domingo, 3 de janeiro de 2021

Better Call Saul

[contém spoilers de “Breaking Bad”]

 

Que série tão boa! Deve ser a primeira vez que faço a crítica a uma série antes de acabar de ver a primeira temporada. É que já estou convencida e ainda não vi o último episódio.
“Better Call Saul” é um spin off e uma prequela de “Breaking Bad”, a história do homem que viríamos a conhecer por Saul Goodman, advogado amoral e sem escrúpulos.
Em “Breaking Bad”, Saul Goodman era em todas as suas aparições o comic relief de uma tragédia. Por isso também parti para esta série enganada, à espera talvez de uma série humorística. E de facto “Better Call Saul” tem momentos verdadeiramente hilariantes, mérito do actor Bob Odenkirk e dos criadores Vince Gilligan e Peter Gould, mas afinal é a história dramática do homem chamado Jimmy McGill. Aproveitamos para aprofundar também outra personagem de peso de “Breaking Bad”, Mike Ehrmantraut, que nunca chegámos a conhecer verdadeiramente porque não era pessoa de muitas falas e muito menos confidências.
Vimos “Better Call Saul” e perguntamo-nos: como é que nunca se percebeu a grande personagem que aqui estava em Saul Goodman? Fácil. Porque em “Breaking Bad” todas as personagens eram grandes, mas nenhuma conseguia brilhar ao lado da estrela poderosa Walter White. Walter White, como um buraco negro, sugava todas as atenções. De tal modo que ver “Better Call Saul” me levou a visionar algumas partes de episódios de “Breaking Bad” e decidi ver esta última série outra vez. O apelo de Walter White é demasiado magnetizante para olharmos para o lado.
Mas aqui, Saul Goodman, ou melhor, Jimmy McGill, pode brilhar à vontade. Esta é uma série completamente focada nas personagens, que nos consegue manter interessados mesmo quando eles estão a discutir pormenores da lei e casos de tribunal de que não percebemos nada. As personagens são tão realistas que quase sinto que as conheço. Por exemplo, a relação de amizade entre Jimmy e Kim, que às vezes parece a de dois ex-namorados, outras vezes nem parece ter chegado tão longe. São apenas dois amigos que mandam bocas um ao outro e se ajudam mutuamente, lealmente, quando é necessário. Amizade pura, muito mais interessante do que qualquer envolvimento romântico.
Jimmy McGill pode não ser o génio científico que Walter White era, mas não deixa de ser um génio à sua maneira.*
[*Aliás, e perdoem-me outra referência e spoiler de “Breaking Bad”, que Saul Goodman seja um génio não é de admirar. Só uma inteligência acima da média conseguiria escapar com vida (literalmente, com vida) à devastação nuclear que a implosão de Whalter White provocou em seu redor.]
Sempre um grande espertalhão, passou uma juventude de expedientes e burlas até decidir seguir as pisadas do irmão mais velho, a quem põe num pedestal, e tira um curso de Direito por correspondência. Ou melhor, agora chama-se “à distância”, como ele nos recorda. E é então que aparece McGill o advogado, ainda sem os cartéis mas já o animal feroz que viremos a conhecer como Saul Goodman.
Jimmy McGill vive nas traseiras de um salão de beleza, nuns arrumos, a sua “casa” e “escritório”, e faz das tripas coração para se assumir na profissão, licitamente, a ganhar uma ninharia como defensor público. E Jimmy McGill é um advogado genial, mas tem sempre algo a travá-lo.
Nesta primeira temporada percebemos que foi uma traição que o impediu de progredir, uma traição de partir o coração. Uma traição cheia de ingratidão, que Jimmy McGill não merecia. A traição de quem mais tinha o dever de estar do seu lado.
Nem preciso de mais nada para perceber como é que o bem-intencionado Jimmy McGill se transforma no cínico Saul Goodman que conhecemos na série original. Está explicado. Mas isto não acaba aqui. “Better Call Saul” já vai na quinta temporada, um verdadeiro sucesso tendo em conta que começou como spin off e prequela. Episódios tão bem equilibrados entre o dramatismo e o humor são coisa de verdadeiro génio. Esta é uma série para ver e para rever. Por esta altura, já não espero outra coisa do criador Vince Gilligan.


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