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domingo, 9 de agosto de 2020

Beyond (2016–2018)

 

“Beyond” é daquelas séries de que eu não esperava muito, mas admito que esperava que ao menos fizesse sentido. Um rapaz é apanhado num bosque por uma luz intensa e branca (que nos leva logo a pensar em extraterrestres) e fica num coma de que só acorda doze anos depois. Estranhamente, durante esses doze anos os músculos não atrofiaram e não se notam sequelas neurológicas. É como se ele tivesse acordado de uma soneca. Os médicos não conseguem explicar mas os pais estão radiantes. Parece interessante, não parece? E até é, até o mistério começar a ser “explicado”.
Este é daqueles casos em que não sei se os escritores sabiam como a história ia acabar quando começaram a escrever, ou se foram improvisando por ali fora, à “Lost”. Inclino-me mais para esta última hipótese porque de facto a série tem um cheirinho a “Lost”: em todos os episódios aparece mais um mistério, e mais um, e outro, e os episódios vão-se acumulando sem que nada seja devidamente explicado. Até era melhor que não fosse, porque quando há tentativas de explicação a coisa descamba muito.
Parece que, durante o coma, a consciência de Holden (o tal rapaz) foi para um plano de existência diferente a que a série chama O Reino, uma espécie de mundo de Fantasia com templos de abrigo e espectros maléficos. Afinal aquilo da luz branca era só para enganar, não eram encontros imediatos nem Ficheiros Secretos. E até seria fácil de compreender se eles tivessem mantido a versão de Fantasia de O Reino, mas depois meteram água. Quiseram complicar e meter religião à mistura, e afinal O Reino é o Além, a vida depois da morte. Ora, não é que me importasse que o Além fosse uma espécie de Senhor dos Anéis com espectros e super-heróis e cenários de Fantasia, mas não me parece.
E depois havia este outro personagem misterioso que também estava em coma e que dizia a Holden, telepaticamente, para voltar ao Reino e fazer qualquer coisa que nunca se percebeu muito bem, e o Holden até fez isso no final da primeira temporada, mas na segunda temporada parece que afinal ele ainda fez pior e agora os espectros maléficos do Além estão a passar para o nosso mundo para o destruir. Sim, estamos mesmo a falar do Além religioso, afinal não é um mundo de Fantasia, e os espectros não sei o que são, perguntem à série, mas acho que a série também não sabe.
É difícil explicar até que ponto o enredo sobrenatural é mau, medíocre. É preciso ver para crer. Porque em “Lost”, pelo menos, os autores conseguiram manter-nos agarrados temporada após temporada (e eu devo ter sido a única pessoa que gostou do fim), mas aqui a coisa descambou logo passados cinco ou seis episódios.
Do que é que eu gostei nesta série? Exactamente tudo o que não devia ser o mais importante numa série de sobrenatural. Afinal o grande forte de “Beyond” são as personagens e as relações entre elas. Logo no começo, quando Holden acorda, encontra toda a família feliz e unida de que se lembra dos seus tempos de infância. Mas um ou dois episódios mais tarde sabe-se que afinal os pais dele já nem estão juntos, há muitos anos, que o coma do filho acabou por levá-los à separação, que toda aquela cena familiar era uma encenação para que Holden não sofresse um grande choque. O amor dos pais pelo filho que acordou do coma, a ponto de fingirem que nunca se separaram e que nada mudou, é muito humano e algo que nos comove. Holden tem um irmão mais novo, Luke, que era uma criança quando Holden ficou em coma, mas agora é Luke quem tem de ensinar ao irmão mais velho tudo aquilo que ele não aprendeu durante a adolescência. Pode não ser muito original, mas é sempre interessante de ver. E é assim que eles nos agarram nesta série, estratégia telenovela. Mas a parte sobrenatural era efectivamente tão má que a certas alturas preferi que se esquecessem dela e se ficassem pelo drama familiar do rapaz que acorda do coma e tem de se adaptar a um mundo que já não conhece.
Mas a série lá vai cavando buracos onde se enterrar, de buraco em buraco até ao buraco final. Não fiquei surpreendida quando foi cancelada depois da segunda temporada. Fiquei surpreendida por ter sido renovada depois daquela parvoeira do Além e dos espectros maléficos tipo Senhor dos Anéis. No momento em que escrevo esta crítica ainda não vi o último episódio mas já estou a adivinhar que nada disto vai ser resolvido e que os autores da série julgam que vão conseguir renovar mais algumas temporadas se o último episódio acabar noutro mistério por explicar. Se estiver enganada, tenho de escrever um fim diferente para esta crítica. Se tiver razão, volto aqui e acrescento “eu não dizia?”.

Eu não dizia?
Fui procurar à net e encontrei uma curiosidade. “Beyond” foi cancelada pelo canal Freeform que nessa mesma semana decidiu apostar antes em “Siren”. Uma excelente aposta, na minha opinião, e um upgrade de vários níveis acima de “Beyond”.

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Siren



[crítica à primeira temporada]


Às vezes temos surpresas. Quando vi o poster de uma sereia de aspecto ameaçador (ou predador?) decidi que esta era uma série a espreitar por uma questão de descargo de consciência, mas não esperava nada daqui. Enganei-me. Uma série tão bem conseguida, apesar de pressupostos que desafiam a toda a credibilidade, é de facto assombroso.
A primeira cena diz-nos logo que alguém se empenhou a sério em produzir um bom resultado apesar do tema periclitante — o que talvez tenha sido o segredo do sucesso. Contra o fundo de um céu nocturno e tempestuoso nas águas revoltas do mar de Bering, uma pequena traineira anda na faina. Só este início dá logo vontade de continuar a ver. Ao puxarem a rede, os pescadores não encontram apenas peixe. Uma criatura desconhecida e agressiva salta da rede, ataca e fere gravemente um deles, e, perante o choque dos restantes, esconde-se no porão. Antes que os pescadores consigam identificar o que está no barco, um helicóptero do exército aparece, fuzileiros descem a bordo, e levam com eles o pescador ferido e o estranho animal selvagem que teve de ser atordoado para que o pudessem controlar. Como se tudo isto não fosse já suficientemente estranho, um dos pescadores fica convencido de que aquilo que apanharam não é outra coisa senão uma sereia. Se bem que não é nada a sereia belíssima e sedutora das lendas.
Se esta cena parece saída de um filme de terror é porque os primeiros quatro episódios são efectivamente realizados como uma mini-série desse género. E podiam mesmo funcionar como mini-série, com princípio, meio e fim. Pergunto-me se os criadores de “Siren” também não acreditaram que a série fosse renovada e quiseram apresentar uma história completa nestes primeiros episódios. Para nossa surpresa, e se calhar deles também, a coisa resultou.
E se resultou, muito se deve igualmente à actriz que faz de sereia, Eline Powell, que sem maquilhagem ou efeitos especiais consegue convencer-nos de que estamos a ver uma espécie diferente. Ryn, nome que a sereia dá a si própria, está em terra firme à procura da irmã (a mesma que foi apanhada pelos pescadores e capturada pelo exército). A princípio parece uma conveniência narrativa que a vila piscatória de Bristol Cove, onde se passa a acção, tenha um festival dedicado às sereias, devido à lenda um dos seus fundadores que terá amado uma sereia, mas afinal isto também faz parte do enredo. Bristol Cove esconde muitos segredos e a verdade não é tão bonita como a lenda.
À medida que percebemos a natureza predatória e furtiva das sereias de “Siren”, não é de admirar que os militares estejam interessados. Como acontece quase sempre nestes filmes, até existe um projecto secreto para estudar a espécie. É aqui que se encontra a pobre sereia capturada, a servir de cobaia.
Mas Ryn ainda não sabe disto. Completamente ingénua e perdida, como peixe fora de água, e nua e tudo como saiu das ondas, anda pelas ruas à procura. Agora sim, convenientemente, cruza-se com o biólogo marinho Ben Pawnall, que a princípio a julga apenas uma rapariga em apuros. Mal ele sabe que deu de caras com o maior achado científico da sua vida.
Um pouco assustada, Ryn recorre ao seu mecanismo de defesa e ataque: o canto, que tanto mesmeriza como seduz. Ryn não sabe o que está a provocar, mas a partir desse instante Ben nunca mais a consegue tirar da cabeça. Tal como na lenda, o canto da sereia enlouquece os homens. E ainda não percebemos se enlouquece também as mulheres porque não foi aplicado a nenhuma (ainda só vi a primeira temporada). Era interessante perceber isso. A série já mostrou que não tem medo do tema, mas não sei até onde é que podem ir sem melindrar a audiência a que se destina.

Sereias muito humanas
Tal como no caso dos zombies, para apreciar esta série é preciso que o espectador esteja disposto a aceitar alguns “factos” como adquiridos. Aqui não há magia nem sobrenatural. É tudo apresentado como se fosse científico. As sereias têm uma cauda de peixe quando estão no mar. Assim que saem para terra, esta cauda cai e dá lugar a duas pernas. O contrário acontece quando as sereias voltam ao mar: as pernas unem-se numa cauda, crescem barbatanas, aparecem dentes pontiagudos. O processo, que vemos logo no primeiro episódio, é arrepiantemente doloroso. Para ser convincente, é preciso que o espectador também faça a sua parte e “acredite”. Eu achei muito convincente e que a série vale a pena que “acreditemos”.
Na verdade, uma das coisas de que estou a gostar mais é mesmo conhecer esta nova espécie de humanóides marinhos, com a sua própria cultura e mitologia, que fogem dos “fora de água” porque não têm boa impressão de nós. Para eles, nós é que somos os predadores. A nossa moralidade, com os seus tons de “cinzento”, não é conhecida entre as sereias. Na água tudo é simples e básico.
Para uma série de entretenimento que, diga-se francamente, não aspira a grande seriedade, até são colocadas questões filosóficas pertinentes. Ryn, que fora de água parece tão humana que ninguém percebe a diferença, é pessoa ou animal? Onde é que começa a diferença entre um e o outro? Nas barbatanas, na inteligência, no pensamento racional, na consciência, na sensibilidade? Não é estranho que seja Ben a colocar esta questão, ainda antes de perceber que o seu interesse por Ryn pode não ser apenas científico. Afinal, até que ponto é permitido sentir atracção por algo que parece humano mas não é “bem” humano? Ou será que é?
Para Ryn, os seres de “fora de água” também são uma surpresa e um mistério. Afinal não são todos maus, alguns até são bons, mas ao mesmo tempo fazem coisas que Ryn não compreende. A complexidade, tão diferente da vida instintiva que conhece no mar, começa a fasciná-la. A sua irmã, depois de libertada do projecto científico onde foi sujeita a experiências traumáticas, ainda vê os humanos a preto e branco, mas Ryn já não acha assim tão fácil colocar as coisas em termos de “nós ou eles”. Alguns humanos são bons, outros são maus, mas entre o seu povo também há indivíduos dogmáticos que se recusam a encarar o outro como válido. Agora que os horizontes de Ryn se abriram para profundezas e cambiantes que o mar não proporciona, poderá ela voltar à vida básica e simples que sempre conheceu como única?

A incógnita da segunda temporada

“Siren” surpreendeu-me pela positiva, não só por suscitar estas questões mas também pela rapidez com que me embrenhou nas personagens. A cena em que a irmã de Ryn é capturada na rede, enquanto Ryn observa sem lhe conseguir valer, comoveu-me tanto que me vieram lágrimas aos olhos. Isto não me acontece assim tantas vezes e nunca com histórias para entreter sem pensar muito. “Siren” já me fez pensar alguma coisa e já me fez sentir bastante.
Mas tudo na devida perspectiva. “Siren” não é para levar muito a sério nem é para esperar daqui um enredo muito sofisticado. (Embora mais bem pensado do que eu julgava, sublinho, e muito mais profundo do que coisas juvenis e incoerentes como “Grimm”, por exemplo.) Mas há partes não tão bem conseguidas. Menos credível do que a cauda transformar-se em pernas e vice-versa, para mim, foi como Ryn aprendeu a falar inglês em três dias, com formas verbais e conceitos abstractos e tudo! Ena! Mas é daquelas coisas necessárias para pôr os personagens a comunicar depressa, e também é preciso “acreditar” nisto “porque sim”.
Conforme vamos vendo o mundo pela perspectiva das sereias, a narrativa começa a afastar-se dos elementos de filme de terror e a preocupar-se com outras coisas. Na parte em que vou, parece-me que a série quer abordar temas ambientais, já para não falar da questão da diferença do outro e da xenofobia, o que é sem dúvida muito premente e actual. Eu, sinceramente, preferia que “Siren” não se tornasse noutra dessas séries politicamente correctas e sem sal. A primeira temporada conseguiu ser subtil sem deixar de passar a mensagem. Mas uma vez esgotada a novidade que é conhecermos as sereias e a sua cultura estranha, será que “Siren” consegue criar um enredo igualmente interessante na segunda temporada? Estou a torcer para que sim, mas esta é uma série ameaçada de fragilidades por todos os lados que já conseguiu melhor do que seria expectável. Vou ficar aqui a fazer figas para que não comece a meter [outro tipo de] água.

O canto das sereias
Uma última nota sobre o canto destas sereias. Aqui a série tentou o que pôde, mas, aos meus ouvidos, este canto lendário soa como uma mistura de sons de baleias com música etérea. Uma mistura, enfim, que não é completamente desagradável, mas daqui até fascinar alguém até ao ponto da obsessão vai uma grande diferença. É outras das coisas em que “acreditamos” porque queremos acreditar. Faz de conta que estamos a ouvir algo sublime.
Eu estou muito mal habituada, porque basta-me percorrer aleatoriamente o meu Winamp para encontrar vozes de sereias bem mais convincentes, desde a incontornável Lisa Gerrard até uma das minhas descobertas mais recentes, a vocalista dos Rïcïnn, Laure Le Prunenec, já para nem falar de outra lenda, Elizabeth Fraser (Cocteau Twins, etc). E isto sem pensar muito. Estas sim, sereias que me causam um transe extático. E como a mim, a muito mais gente.
“Siren” deixa algo a desejar neste aspecto. Felizmente, a série parece ter consciência desta limitação e não põe as sereias a cantar muitas vezes.