segunda-feira, 4 de novembro de 2013

“O Livro dos Espíritos” – O Bem e o Mal

Capítulo “Conhecimento do futuro”


Uma vez que Deus sabe tudo, sabe, igualmente, se um homem deve fracassar ou não numa prova? Nesse caso, qual é a necessidade dessa prova, que nada acrescentará ao que Deus já sabe a respeito desse homem? [pergunta]

Outra das perguntas mais pertinentes d'"O Livro dos Espíritos".

– É o mesmo que perguntar porque Deu não criou o homem perfeito e realizado: porque o homem passa pela infância antes de atingir a idade adulta. A prova não tem a finalidade de esclarecer a Deus sobre o mérito dessa pessoa, visto que sabe perfeitamente para que a prova lhe serve, mas, sim, para a deixar com toda a responsabilidade da sua acção, uma vez que é livre para fazer ou não. Tendo o homem a escolha entre o bem e o mal, a prova tem a finalidade de colocá-lo em luta com a tentação do mal e lhe deixar todo o mérito da resistência. Embora saiba muito bem, antecipadamente, se triunfará ou não, Deus não pode, na sua justiça, puni-lo nem recompensá-lo por um acto que ainda não foi praticado.

Mas a resposta não me convence.

Capítulo “O bem e o mal”


O mal que se comete não é, muitas vezes, o resultado da posição em que nos colocaram outros homens? E, nesse caso, quais são os mais culpados? [pergunta]
– O mal recai sobre aquele que o causou. Porém, o homem que é conduzido ao mal pela posição que exerce é menos culpado do que aqueles que o causaram; contudo, cada um será punido, não somente pelo mal que tiver feito, como também pelo que tiver provocado.

Aquele que não fez o mal, mas que se aproveita do mal feito por um outro, é culpado da mesma forma? [pergunta]
– É como se o cometesse; ao tirar proveito participa dele. Talvez não pratique a acção; mas se, ao encontrar tudo feito, faz uso disso, é porque a aprova, e ele mesmo o faria se pudesse, ou ousasse.

Basta não fazer o mal para ser agradável a Deus e assegurar um futuro melhor? [pergunta]
– Não. É preciso fazer o bem no limite de suas forças, porque cada um responderá por todo o mal que resulte do bem que não tiver feito.

Há pessoas que, pela sua posição, não têm a possibilidade de fazer o bem? [pergunta]
– Não há ninguém que não possa fazer o bem; somente o egoísta nunca encontra ocasião. Bastam as relações sociais com outros homens para encontrar ocasião de fazer o bem, e cada dia de vida dá a oportunidade a quem não esteja cego pelo egoísmo; porque fazer o bem não é somente ser caridoso, é ser útil na medida de vosso poder todas as vezes que vossa ajuda se fizer necessária.


Concebe-se que toda a gente possa estar em posição de fazer o bem. O mais intrigante é que algumas pessoas desejariam fazer mais bem do que fazem e não podem fazê-lo porque a sua posição não lhes permite. Não é um contra-senso? Não falo apenas de mim, mas tenho notado que são os pobres, os muito pobres, aqueles que sentindo na pele as privações, são também das pessoas mais dispostas a ajudar os outros. Da mesma forma que aqueles que passaram por grandes traumas são os primeiros a desejar ajudar outros que também sofreram. E muitos outros exemplos semelhantes que todos nós conhecemos.
Mas na maioria dos casos não conseguem. Pobres não conseguem ajudar outros pobres. (Falo de pobres, não de "remediados".) Ficam à mercê da caridade dos ricos. Da mesma forma, talvez as pessoas psicologicamente magoadas não consigam, embora queiram, relacionar-se com outros semelhantes. Ficam à mercê de profissionais que não fazem a mais pálida ideia do que estão a falar. E por aí fora, um contra-senso em que quem estaria em melhor condição de fazer o bem não o consegue fazer.
Poderá haver uma forma de expiação, de prisão tão absoluta, em que seja também uma punição desejar fazer o bem e não poder? Mas não levará isso à paralisia, ao desespero, à indiferença perante o destino, a um ponto em que a expiação já não adianta rigorosamente nada porque não faz efeito uma vez que o ser desiste de tentar agir? Será esse o tempo de morrer?


 Capítulo “Vida Contemplativa”


Os homens que se entregam à vida contemplativa, não fazendo nenhum mal e pensando apenas em Deus, têm mérito perante Deus? [pergunta]
– Não, porque se não fazem o mal também não fazem o bem, e são inúteis; aliás, não fazer o bem já é um mal. Deus quer que se pense n’Ele, mas não que se pense apenas n’Ele, uma vez que deu ao homem deveres a cumprir na Terra. Aquele que consome o seu tempo na meditação e na contemplação não faz nada de meritório aos olhos de Deus, porque a dedicação da sua vida é toda pessoal e inútil para a humanidade, e Deus lhe pedirá contas do bem que não tiver feito.


Capítulo “Privações voluntárias. Mortificações”


A vida de mortificações ascéticas dos devotos e dos místicos, praticada desde a Antiguidade e entre diferentes povos, é meritória sob algum ponto de vista? [pergunta]
– Perguntai para o quê e a quem ela serve e tereis a resposta. Se serve apenas àquele que a pratica e o impede de fazer o bem, é egoísmo, qualquer que seja o pretexto com o qual se disfarce. Renegar-se a si mesmo e trabalhar para os outros é a verdadeira mortificação, conforme a caridade cristã.

A resposta a estas duas perguntas esquece o mérito que existe em dar o exemplo a outros menos espirituais. Pela vida ascética e contemplativa, que não é para todos, o asceta inspira outros a pensar em Deus, outros que talvez não pensariam em Deus se não vissem tal exemplo de renúncia a que o asceta se submete, e que os impressiona. O asceta cumpre também esse papel.


 Capítulo “Marcha do progresso”


A perversidade do homem é muito grande. Não parece recuar em vez de avançar, pelo menos do ponto de vista moral? [pergunta]
– Engano vosso. Observai bem o conjunto e vereis que o homem avança, uma vez que compreende melhor  o que é o mal e a cada dia corrige abusos. É preciso o mal chegar a extremos para fazer compreender a necessidade do bem e das reformas.

A História demonstra-nos que isto não anda longe da verdade.


Capítulo “Civilização”


A civilização se depurará um dia de modo a fazer desaparecer os males que tenha produzido? [pergunta]
– Sim, quando a moral também estiver tão desenvolvida quanto a inteligência. O fruto não pode vir antes da flor.

Já esta parte, é uma questão de optimismo. Certamente que a humanidade avançou, tendo em conta séculos e milénios, mas não sem inventar a cada passo uma nova forma de barbaridade.
De barbaridade em barbaridade, lá vamos avançando.


Capítulo “Egoísmo”


Entre os vícios, qual se pode considerar o pior? [pergunta]
– Já dissemos várias vezes: é o egoísmo; dele deriva todo o mal. Estudai todos os vícios e vereis que no fundo de todos existe egoísmo. Vós os combatereis inutilmente e não conseguireis arrancá-los enquanto não tiverdes atacado o mal pela raiz, enquanto não tiverdes destruído a causa. Que todos os vossos esforços tendam para esse objectivo, porque aí está a verdadeira chaga da sociedade. Aquele que deseja se aproximar, já nesta vida, da perfeição moral, deve arrancar do seu coração todo o sentimento de egoísmo, por ser incompatível com a justiça, o amor e a caridade: ele neutraliza todas as outras qualidades.

O egoísmo, sendo próprio da espécie humana, não será sempre um obstáculo para que reine o bem absoluto na Terra? [pergunta]
– É certo que o egoísmo é o maior mal, mas ele se prende à inferioridade dos Espíritos encarnados na Terra, e não à humanidade em si mesma; os Espíritos, ao se depurarem nas sucessivas encarnações, perdem o egoísmo como perdem outras impurezas. Não tendes, na Terra nenhum homem desprovido de egoísmo e praticando a caridade? Há mais do que imaginais, porém pouco os conheceis, porque a virtude não se põe em evidência; se há um, porque não haveria dez? Se há dez, porque não haveria mil e assim por diante?

O egoísmo, longe de diminuir, aumenta com a civilização, que parece excitá-lo e mantê-lo; como a causa poderá destruir o efeito? [pergunta]
– Quanto maior o mal, mais se torna horrível. Será preciso que o egoísmo cause muito mal para fazer compreender a necessidade de extingui-lo. Quando os homens tiverem se libertado do egoísmo que os domina, viverão como irmãos, não se fazendo nenhum mal, ajudando-se mutuamente pelo sentimento natural da solidariedade; então o forte será o apoio e não o opressor do fraco, e não se verão mais homens desprovidos do indispensável para viver, porque todos praticarão a lei da justiça. É o reino do bem que os Espíritos estão encarregues de preparar.


Não acredito nisto. Não me vou rir, porque é feio rirmo-nos das utopias religiosas de cada qual, mas não posso deixar de o considerar uma utopia.






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