância.
Com este cenário, pensei que talvez “The Last of Us” viesse a preencher o vazio deixado por “The Walking Dead”, mas isso não aconteceu por várias razões. Uma das maiores é a notória falta de Infectados. Enquanto que em “The Walking Dead” tínhamos zombies em quase todos os episódios, aqui, por alguma razão, em 9 episódios só existem 3 ou 4 confrontos com Infectados. Terá sido falta de orçamento ou uma aposta maior no drama entre os personagens? Não tenho nada contra séries dramáticas, antes pelo contrário, mas se toda a história gira em torno dos Infectados não deveríamos vê-los mais vezes?
Voltando ao enredo, vinte anos depois do início da pandemia a sociedade organizou-se numa ditadura militar dentro de centros fortemente vigiados chamados Zonas de Quarentena. As pessoas vivem mal, tendo de trocar trabalho por rações. Existe uma Resistência bastante activa mas não consegue grandes resultados. Joel, um homem de 56 anos que perdeu a filha adolescente no início da pandemia, é um deles e vive na Zona de Quarentena de Boston. Joel também trabalha, mas é mais para disfarçar a actividade de contrabandista que comporta risco de execução sumária.
Acidentalmente, a Resistência encontra uma adolescente muito especial, Ellie, que parece ser imune ao fungo. Na sequência de um ataque imprevisto, a líder da Resistência incumbe Joel (a troco de contrapartidas) de acompanhar Ellie em segurança até às instalações médicas onde, têm a certeza, Ellie será fulcral para desenvolver uma vacina ou uma cura. É este o enredo: Joel e Ellie têm de atravessar o país enfrentando Infectados, salteadores, militares, rebeliões e até fanáticos religiosos canibais (o episódio dos canibais foi o melhor).
Como acontece sempre neste tipo de história, a princípio Joel encara Ellie como mais um “trabalho”, uma mercadoria a transportar, mas obviamente o seu instinto protector e a culpa por não ter conseguido salvar a vida da filha começam a vir ao de cima e Joel acaba por desenvolver um sentimento paternal para com Ellie. Ellie, em princípio à defesa e relutante em confiar, acaba por se afeiçoar também a Joel como ao pai que nunca teve (como em “The Witcher”, na verdade, só para citar um caso em milhentos). É nesta relação que se baseia o fundo dramático da história, que acaba por suplantar os elementos pós-apocalípticos da premissa.
Agora, as razões do meu desapontamento. Para além do exíguo número de Infectados que Joel e Ellie encontram pelo caminho (e esta queixa não é só minha), o que mais me afastou da série foi mesmo a miúda (e a queixa também não é só minha). Não tenho nada contra a actriz Bella Ramsey, pelo contrário, adorei-a como Lyanna Mormont em “Guerra dos Tronos”, mas Ellie é uma miúda embirrante, armada em boa, com 14 anos mas mentalidade de 12, inculta, tem acesso a livros mas os seus preferidos são uma compilação de trocadilhos sem piada nenhuma e uma banda desenhada do mais básico possível que só um miúdo de 8 anos partilha com ela (já nem falo do “auge” da vida dela que foi jogar Mortal Kombat), e ainda por cima acha-se muito engraçada. Ainda me irrita mais quando outros personagens dizem que ela é engraçada (não é) e que tem capacidades de liderança (eu não vi nada, qual liderança, a miúda segue Joel como um cachorrinho atrás do dono). Enfim, detestei-a. Preferia muito mais que a protagonista fosse a filha de Joel, essa sim, uma personagem empática, mas infelizmente tiveram de a matar logo a princípio.
Outra coisa que me desagradou na série foram os episódios filler, isto é, de encher chouriços. Sem nunca ter visto o jogo à frente (nem vi nem quero ver) fiquei com a impressão de que não havia enredo que chegasse e tiveram de arranjar maneira de esticar a massa. Um dos exemplos mais flagrantes é logo o terceiro episódio (de uma hora e vinte minutos!) que é o flashback da relação entre Bill e Frank. Bill é um survivalista quarentão que aparentemente não sabe que é homossexual quando conhece Frank, já depois do apocalipse. Apaixonam-se, vivem felizes e envelhecem juntos apesar de tudo o que se passa no mundo. É um episódio muito bonito, muito romântico, muito comovente, mas eu tive a sensação de que estava a ver outro filme. Bill e Frank nem nunca se cruzam com Joel e Elllie e o episódio não faz nada para avançar o enredo. Quando estava a ver pensei que Bill e Frank deviam ser muito importantes para o jogo para terem direito a tanto destaque e tão pormenorizado, mas ao ler as críticas percebi que (mais uma vez) a queixa não era só minha. Frank e Bill só têm importância marginal para o enredo em geral, não são personagens assim tão relevantes. Mas não é caso único. Novo episódio, novos personagens, novo sub-plot, morrem todos, novo episódio. E a série vai assim até ao fim. Tendo em conta que são apenas 9 episódios, esperava-se uma história mais coesa e focada nos protagonistas. Isto nem vai parecer eu a falar, mas realmente faltaram Infectados e confrontos a dificultar a vida a Joel e Ellie. Os adversários que eles encontraram, em vez disso, foram outros humanos, alguns muito monstruosos, é verdade, mas isto devia ser uma série sobre um fungo que infecta humanos e não sobre a monstruosidade humana em geral. Um título mais apropriado para o drama realmente retratado na história devia ter sido “Joel e a Filha Perdida”.
E ainda outra coisa que me irritou bastante na série: ao fim de 20 anos aquelas alminhas ainda não aprenderam que a maneira mais eficiente de matar um Infectado é o inescapável tiro na cabeça (até porque é lá que o fungo se aloja e de onde controla o hospedeiro). Foi tanta a munição desperdiçada ao desbarato que se Daryl Dixon ou Carol ou até a pequena Judith vissem aquilo abanavam a cabeça em desdém: “Amadores!”
Não detestei a série mas esperava muito melhor e um enredo mais baseado na premissa. É sobre humanos controlados por fungos. O drama pode ficar à mesma, mas mostrem-nos os fungos, bolas!
Pelo menos assistimos a 15 minutos do desagregar da sociedade antes do salto temporal de vinte anos para a frente, o que eu gosto sempre de ver, mas ainda não foi desta que fiquei satisfeita. Quando é que nos vão mostrar a sociedade a desagregar-se como deve ser?

PS: Já depois de escrever o artigo, para não morrer estúpida, fui espreitar um stream do jogo, que por acaso estava precisamente na parte mais emocionante do episódio dos canibais. Não tive paciência para ver mais de um minuto. Definitivamente, não gosto de jogos.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: The Walking Dead, zombies, Young Adult, mundos pós-apocalípticos, distopia


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