terça-feira, 13 de maio de 2025

Lights Out / Terror na Escuridão (2016)

Eis um filme excelente para quem tem medo do escuro. Estou a brincar. É mesmo um filme para NÃO ver por quem tem medo do escuro.
Martin é um miúdo que vive aterrorizado pelo escuro e com boa razão. Sophie, a mãe, para além de psicótica é perseguida pelo fantasma de uma amiga de infância que só se manifesta no escuro. Mas esta não é uma assombração vulgar. Sophie e Diana (o nome da amiga) estiveram internadas juntas num hospital psiquiátrico quando eram crianças. Diana sofria de uma sensibilidade extrema ao sol. Numa tentativa de “cura”, os médicos submeteram-na a intensa radiação solar… e a miúda morreu. Sophie conseguiu controlar a psicose com medicação e viver uma vida mais ou menos normal, mas sem os remédios começa imediatamente a receber a visita do fantasma da amiga. Na verdade, Sophie sente-se imensamente culpada por ter esquecido Diana, não quer mandá-la embora e está convencida de que a amiga jamais faria mal à sua família.
Martin sabe que não é verdade e desiste de dormir de noite, o que faz com que adormeça durante as aulas. A escola tenta contactar a mãe, que não está disponível devido ao surto de psicose mais recente, e tem de recorrer a Rebecca, meia-irmã de Martin, uma jovem adulta e independente que não quer compromissos nem com o namorado.
Martin não julga que a irmã acredite nele mas mesmo assim fala-lhe de Diana e, para sua grande surpresa, Rebecca não apenas acredita nele como se recorda de Diana da sua própria infância e foi mesmo por isso que se afastou da mãe e do irmão. Rebecca também sabe que Diana ataca toda a gente que considera uma ameaça que a afaste de Sophie e a partir daí decide fazer tudo para salvar Martin, nem que tenha de o retirar à mãe.
Como filme de terror, penso que “Lights Out” peca em relação à vilã. Afinal, a miúda foi assassinada na infância. É-nos dito que mesmo antes disso Diana era “agressiva” mas esta agressividade nunca é explicada. Todavia, uma miúda que sofre de uma doença rara, que certamente é ostracizada pelas outras crianças a ponto de só ter uma única amiga, e que foi enfiada num hospital psiquiátrico, não é apenas normal que tenha ataques de raiva? E não é normal, como fantasma, que permaneça agarrada a essa única amiga e que se considere ameaçada por toda a gente que as tente separar? Diana só existe ainda, afinal, porque Sophie se lembra dela, e Diana quer sobreviver. É impossível não simpatizar. Logo, para mim o filme perdeu muito do elemento de terror porque tive pena da vilã. Uma vilã mais malvada teria tido mais impacto, pelo menos para mim. Desta forma, acabei por focar-me mais no drama do que no terror propriamente dito.
Mesmo assim, é um filme interessante com alguns momentos de tensão, se bem que me pareça dirigido a um público muito jovem.

12 em 20 


domingo, 11 de maio de 2025

The Last Kingdom (2015 - 2022) - Destiny is all!

Então, afinal Athelstan existiu mesmo! Eu sempre pensei que fosse uma personagem ficcional de "Vikings", tal foi a falta de verosimilhança com que o retrataram. O mesmo se pode dizer de todas as personagens e até do enredo de "Vikings", algo que oscilava nas ondas da incoerência como um barco viking nas ondas do mar sem rota traçada.
O mesmo não se pode dizer de "The Last Kingdom", uma história com cabeça, tronco e membros. "The Last Kingdom" é a odisseia de Uhtred de Bebbanburg, um nobre nascido saxão e criado por vikings, no objectivo de recuperar o título usurpado pelo seu tio. Apesar de todas as proezas militares ao serviço dos reis de Wessex, Alfred e Edward, isto não foi tarefa fácil porque Bebbanburg se situa no norte da (actual) Inglaterra e os reis de Wessex não arriscavam dar-lhe o apoio necessário numa época em que eram acossados por raides vikings nas suas próprias terras.
Só tenho bem a dizer de "The Last Kingdom", uma história que me viciou desde o princípio. É verdade que o enredo foi "manobrado" para haver sempre uma grande batalha no início e no fim de cada temporada, mas numa série centrada à volta da conquista/invasão viking é natural que assim seja. No ínterim, temos drama, romance, humor, momentos filosóficos e passagens dignas de Shakespeare se Shakespeare tivesse escrito para a televisão (só dois exemplos na última temporada: o discurso de Lord Aethelhelm e o pranto de Lady Aelswith). Acredito mesmo que seja esta a maior diferença entre "The Last Kingdom" e "Vikings", duas séries sobre o mesmo tema, a primeira da perspectiva dos saxões, a segunda da perspectiva dos vikings. "The Last Kingdom" é uma série muito mais convencional, com personagens e circunstâncias históricas e religiosas que nos são mais familiares. Se "Vikings" era mitológico, "The Last Kingdom" está bastante mais ancorado na História como esta chegou até nós e focado na construção da futura Inglaterra. Basta dizer, sem querer entrar em muitos spoilers, que a derradeira batalha é entre saxões, embora envolvendo nórdicos instalados há gerações em terras britânicas.
Aproveito para falar já das batalhas propriamente ditas. Costumo queixar-me de batalhas em que não se percebe nada do que está a acontecer, em que não se distingue quem está a fazer o quê e onde. Só tenho a dizer o contrário de "The Last Kingdom". As batalhas estão excepcionalmente bem filmadas, com perspectivas aéreas que nos permitem ver a posição dos adversários, com destaques nos confrontos entre personagens principais sem fazer parecer que a guerra parou toda para se poder ver este ou aquele duelo (outra coisa que acontece muito nos filmes de acção), sem que a importância dada a estes confrontos nunca torne a batalha lenta ou irrealista. Vindo de mim, é um elogio: nunca me senti perdida, percebi sempre o que estavam a fazer, onde se situavam os exércitos, qual era a posição e a força numérica de cada um, qual era a estratégia de defesa e ataque, quem estava a ganhar ou a perder e porquê, e quem eram os protagonistas decisivos. Todos os filmes de acção deviam pôr os olhos nisto. É assim que se filmam batalhas.
A última batalha, no último episódio da última temporada, é a mais épica de todas, uma das coisas mais arrepiantes que já vi numa batalha de espadas, e não pelos horrores habituais que se podem esperar deste tipo de conflito. Recomendo a todos os verdadeiros amantes de acção que não percam isto por motivo nenhum.
Mas o que gostei mais em "The Last Kingdom" foram mesmo as personagens de carne e osso, tridimensionais, com as suas forças e fraquezas, virtudes e defeitos, e motivações bem estabelecidas mesmo quando a personagem muda completamente de ideias. Por exemplo, foi penoso assistir a como Brida, uma rapariga aguerrida mas pragmática, se foi transformando numa fanática religiosa e sanguinária para justificar o seu ódio a Uhtred, quando na verdade era evidente que permanecia em negação quanto aos seus próprios erros. Estas são personagens sólidas, complexas, humanas, que nos despertam a empatia. Quando alguma morria, conseguia mesmo afectar-me, até no caso de alguns vilões.
Não quero dizer quem morre, mas vou dar o exemplo de Haesten, porque sei que desde o início toda a gente vai querer ver Haesten morrer, o mais brevemente possível e o mais lentamente possível. A melhor maneira de descrever Haesten é que é um merdas. Haesten é um guerreiro viking mais cobarde do que guerreiro, sempre mais disposto a fugir do que combater, sempre a pendurar-se nas vitórias dos outros e a gabarolar-se das suas "proezas" inexistentes, um intriguista capaz de trair tudo e todos para satisfazer a cobiça e a ambição, e, pior do que tudo, por várias vezes Haesten tenta tomar mulheres à força, especialmente as prisioneiras de guerra como a princesa Aethelflaed, por quem chega a desenvolver uma obsessão muito para além das práticas normais dos vikings a ponto de arruinar tudo o que já tinha conquistado para a perseguir. Haesten personifica tudo o que há de mais baixo, egoísta, fanfarrão, ganancioso e desleal. Para que a morte dele nos afectasse, uma série menor teria recorrido a um fim agonizante ou a uma redenção-instantânea de um só gesto de compaixão. Mas "The Last Kingdom" começa a preparar a coisa mais cedo. Anos mais velho, Haesten salva a Lady Eadith de uma situação periclitante sem ter nada a ganhar com isso (embora lhe dê a entender que a queria ter como amante, mas nada que garantisse que tal ia acontecer) e tenta mesmo salvar Aelfwynn, filha da própria Aethelflaed, numa circunstância em que podia antes ter-se salvado a si próprio, o que faz dele quase uma pessoa decente. Eu sabia que Haesten tinha os dias contados (melhor gente do que ele morreu por muito menos), mas nunca me passou pela cabeça ter pena deste merdas. Aliás, quem gostou de "A Guerra dos Tronos" vai apreciar as mortes abruptas, muitas delas no momento e da maneira que menos esperávamos. Mas, ao contrário de "A Guerra dos Tronos", muitas destas mortes não valem apenas pelo efeito de choque, algumas fazem-nos mesmo sentir falta do personagem (incluindo alguns vilões, como disse acima).
Resta-me falar dos momentos de humor, alguns muito subtis, como o homem que leva o porco à taberna (quase nem se dá por ele), ou aquela cena em que uma viúva cinquentona, casta como uma monja, acompanhada da neta adolescente e bonita, recebe as atenções indesejadas de um bêbedo que prefere fazer-lhe olhinhos sem ligar nada à rapariga, deixando a senhora bastante incomodada.
E por falar em viúva, foi impressionante como a rainha Aelswith, mulher de Alfred, se transformou de beata fanática em mulher engenhosa e pragmática, exactamente o contrário do percurso de Brida.
Como já salientei antes, "The Last Kingdom" é também uma grande produção em termos de cenários, guarda-roupa, interiores e exteriores da época. Uma delícia para quem é apaixonado por História.
Uhtred, o protagonista, acaba por ser o personagem menos tridimensional, curiosamente. Tornaram-no demasiado "herói de acção" que vence sempre no fim (ou quase sempre), por muito que tenha de passar para lá chegar. Uhtred também tem virtudes e fraquezas (o orgulho e a teimosia são as que o prejudicam mais) e uma mania embirrante de culpar o destino por tudo (o célebre "destiny is all"), afirmando mesmo que nunca teve escolha, para o bem e para o mal, quando nós vemos perfeitamente que teve e que efectivamente escolheu. No entanto, compreendo que tinham de o fazer heróico. Uthred é uma personagem inesquecível e ninguém queria seguir tamanha odisseia para o ver fracassar no fim. Resta saber se consegue recuperar Bebbanburg ou se o destino lhe reserva outras recompensas. Destiny is all!

Uma última palavra para a excelente banda sonora de Eivør e John Lunn, motivo mais do que suficiente para aguardarmos ansiosamente pelo princípio e fim de cada episódio: 

https://www.youtube.com/watch?v=WT65X0eBTEA


ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 2 vezes

PARA QUEM GOSTA DE: Vikings, drama histórico
 

terça-feira, 6 de maio de 2025

Malignant / Maligno (2021)

Quando vi que este filme é do “nosso amigo” James Wan (“Insidious”, The Conjuring”, “The Nun”, etc) fiquei logo à espera do “nosso outro amigo” diabo chifrudo. Tenho para mim que James Wan e o diabo chifrudo são amigos desde a escola primária e que Wan lhe arranja papéis em todos os filmes que faz.
Mas não, nada de diabo chifrudo. A protagonista, Madison Mitchell, é atacada pelo marido abusivo e a partir desse momento começa a ter visões de homicídios como se ela própria lá estivesse. A polícia desconfia dela até ao momento em que descobre um outro suspeito a fugir do local do crime, mas qual é a relação dele com Madison?
Logo no princípio do filme assistimos ao que parecem experiências com crianças num hospital que me recordou o laboratório de “Stranger Things” onde “treinavam” Eleven. Mais tarde descobrimos que Madison é adoptada e que o seu irmão gémeo pode ser o autor dos crimes cujas vítimas são precisamente os médicos do hospital que vimos no início.
Confesso que o filme me “enganou” bem enganada, porque a natureza dos crimes é muito mais mirabolante do que eu podia imaginar. Li qualquer coisa sobre um caso destes algures num século passado mas, para dizer a verdade, sempre achei que era uma história da carochinha (não havia fotografias do fenómeno). E depois deste filme também não sei se acredito. Mas também não é para acreditar, pois não?
Apesar das incoerências de “Malignant” (o suspeito parece ter poderes sobrenaturais como a manipulação de electricidade e aparelhos transmissores, mas nunca os usa com muita regularidade porque a sua “especialidade” é luta corpo a corpo…), parece-me que este foi o filme de James Wan que detestei menos (exceptuando “The Conjuring” que, ame-se ou odeie-se, é um bom filme). O enredo é rebuscado, direi mesmo tresloucado, se não impossível de todo, e a crítica arrasou-o, mas eu diverti-me.

13 em 20

 

domingo, 4 de maio de 2025

The Cellar / A Cave (2022)

 

Uma família de posses, pai, mãe, filha adolescente e filho mais novo, compram um casarão na Irlanda no meio de nenhures que mais parece um hotel. (A sério, porque é que uma família de quatro pessoas compra uma casa tão grande? Só os custos de manutenção – limpeza, electricidade, jardim – são um filme de terror.)
Curiosamente, a cave parece bastante pequena para uma casa tão grande: só espaço para meia dúzia de vassouras, duas estantes de vinhos e pouco mais.
Certa noite em que os pais têm uma reunião de trabalho e a filha mais velha, Ellie, fica a tomar conta do irmão, falta a luz em toda a casa. Num telefonema com a mãe, Keira, esta convence Ellie a descer à cave para ligar os disjuntores, indicando que são apenas 10 degraus e incentivando Ellie a contá-los um a um para não ter medo. Só que quando Ellie chega ao fim continua a contar, a contar, e desaparece na cave sem deixar rasto.
A polícia e o pai não dão muita importância ao desaparecimento porque Elllie já tinha fugido antes e voltava sempre a casa, mas a mãe suspeita que algo de muito diferente se passou desta vez.
Keira começa a notar coisas estranhas na casa, nomeadamente símbolos desconhecidos em cima de cada porta e uma equação misteriosa no último degrau das escadas da cave. (Eu percebi logo que os símbolos eram letras hebraicas. É muita Bíblia, meus amores, muita Bíblia! Quanto à equação, embora eu esteja convencida de que a matemática é obra do Demo, não faço ideia.) Outras coisas sinistras se passam na casa, nomeadamente falta a luz quando é mais necessária, existe um gramofone antigo que reproduz a equação e uma série de números, portas abrem-se para divisões onde não devia existir nada e o miúdo mais novo parece hipnotizado e tenta dirigir-se a elas, objectos movem-se sozinhos (como as contas de um velho ábaco que se deslocam de um lado para o outro), enfim, o costume numa casa assombrada.
Keira começa a investigar o antigo dono da casa, um tal de Dr. Fetherston, matemático, ocultista e alquimista, e descobre que toda a família do Dr. Fetherston também desapareceu em circunstâncias misteriosas. Keira procura a universidade do Dr. Fetherston e fala com o seu sucessor, Dr. Fournet, um génio matemático. Este não reconhece a equação mas identifica-a como parte de uma sequência incompleta. Também é ele quem lhe diz que Dr. Fetherston foi colega de Erwin Schrödinger (sim, o sádico do gato), e a partir daqui eu acredito que ambos andavam a tramar tudo o que é maléfico, maligno e malvado em geral. Mais tarde, o Dr. Fournet contacta Keira e informa-a de que encontrou outra sequência da equação numa casa belga, de onde igualmente desapareceu uma família inteira. Também é ele quem descobre que as letras hebraicas na casa de Keira formam a palavra Leviatã. O “grande Leviatã”, aqui associado a Baphomet, é um dos nomes bíblicos para o Diabo, mas eles só descobrem quase no fim do filme. (Muita matemática, pouca Bíblia, dá nisto.)
Quando finalmente Keira percebe que existe algo de maléfico na casa, mais propriamente na cave, já é tarde demais.
Há duas cenas arrepiantes neste filme pouco original. O disco do gramofone tem o poder de hipnotizar quem o ouve. A certa altura Keira encontra o filho e, mais perigoso ainda, o marido, completamente possuídos pela força maléfica que os quer levar para a cave e eu pensei num cenário tipo Amityville. A outra cena é a própria cave. Como disse a princípio, com as luzes acesas esta parece demasiado pequena para aquela enormidade de casarão, mas com as luzes apagadas os degraus parecem estender-se até um infinito de vastidão ameaçadora. É verdadeiramente assustador e eu não desceria aquela escada por motivo nenhum, especialmente por ser tão enganadora com a luz acesa.
“The Cellar” tem bastantes elementos para um grande filme de terror e obviamente que uma força demoníaca quer capturar aquela família (e outras), mas nunca chegamos a entender porquê nem para quê, o que não nos ajuda a perceber a história, se é que podemos falar em história se não existe um fim minimamente compreensível. O filme parece antes uma manta de retalhos (ou clichés) que são promissores de início mas que nunca se transformam num todo com cabeça, tronco e membros. Foi pena.

13 em 20

 

terça-feira, 29 de abril de 2025

Dracula: The Original Living Vampire / Drácula: O Vampiro Ainda Está Vivo (2022)

Apesar de ser um Drácula com personagens de Bram Stoker (não obstante as liberdades criativas) não é fácil entrar neste filme. “Dracula: The Original Living Vampire” passa-se numa modernidade imprecisa e os actores falam e agem como personagens do século XIX, num inglês ultra formal e britânico, com acção e diálogos lentos como numa peça teatral ou num filme antigo, ou como no próprio livro de Bram Stoker. A princípio estranhei, mas a certa altura concluí que um filme de 2022 com produção americana (embora filmado na Sérvia) não podia ser tão mau. Já vi demasiadas produções de The Asylum para esperar melhor. Então, só podia ser de propósito. E de facto o filme cria uma atmosfera intemporal, especialmente com a iluminação. Na altura já existe luz eléctrica mas pelo fim de “Dracula: The Original Living Vampire” conseguimos ficar perfeitamente convencidos de que tudo se passa à luz de velas. Admito que o espectador actual tenha alguma impaciência com a lentidão e a teatralidade do início, mas a acção vai acelerando progressivamente, pelo que o princípio é mesmo propositado.
As personagens não são exactamente quem esperávamos. Van Helsing é Amelia Van Helsing, detective pragmática que não acredita em vampiros, Mina Murray é a namorada dela, Johnathan Harker é o cientista com um interesse pelo oculto, Renfield é o chefe de polícia. O conde Drácula é ele próprio, o único e imortal.
Como tal, começam a aparecer cadáveres de mulheres ruivas sem uma gota de sangue. Van Helsing descobre que os crimes são semelhantes a uma série de homicídios que aconteceram há 100 anos, mas julga apenas coincidência. Nesta mitologia, Drácula foi um nobre de outros tempos cuja noiva, ruiva, morreu no dia de casamento. Desde então Drácula tem matado as mulheres ruivas que encontra e que o recordam da noiva, se bem que ao “matá-las” estas se transformam em vampiras.
Drácula está na cidade (onde esteve há 100 anos atrás) para se instalar, e para isso recorre aos serviços da empresa de Mina, ficando ela encarregue de lhe encontrar uma casa. Drácula está convencido de que Mina é a reencarnação da sua noiva e rapta-a. O resto do filme segue a história original: Amelia Van Helsing e Johnathan Harker têm de correr contra o tempo antes que Drácula a transforme em vampira.
“Dracula: The Original Living Vampire” pode não ser a melhor adaptação do clássico de Bram Stoker mas é interessante e vê-se bem se não se tiver muitas expectativas. Uma mistura da história original com elementos modernos. Gostei imenso do fim.

12 em 20


 

domingo, 27 de abril de 2025

And the Ass Saw the Angel, de Nick Cave

Conhecia este livro quase há tanto tempo como conheço Nick Cave, mas a oportunidade nunca se proporcionou. Não fazia ideia do que ia ler.
Esta é a história de Euchrid Eucrow, um desgraçado que já era desgraçado antes de nascer. Mãe alcoólica, pai indiferente. Nos anos 30, numa miséria humana em todos os sentidos, Euchrid nasce junto a uma comunidade fortemente religiosa sem nunca lhe pertencer. O negócio dos pais, ao que parece, é produzir zurrapa para os vagabundos que abundam pelo vale. O passatempo da mãe é torturar Euchrid, o passatempo do pai é torturar os animais ainda vivos que apanha nas suas armadilhas. Euchrid não é filho único. O seu irmão gémeo, o primogénito, morreu logo depois de nascer e foi enterrado no quintal.
Euchrid é mudo de nascença, o que, conjuntamente com o seu status familiar abjecto, o torna alvo de perseguição e tortura pelos habitantes mais perversos do vale.
Sem ninguém que o proteja, pela altura em que os pais morrem Euchrid já está meio louco. Na falta deles, enlouquece de vez. Convence-se de que é um mensageiro, um sabotador por ordem divina, ouve a voz de Deus, vê um anjo da guarda, vê fantasmas, acredita-se um rei num reino de sucata que tem como súbditos os pobres animais estropiados e famintos apanhados nas armadilhas que herdou do pai. Testemunhar os delírios de Euchrid, relatados na primeira pessoa, é acompanhar uma descida aos abismos mais alucinados da loucura. Muitas vezes os seus devaneios são já tão desligados da realidade que Nick Cave tem de "intervir" para nos elucidar sobre o que está realmente a acontecer. Euchrid começa a sofrer de "apagões" ("deadtime", como ele lhes chama) em que não se lembra do que fez. Euchrid também tortura animais, o que só não é mais difícil de ler porque percebemos que a violência vem de uma mente paranóica e demente, como, por exemplo, quando ele espanca um cão porque o cão estava a "troçar dele". Num sonho, ou visão, Euchrid vê-se a estrangular o próprio irmão com o cordão umbilical no ventre materno, o que seria impossível mas que nos esclarece sobre o seu estado mental. Por outro lado, o facto de Euchrid se intitular a si próprio "sabotador" (algo que o fantasma do pai também lhe chama, acusatoriamente) dá-nos razões para suspeitar que tenha matado o pai, muito embora ele diga que eram próximos e que não tinha nenhuma razão para fazer isso. Tirando a "nenhuma razão", tem todas as razões, e tem apagões em que não se lembra do que fez, e não se pode confiar numa palavra de Euchrid por muito que ele acredite piamente no que diz.
A história de Euchrid é violenta, chocante, pesada e perturbadora. A escrita de Nick Cave é magistral, erudita, avassaladora, mas com a componente lírica que seria de esperar. Nick Cave, como os fãs já sabem, é também um letrista fora de série, um contador de histórias extraordinário, um daqueles raros mestres do ofício de escrever que conseguem fazer tudo o que querem das palavras. Quem acompanha Nick Cave, tanto a solo como nos Birthday Party ou nos Grinderman ou com os Bad Seeds, vai reconhecer neste livro muitos temas recorrentes na obra musical, alguns desenvolvidos de forma diferente, outros muito semelhantes, como no caso do cavalo chamado Sorrow ou de "The Firstborn Is Dead".
Após ler "The Death of Bunny Munro" e "And the Ass Saw the Angel", e de ficar arrebatada pelo talento de Nick Cave (também) como romancista, quase me perguntaria porque é que ele não escreveu mais livros se não soubesse já a resposta. Depois de "The Death of Bunny Munro" a tragédia abateu-se. E voltou a abater-se poucos anos depois. Compreendo que o autor possa não estar no melhor espaço mental para escrever neste momento, mas a tragédia e o luto são um grande catalisador para a criação artística e eu vou manter a esperança.
Aconselho veementemente os livros de Nick Cave a todos os fãs, os que melhor vão conseguir apreender todo o significado e simbolismo da sua obra em prosa. Quanto aos que ainda não conhecem a música de Nick Cave, recomendo também e prometo que a música é tão boa ou melhor.


terça-feira, 22 de abril de 2025

The Wolf of Snow Hollow / O Lobo de Snow Hollow (2020)

Vi este filme uma vez e, confesso, achei uma cagada e apeteceu-me apagá-lo logo. Mas depois tive um pesadelo com a porcaria do filme. Uma vez que me tocou a nível inconsciente, decidi ver outra vez para perceber porque é que não gostei. E voltei a ter um pesadelo (já não sei se relacionado com o filme). Logo, “The Wolf of Snow Hollow” consegue algo que se calhar não queria conseguir tão bem: aterrorizar.
O próprio título indica, o filme é sobre um lobisomem. Na pacata cidade de montanha de Snow Hollow, crimes horrendos começam a acontecer todas as noites de Lua Cheia, sobressaltando os residentes, afastando os turistas da estância de esqui e colocando a diminuta força policial à beira de um ataque de nervos. O xerife é idoso e sofre do coração, mal se aguenta de pé mas não se quer reformar, os delegados encobrem-no, um deles é o seu filho John, candidato a suceder ao pai, o resto dos polícias andam às aranhas com os homicídios, a sua rotina é passar multas e dariam tudo para chamar o FBI mas o FBI não tem jurisdição. Em suma, o filme quer que nos concentremos mais nos polícias-baratas-tontas e nos problemas pessoais do delegado John (divorciado, ex-alcoólico, com uma filha adolescente na idade da rebeldia) do que no lobisomem propriamente dito e nos cadáveres horrivelmente mutilados que este deixa para trás.
Penso que sei o que o filme (e o realizador Jim Cummings, igualmente no papel de John) queria fazer aqui, e era outro “Fargo”. Mas “Fargo” acertou em tudo, “The Wolf of Snow Hollow” não acerta nem ao lado.
E porquê? Porque o filme queria ser cómico, ainda por cima, além de dramático, e exagerou na incompetência dos polícias e nos problemas pessoais do delegado John a ponto de não ter graça nenhuma. Sobrepujado por um caso que não sabe resolver, John volta a meter-se na bebida, grita por tudo e por nada e despede profissionais a torto e a direito, chega a andar à porrada com o especialista forense porque este não lhe fornece as provas que ele quer (o que é isto, a creche?), encobre o pai, discute com a mulher e a filha e até com a recepcionista da esquadra, e isto tudo quando ainda estava sóbrio. Na verdade, John é tão exaltado e histriónico que passei o filme todo a pensar que o lobisomem era ele até ao momento em que se confrontam frente a frente. (E talvez tivesse dado um filme melhor, na minha opinião.)
Por outro lado, as cenas dos crimes são demasiado arrepiantes e realistas para nos pôr num estado de espírito de achar graça. Numa cena, vemos o lobisomem arrancar o braço a uma mulher. Noutra, uma mãe com a filha de três anos no carro é aliciada para fora da viatura. É atacada pelo lobisomem e o seu primeiro instinto é fugir, mas corre para ele por causa da filha. Mais tarde vimos a saber que o lobisomem não se limitou a matar a mãe (o que é mostrado) como também a miudinha, que embora não seja mostrado é completamente trágico. Por contraponto, os delegados-baratas-tontas parecem mais interessados em não fazer 100% má figura do que no número de corpos que se vai avolumando.
“The Wolf of Snow Hollow” é demasiado aterrorizador para ser cómico e o drama não é engraçado, é ridículo. No meio desta salsada toda (uma salsada bastante sangrenta, por sinal), também não gostei do fim à Sherlock Holmes. Logo, estou muito dividida quanto aos méritos do filme. Como género de terror funciona, e de que maneira! (Assustou-me, deu-me pesadelos, e já não é qualquer lobisomem que consegue fazer isto.) O resto é que não tem ponta por onde se pegue. Jim Cummings devia dedicar-se apenas ao terror e fazia melhor.

Não sei que nota dar a isto. 

 

domingo, 20 de abril de 2025

The Apparition / A Aparição (2012)

Primeiro que tudo é preciso não confundir “The Apparition” com um filme péssimo e posterior, “Apparition” (2019). “The Apparition” também é um filme mau, mas não tanto.
Nos anos 70 alguns estudantes fizeram uma séance como experiência científica e conseguiram capturar a manifestação física de um espírito. Nos dias de hoje outros estudantes tentam recriar a experiência, com resultados desastrosos. Não apenas se manifesta um espírito desconhecido como uma das participantes desaparece. Assim mesmo, puff, sem deixar rasto.
Tempo depois, Ben, um dos participantes da experiência, muda-se com a namorada, Kelly, para uma casa nova do pai dela, de modo a tomarem conta da propriedade acabada de estrear. Quase imediatamente, coisas estranhas começam a acontecer, nomeadamente um bolor que invade tudo e actividades típicas de poltergeist que põem a mobília de pantanas. Ben salienta que a “casa é demasiado nova para ser assombrada” mas Kelly insiste em passar a noite num hotel. Só que no hotel os fenómenos continuam porque são eles quem estão assombrados, ou seja, o espírito invocado na séance persegue-os para todo o lado.
Ben contacta um dos colegas da experiência que lhe confessa que entretanto todos os outros participantes desapareceram e que só resta ele porque se isolou numa estrutura anti-fantasma.
A partir daqui o filme deixa de fazer sentido, científico ou sobrenatural, e o fim rebuscado nunca chega a explicar o que acabámos de ver. Mais um filme para entreter e nada mais.

11 em 20

terça-feira, 15 de abril de 2025

Antebellum / Antebellum - A Escolhida (2020)

[contém spoilers]

Não é possível falar deste filme sem entrar em grandes spoilers, especialmente para explicar porque é que não gostei. Tudo o que posso dizer sem estragar a experiência é a sinopse: uma mulher negra de muito sucesso, activista e escritora, é raptada para um cenário de pesadelo.
Quem quiser ver o filme antes pode parar de ler por aqui e voltar mais tarde.

Spoilers
O filme começa de forma inteligente. Numa plantação da América do Sul durante a Guerra Civil, ocupada por Confederados, escravos apanham algodão enquanto a dona da casa se passeia nos seus trajes de Scarlett O’Hara. Os Confederados, que neste caso também são capatazes, são brutais para com os escravos. Há cenas de violência de nos fazer revirar o estômago e recordar os campos de concentração nazis (até têm um forno crematório de tijolo para incinerar os mortos). Uma escrava recém-chegada é transformada em propriedade do Comandante dos soldados e, pela forma como é especialmente alvo de maus-tratos e pelas coisas que ele lhe diz, conseguimos concluir que deve ser alguém que “arranja sarilhos” e que deve ser “posta na linha”. Esta escrava, Eden, fica a ser a criada pessoal do Comandante, a quem este também viola quando lhe apetece. Nada nos diz que tudo isto não acontece numa plantação da época, excepto talvez uns pormenores a que nem consegui prestar atenção de tão embrenhada nas atrocidades que estava a ver.
Subitamente, Eden fecha os olhos e acorda no presente, onde ela é Veronica Henley, activista e escritora de sucesso. Pensamos, o que se passou aqui? Um sonho com uma antepassada? Reencarnação? Não. Veronica Henley foi raptada por um grupo de racistas, no presente, que encenaram uma plantação do passado para poderem exercer sadismo sobre os negros que apanham. Veronica Henley, pelo seu perfil público, é um alvo especial e desejável para “pôr na linha”. É esta a reviravolta do filme. Quando pensávamos estar a ver cenas históricas, estávamos, na verdade, a assistir a cenas do presente. Um dos pormenores em que reparei foi que me pareceu que estavam a queimar o algodão que apanhavam, o que me intrigou bastante mas nem sei ao certo o que vi.
Então, basicamente, um grupo de racistas fanáticos e psicopatas decidiram fazer uma recriação dos “bons velhos tempos”, onde maltratam, escravizam e assassinam pessoas. As críticas que li foram impiedosas para com o filme que tencionava projectar uma grande declaração nos termos de “o presente é igual ao passado” mas a mensagem não passou. Nem me vou meter nos problemas de racismo na América onde as coisas são extremas, viscerais e violentas (eles que resolvam isso.)
O que vou fazer é explicar porque é que o filme não funcionou para mim. Apesar da abordagem histórica, “Antebellum” é um filme de terror, em nada diferente daqueles filmes de psicopatas que raptam pessoas para as torturarem na cave. Quando percebi o que se passava na plantação fictícia pensei que tinham organizado aquilo num descampado nos confins de nenhures. Mas não! Os psicopatas aproveitaram um Centro Histórico de Recriação da Guerra Civil que já existia. Isto é problemático a nível de plausibilidade. Mesmo imaginando que um maluco milionário o tenha comprado e transformado em propriedade privada, um Centro Histórico não se fecha assim. É como um museu, aparece nas notícias. Há actores, figurantes, restaurantes, figurinistas, pessoal de manutenção e limpeza, organizadores, visitantes, turistas, autocarros cheios de crianças em visitas de estudo. (Aliás, no fim percebemos que há toda esta gente muito, muito perto.) Até se corre o risco de aparecer uma família de visitantes que não sabe que o Centro Histórico fechou e deparar-se com soldados Confederados a transportarem um cadáver verdadeiro para o forno. Já para não falar de patrulhas de polícia nas estradas circundantes que podiam perguntar-se porque é que aquela gente se vestia em trajes da época se a propriedade já não era um Centro Histórico, que podiam até avistar o fumo “estranho” a sair do crematório. São coisas que despertam a curiosidade e alertam profissionais experientes.
Mais problemática ainda é uma cena, a certa altura, em que a protagonista foge a cavalo. Os capangas perseguem-na e disparam contra ela (com armas modernas) mas assim que ela passa os portões da propriedade param e ficam ali especados feitos parvos. Ora, não! Estes homens deixaram uma vítima fugir (que vai direitinha à polícia) e são culpados ou cúmplices de homicídio. Só podiam fazer uma de duas coisas: continuar atrás dela para a silenciarem, ou, caso achassem que tudo estava perdido, desatar a fugir a sete pés, nunca ficar ali parados como fantasmas que não podem sair de uma casa assombrada.
Fiquei com a sensação de que os realizadores queriam fazer uma coisa épica mas nunca viram filmes de psicopatas. O fim estragou-me o filme todo. Talvez devessem ter feito um drama de época ou um documentário sobre o racismo e resultava melhor. Como filme de terror deviam ter considerado os pormenores que nos convencem da plausibilidade. Não pensaram.

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domingo, 13 de abril de 2025

The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde, de Robert Louis Stevenson

Foi a primeira vez que li este clássico. O doutor Henry Jekyll, figura respeitável na alta sociedade, tem alguns apetites "desonrosos" que o levam a inventar uma poção que lhe permita transformar o seu corpo físico num outro, Edward Hyde, congeminado somente para satisfazer os desejos mais baixos de Jekyll sem que este sofra consequências legais. No entanto, Jekyll tem a consciência que falta a Hyde e sofre as consequências morais dos actos do seu duplo. Com horror, Jekill percebe que Hyde se está a apossar cada vez mais do seu corpo a ponto de não o conseguir controlar ou expulsar.
Jekyll é o que Stephen King descreveu como um "lobisomem com o pêlo por dentro", mas ao lermos a confissão de Jekyll percebemos até que ponto este lamenta as suas experiências e a existência de Hyde, na sua cegueira de quem não assume a inteira responsabilidade pelos actos do "outro".
Este é um grande clássico, cheio de dilemas filosóficos e análises psicanalíticas. O que Jekyll nunca consegue admitir é que Hyde está a apossar-se de si porque Hyde é o inconsciente reprimido de Jekyll, ou seja, Hyde é Jekyll no seu pior, um pior que Jekyll não consegue assumir sem se dissociar fisicamente de Hyde. Se Hyde acaba por controlá-lo, é porque Jekyll, inconscientemente, assim o deseja.
"The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde" tem, ainda hoje, uma influência que permeia a literatura, o cinema, e todos os géneros da Ficção Científica (a leitura lembrou-me muito de "A Mosca" e de "O Retrato de Dorian Gray"), Terror e Policial, ao mesmo nível de "Drácula" e "Frankenstein". Se acho esta leitura obrigatória? Nos dias de hoje já não, uma vez que o tema já foi muito melhor explorado em histórias mais recentes, mas vai certamente agradar a quem, como eu, se dedica a arqueologia literária.