terça-feira, 29 de abril de 2025

Dracula: The Original Living Vampire / Drácula: O Vampiro Ainda Está Vivo (2022)

Apesar de ser um Drácula com personagens de Bram Stoker (não obstante as liberdades criativas) não é fácil entrar neste filme. “Dracula: The Original Living Vampire” passa-se numa modernidade imprecisa e os actores falam e agem como personagens do século XIX, num inglês ultra formal e britânico, com acção e diálogos lentos como numa peça teatral ou num filme antigo, ou como no próprio livro de Bram Stoker. A princípio estranhei, mas a certa altura concluí que um filme de 2022 com produção americana (embora filmado na Sérvia) não podia ser tão mau. Já vi demasiadas produções de The Asylum para esperar melhor. Então, só podia ser de propósito. E de facto o filme cria uma atmosfera intemporal, especialmente com a iluminação. Na altura já existe luz eléctrica mas pelo fim de “Dracula: The Original Living Vampire” conseguimos ficar perfeitamente convencidos de que tudo se passa à luz de velas. Admito que o espectador actual tenha alguma impaciência com a lentidão e a teatralidade do início, mas a acção vai acelerando progressivamente, pelo que o princípio é mesmo propositado.
As personagens não são exactamente quem esperávamos. Van Helsing é Amelia Van Helsing, detective pragmática que não acredita em vampiros, Mina Murray é a namorada dela, Johnathan Harker é o cientista com um interesse pelo oculto, Renfield é o chefe de polícia. O conde Drácula é ele próprio, o único e imortal.
Como tal, começam a aparecer cadáveres de mulheres ruivas sem uma gota de sangue. Van Helsing descobre que os crimes são semelhantes a uma série de homicídios que aconteceram há 100 anos, mas julga apenas coincidência. Nesta mitologia, Drácula foi um nobre de outros tempos cuja noiva, ruiva, morreu no dia de casamento. Desde então Drácula tem matado as mulheres ruivas que encontra e que o recordam da noiva, se bem que ao “matá-las” estas se transformam em vampiras.
Drácula está na cidade (onde esteve há 100 anos atrás) para se instalar, e para isso recorre aos serviços da empresa de Mina, ficando ela encarregue de lhe encontrar uma casa. Drácula está convencido de que Mina é a reencarnação da sua noiva e rapta-a. O resto do filme segue a história original: Amelia Van Helsing e Johnathan Harker têm de correr contra o tempo antes que Drácula a transforme em vampira.
“Dracula: The Original Living Vampire” pode não ser a melhor adaptação do clássico de Bram Stoker mas é interessante e vê-se bem se não se tiver muitas expectativas. Uma mistura da história original com elementos modernos. Gostei imenso do fim.

12 em 20


 

domingo, 27 de abril de 2025

And the Ass Saw the Angel, de Nick Cave

Conhecia este livro quase há tanto tempo como conheço Nick Cave, mas a oportunidade nunca se proporcionou. Não fazia ideia do que ia ler.
Esta é a história de Euchrid Eucrow, um desgraçado que já era desgraçado antes de nascer. Mãe alcoólica, pai indiferente. Nos anos 30, numa miséria humana em todos os sentidos, Euchrid nasce junto a uma comunidade fortemente religiosa sem nunca lhe pertencer. O negócio dos pais, ao que parece, é produzir zurrapa para os vagabundos que abundam pelo vale. O passatempo da mãe é torturar Euchrid, o passatempo do pai é torturar os animais ainda vivos que apanha nas suas armadilhas. Euchrid não é filho único. O seu irmão gémeo, o primogénito, morreu logo depois de nascer e foi enterrado no quintal.
Euchrid é mudo de nascença, o que, conjuntamente com o seu status familiar abjecto, o torna alvo de perseguição e tortura pelos habitantes mais perversos do vale.
Sem ninguém que o proteja, pela altura em que os pais morrem Euchrid já está meio louco. Na falta deles, enlouquece de vez. Convence-se de que é um mensageiro, um sabotador por ordem divina, ouve a voz de Deus, vê um anjo da guarda, vê fantasmas, acredita-se um rei num reino de sucata que tem como súbditos os pobres animais estropiados e famintos apanhados nas armadilhas que herdou do pai. Testemunhar os delírios de Euchrid, relatados na primeira pessoa, é acompanhar uma descida aos abismos mais alucinados da loucura. Muitas vezes os seus devaneios são já tão desligados da realidade que Nick Cave tem de "intervir" para nos elucidar sobre o que está realmente a acontecer. Euchrid começa a sofrer de "apagões" ("deadtime", como ele lhes chama) em que não se lembra do que fez. Euchrid também tortura animais, o que só não é mais difícil de ler porque percebemos que a violência vem de uma mente paranóica e demente, como, por exemplo, quando ele espanca um cão porque o cão estava a "troçar dele". Num sonho, ou visão, Euchrid vê-se a estrangular o próprio irmão com o cordão umbilical no ventre materno, o que seria impossível mas que nos esclarece sobre o seu estado mental. Por outro lado, o facto de Euchrid se intitular a si próprio "sabotador" (algo que o fantasma do pai também lhe chama, acusatoriamente) dá-nos razões para suspeitar que tenha matado o pai, muito embora ele diga que eram próximos e que não tinha nenhuma razão para fazer isso. Tirando a "nenhuma razão", tem todas as razões, e tem apagões em que não se lembra do que fez, e não se pode confiar numa palavra de Euchrid por muito que ele acredite piamente no que diz.
A história de Euchrid é violenta, chocante, pesada e perturbadora. A escrita de Nick Cave é magistral, erudita, avassaladora, mas com a componente lírica que seria de esperar. Nick Cave, como os fãs já sabem, é também um letrista fora de série, um contador de histórias extraordinário, um daqueles raros mestres do ofício de escrever que conseguem fazer tudo o que querem das palavras. Quem acompanha Nick Cave, tanto a solo como nos Birthday Party ou nos Grinderman ou com os Bad Seeds, vai reconhecer neste livro muitos temas recorrentes na obra musical, alguns desenvolvidos de forma diferente, outros muito semelhantes, como no caso do cavalo chamado Sorrow ou de "The Firstborn Is Dead".
Após ler "The Death of Bunny Munro" e "And the Ass Saw the Angel", e de ficar arrebatada pelo talento de Nick Cave (também) como romancista, quase me perguntaria porque é que ele não escreveu mais livros se não soubesse já a resposta. Depois de "The Death of Bunny Munro" a tragédia abateu-se. E voltou a abater-se poucos anos depois. Compreendo que o autor possa não estar no melhor espaço mental para escrever neste momento, mas a tragédia e o luto são um grande catalisador para a criação artística e eu vou manter a esperança.
Aconselho veementemente os livros de Nick Cave a todos os fãs, os que melhor vão conseguir apreender todo o significado e simbolismo da sua obra em prosa. Quanto aos que ainda não conhecem a música de Nick Cave, recomendo também e prometo que a música é tão boa ou melhor.


terça-feira, 22 de abril de 2025

The Wolf of Snow Hollow / O Lobo de Snow Hollow (2020)

Vi este filme uma vez e, confesso, achei uma cagada e apeteceu-me apagá-lo logo. Mas depois tive um pesadelo com a porcaria do filme. Uma vez que me tocou a nível inconsciente, decidi ver outra vez para perceber porque é que não gostei. E voltei a ter um pesadelo (já não sei se relacionado com o filme). Logo, “The Wolf of Snow Hollow” consegue algo que se calhar não queria conseguir tão bem: aterrorizar.
O próprio título indica, o filme é sobre um lobisomem. Na pacata cidade de montanha de Snow Hollow, crimes horrendos começam a acontecer todas as noites de Lua Cheia, sobressaltando os residentes, afastando os turistas da estância de esqui e colocando a diminuta força policial à beira de um ataque de nervos. O xerife é idoso e sofre do coração, mal se aguenta de pé mas não se quer reformar, os delegados encobrem-no, um deles é o seu filho John, candidato a suceder ao pai, o resto dos polícias andam às aranhas com os homicídios, a sua rotina é passar multas e dariam tudo para chamar o FBI mas o FBI não tem jurisdição. Em suma, o filme quer que nos concentremos mais nos polícias-baratas-tontas e nos problemas pessoais do delegado John (divorciado, ex-alcoólico, com uma filha adolescente na idade da rebeldia) do que no lobisomem propriamente dito e nos cadáveres horrivelmente mutilados que este deixa para trás.
Penso que sei o que o filme (e o realizador Jim Cummings, igualmente no papel de John) queria fazer aqui, e era outro “Fargo”. Mas “Fargo” acertou em tudo, “The Wolf of Snow Hollow” não acerta nem ao lado.
E porquê? Porque o filme queria ser cómico, ainda por cima, além de dramático, e exagerou na incompetência dos polícias e nos problemas pessoais do delegado John a ponto de não ter graça nenhuma. Sobrepujado por um caso que não sabe resolver, John volta a meter-se na bebida, grita por tudo e por nada e despede profissionais a torto e a direito, chega a andar à porrada com o especialista forense porque este não lhe fornece as provas que ele quer (o que é isto, a creche?), encobre o pai, discute com a mulher e a filha e até com a recepcionista da esquadra, e isto tudo quando ainda estava sóbrio. Na verdade, John é tão exaltado e histriónico que passei o filme todo a pensar que o lobisomem era ele até ao momento em que se confrontam frente a frente. (E talvez tivesse dado um filme melhor, na minha opinião.)
Por outro lado, as cenas dos crimes são demasiado arrepiantes e realistas para nos pôr num estado de espírito de achar graça. Numa cena, vemos o lobisomem arrancar o braço a uma mulher. Noutra, uma mãe com a filha de três anos no carro é aliciada para fora da viatura. É atacada pelo lobisomem e o seu primeiro instinto é fugir, mas corre para ele por causa da filha. Mais tarde vimos a saber que o lobisomem não se limitou a matar a mãe (o que é mostrado) como também a miudinha, que embora não seja mostrado é completamente trágico. Por contraponto, os delegados-baratas-tontas parecem mais interessados em não fazer 100% má figura do que no número de corpos que se vai avolumando.
“The Wolf of Snow Hollow” é demasiado aterrorizador para ser cómico e o drama não é engraçado, é ridículo. No meio desta salsada toda (uma salsada bastante sangrenta, por sinal), também não gostei do fim à Sherlock Holmes. Logo, estou muito dividida quanto aos méritos do filme. Como género de terror funciona, e de que maneira! (Assustou-me, deu-me pesadelos, e já não é qualquer lobisomem que consegue fazer isto.) O resto é que não tem ponta por onde se pegue. Jim Cummings devia dedicar-se apenas ao terror e fazia melhor.

Não sei que nota dar a isto. 

 

domingo, 20 de abril de 2025

The Apparition / A Aparição (2012)

Primeiro que tudo é preciso não confundir “The Apparition” com um filme péssimo e posterior, “Apparition” (2019). “The Apparition” também é um filme mau, mas não tanto.
Nos anos 70 alguns estudantes fizeram uma séance como experiência científica e conseguiram capturar a manifestação física de um espírito. Nos dias de hoje outros estudantes tentam recriar a experiência, com resultados desastrosos. Não apenas se manifesta um espírito desconhecido como uma das participantes desaparece. Assim mesmo, puff, sem deixar rasto.
Tempo depois, Ben, um dos participantes da experiência, muda-se com a namorada, Kelly, para uma casa nova do pai dela, de modo a tomarem conta da propriedade acabada de estrear. Quase imediatamente, coisas estranhas começam a acontecer, nomeadamente um bolor que invade tudo e actividades típicas de poltergeist que põem a mobília de pantanas. Ben salienta que a “casa é demasiado nova para ser assombrada” mas Kelly insiste em passar a noite num hotel. Só que no hotel os fenómenos continuam porque são eles quem estão assombrados, ou seja, o espírito invocado na séance persegue-os para todo o lado.
Ben contacta um dos colegas da experiência que lhe confessa que entretanto todos os outros participantes desapareceram e que só resta ele porque se isolou numa estrutura anti-fantasma.
A partir daqui o filme deixa de fazer sentido, científico ou sobrenatural, e o fim rebuscado nunca chega a explicar o que acabámos de ver. Mais um filme para entreter e nada mais.

11 em 20

terça-feira, 15 de abril de 2025

Antebellum / Antebellum - A Escolhida (2020)

[contém spoilers]

Não é possível falar deste filme sem entrar em grandes spoilers, especialmente para explicar porque é que não gostei. Tudo o que posso dizer sem estragar a experiência é a sinopse: uma mulher negra de muito sucesso, activista e escritora, é raptada para um cenário de pesadelo.
Quem quiser ver o filme antes pode parar de ler por aqui e voltar mais tarde.

Spoilers
O filme começa de forma inteligente. Numa plantação da América do Sul durante a Guerra Civil, ocupada por Confederados, escravos apanham algodão enquanto a dona da casa se passeia nos seus trajes de Scarlett O’Hara. Os Confederados, que neste caso também são capatazes, são brutais para com os escravos. Há cenas de violência de nos fazer revirar o estômago e recordar os campos de concentração nazis (até têm um forno crematório de tijolo para incinerar os mortos). Uma escrava recém-chegada é transformada em propriedade do Comandante dos soldados e, pela forma como é especialmente alvo de maus-tratos e pelas coisas que ele lhe diz, conseguimos concluir que deve ser alguém que “arranja sarilhos” e que deve ser “posta na linha”. Esta escrava, Eden, fica a ser a criada pessoal do Comandante, a quem este também viola quando lhe apetece. Nada nos diz que tudo isto não acontece numa plantação da época, excepto talvez uns pormenores a que nem consegui prestar atenção de tão embrenhada nas atrocidades que estava a ver.
Subitamente, Eden fecha os olhos e acorda no presente, onde ela é Veronica Henley, activista e escritora de sucesso. Pensamos, o que se passou aqui? Um sonho com uma antepassada? Reencarnação? Não. Veronica Henley foi raptada por um grupo de racistas, no presente, que encenaram uma plantação do passado para poderem exercer sadismo sobre os negros que apanham. Veronica Henley, pelo seu perfil público, é um alvo especial e desejável para “pôr na linha”. É esta a reviravolta do filme. Quando pensávamos estar a ver cenas históricas, estávamos, na verdade, a assistir a cenas do presente. Um dos pormenores em que reparei foi que me pareceu que estavam a queimar o algodão que apanhavam, o que me intrigou bastante mas nem sei ao certo o que vi.
Então, basicamente, um grupo de racistas fanáticos e psicopatas decidiram fazer uma recriação dos “bons velhos tempos”, onde maltratam, escravizam e assassinam pessoas. As críticas que li foram impiedosas para com o filme que tencionava projectar uma grande declaração nos termos de “o presente é igual ao passado” mas a mensagem não passou. Nem me vou meter nos problemas de racismo na América onde as coisas são extremas, viscerais e violentas (eles que resolvam isso.)
O que vou fazer é explicar porque é que o filme não funcionou para mim. Apesar da abordagem histórica, “Antebellum” é um filme de terror, em nada diferente daqueles filmes de psicopatas que raptam pessoas para as torturarem na cave. Quando percebi o que se passava na plantação fictícia pensei que tinham organizado aquilo num descampado nos confins de nenhures. Mas não! Os psicopatas aproveitaram um Centro Histórico de Recriação da Guerra Civil que já existia. Isto é problemático a nível de plausibilidade. Mesmo imaginando que um maluco milionário o tenha comprado e transformado em propriedade privada, um Centro Histórico não se fecha assim. É como um museu, aparece nas notícias. Há actores, figurantes, restaurantes, figurinistas, pessoal de manutenção e limpeza, organizadores, visitantes, turistas, autocarros cheios de crianças em visitas de estudo. (Aliás, no fim percebemos que há toda esta gente muito, muito perto.) Até se corre o risco de aparecer uma família de visitantes que não sabe que o Centro Histórico fechou e deparar-se com soldados Confederados a transportarem um cadáver verdadeiro para o forno. Já para não falar de patrulhas de polícia nas estradas circundantes que podiam perguntar-se porque é que aquela gente se vestia em trajes da época se a propriedade já não era um Centro Histórico, que podiam até avistar o fumo “estranho” a sair do crematório. São coisas que despertam a curiosidade e alertam profissionais experientes.
Mais problemática ainda é uma cena, a certa altura, em que a protagonista foge a cavalo. Os capangas perseguem-na e disparam contra ela (com armas modernas) mas assim que ela passa os portões da propriedade param e ficam ali especados feitos parvos. Ora, não! Estes homens deixaram uma vítima fugir (que vai direitinha à polícia) e são culpados ou cúmplices de homicídio. Só podiam fazer uma de duas coisas: continuar atrás dela para a silenciarem, ou, caso achassem que tudo estava perdido, desatar a fugir a sete pés, nunca ficar ali parados como fantasmas que não podem sair de uma casa assombrada.
Fiquei com a sensação de que os realizadores queriam fazer uma coisa épica mas nunca viram filmes de psicopatas. O fim estragou-me o filme todo. Talvez devessem ter feito um drama de época ou um documentário sobre o racismo e resultava melhor. Como filme de terror deviam ter considerado os pormenores que nos convencem da plausibilidade. Não pensaram.

11 em 20


domingo, 13 de abril de 2025

The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde, de Robert Louis Stevenson

Foi a primeira vez que li este clássico. O doutor Henry Jekyll, figura respeitável na alta sociedade, tem alguns apetites "desonrosos" que o levam a inventar uma poção que lhe permita transformar o seu corpo físico num outro, Edward Hyde, congeminado somente para satisfazer os desejos mais baixos de Jekyll sem que este sofra consequências legais. No entanto, Jekyll tem a consciência que falta a Hyde e sofre as consequências morais dos actos do seu duplo. Com horror, Jekill percebe que Hyde se está a apossar cada vez mais do seu corpo a ponto de não o conseguir controlar ou expulsar.
Jekyll é o que Stephen King descreveu como um "lobisomem com o pêlo por dentro", mas ao lermos a confissão de Jekyll percebemos até que ponto este lamenta as suas experiências e a existência de Hyde, na sua cegueira de quem não assume a inteira responsabilidade pelos actos do "outro".
Este é um grande clássico, cheio de dilemas filosóficos e análises psicanalíticas. O que Jekyll nunca consegue admitir é que Hyde está a apossar-se de si porque Hyde é o inconsciente reprimido de Jekyll, ou seja, Hyde é Jekyll no seu pior, um pior que Jekyll não consegue assumir sem se dissociar fisicamente de Hyde. Se Hyde acaba por controlá-lo, é porque Jekyll, inconscientemente, assim o deseja.
"The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde" tem, ainda hoje, uma influência que permeia a literatura, o cinema, e todos os géneros da Ficção Científica (a leitura lembrou-me muito de "A Mosca" e de "O Retrato de Dorian Gray"), Terror e Policial, ao mesmo nível de "Drácula" e "Frankenstein". Se acho esta leitura obrigatória? Nos dias de hoje já não, uma vez que o tema já foi muito melhor explorado em histórias mais recentes, mas vai certamente agradar a quem, como eu, se dedica a arqueologia literária.


 

terça-feira, 8 de abril de 2025

La Religieuse / A Religiosa (1966)

Os acontecimentos passam-se em França, entre 1757 e 1760. Um casal de classe alta alega já não ter dinheiro para o dote da terceira filha, Suzanne, depois de ter casado as duas irmãs mais velhas. Como tal, Suzanne é obrigada pela família a tomar os votos religiosos, contra a sua vontade expressa e todos os seus protestos. Os pais deixam de lhe falar e fecham-na no quarto como a uma prisioneira, forçando-a a obedecer.
Suzanne torna-se freira mas, logo após a morte dos pais, decide contactar um advogado que a ajude a renunciar aos votos interpondo um processo em tribunal. A determinação de Suzanne não basta e o tribunal dá razão à Igreja, alegando que Suzanne tomou os votos de livre vontade. Entretanto, as outras freiras tornam-lhe a vida num inferno: prendem-na numa cela sem mobília, tiram-lhe a roupa e até os lençóis, põem-na a pão e água, proíbem-na de ir à missa e rezar, confiscam-lhe os livros religiosos e o rosário, e perante os gritos exasperados de Suzanne acusam-na de estar possuída pelo Diabo, chegando a pedir um exorcismo.
Uma vez que Suzanne perde o processo, e que o seu advogado conhece os abusos que ela sofre, é mesmo este quem lhe paga outro dote para a transferir de convento (para entrar também era preciso pagar um dote à Igreja; a mãe de Suzanne pagou-o vendendo as jóias). O primeiro dote nunca é restituído.
Neste outro convento o ambiente parece mais descontraído e alegre, mas depressa Suzanne começa a ser sexualmente assediada pela madre superiora, uma mulher ainda nova, lésbica e predadora. Suzanne confessa-se a um padre que está a par da situação, mas a madre superiora, que é muito bem conectada na sociedade, arranja maneira de se livrar dele.
O novo confessor, por sua vez, confessa a Suzanne que também ele foi obrigado a entrar no sacerdócio e que teve de se resignar. No entanto, ambos combinam fugir juntos e são bem-sucedidos.
Logo na primeira noite de liberdade, porém, numa estalagem, o padre tenta violar Suzanne. Esta consegue escapar e vai parar a uma povoação de camponeses, ficando a trabalhar junto deles. Todavia, ouve as mulheres do campo condenarem a fuga da monja (procurada pelas autoridades) que só tinha de “comer, dormir e rezar”, em vez de trabalhar no duro.
Suzanne tem de fugir de novo e acaba a mendigar na rua. Aí, por ser jovem e bonita (nesta altura Suzanne não tem mais de 20 anos), é descoberta pela Madame de um bordel que a “acolhe” no seu estabelecimento. Na iminência de se prostituir, na virtude da sua virgindade, Suzanne prefere suicidar-se, pede perdão a Deus e atira-se de uma janela.
Nunca tinha visto “La Religieuse”, ou se vi devia ser muito nova e esqueci completamente. Surpreendeu-me, para um filme francês da altura, a dinâmica rápida do enredo, sem perder tempo e eliminando pormenores desnecessários. “La Religieuse” é a adaptação do romance homónimo de Denis Diderot, publicado postumamente em 1796, e é inspirado em pessoas reais. Neste longínquo ano de 1966, o filme “La Religieuse” foi censurado por apresentar uma imagem negra das instituições religiosas, o que é por si só eloquente.
A história de Suzanne é triste e trágica, ainda mais trágica porque a personagem era verdadeiramente devota e virtuosa e o seu único “pecado” era desejar ser livre. Na altura não havia lugar no mundo para uma mulher livre e independente, principalmente uma mulher bem-nascida mas destituída de meios como no caso de Suzanne. Talvez arranjasse um pretendente na sua classe social mas a família deste não concordaria com o casamento sem um dote (e, fosse como fosse, “pertenceria” ao marido e não seria livre). Abaixo da sua classe social, depois do “escândalo” de querer renunciar aos votos, era igualmente ostracizada por uma população religiosa que não admitia tais humores terrenos aos representantes da Igreja. O convento, a mendicidade ou a prostituição eram as únicas opções que a sociedade lhe permitia. Dá que pensar.
Apesar de ser um filme antigo, recomendo a quem ainda não viu.

15 em 20

[Confissão: confesso que gravei este filme mais ou menos por engano num dos canais de cinema. Acontece que o título em inglês é “The Nun” e a sinopse que aparecia no filme era a do filme de terror “A Freira Maldita”. Fiquei intrigada por um filme francês de 1966 ter o mesmo enredo de “The Nun” e decidi gravar para desvendar o mistério. Mistério desvendado e ainda bem que gravei.]


 

domingo, 6 de abril de 2025

The House of the Devil (2009)

Este filme veio muito bem recomendado, pelo que esperava algo… excepcional. Ainda não foi desta.
“The House of the Devil” foi estreado em 2009 mas a acção passa-se nos anos 80, quando ainda se ouvia música num walkman, quando havia cabines telefónicas, quando só havia telefones fixos e não havia telemóveis.
Samantha é uma estudante universitária a tentar arrendar uma casa (quando os universitários ainda podiam arrendar casas sozinhos) que quer arranjar emprego como baby sitter para pagar a renda. É contactada por um casal interessado e a sua melhor amiga dá-lhe uma boleia para casa deles, uma grande mansão numa floresta no meio do nada.
É recebida por um homem de meia idade que lhe confessa que não vai tomar conta de uma criança mas sim da mãe dele, uma idosa que, ele promete, se remete ao quarto e não dá trabalho nenhum. Segundo ele, colocaram um anúncio de baby sitter porque é difícil encontrar quem queira tomar conta de uma idosa, e oferece o dobro do pagamento pelo trabalho, o que Samantha não está em condições de recusar. O casal de meia idade, o senhor e a senhora Ulman, vão sair para assistir a um eclipse total da Lua, mas prometem voltar pouco depois da meia noite.
Entretanto, Samantha fica sozinha no casarão, mete o nariz em todas as divisões que não estão trancadas (parece que é costume as baby sitters americanas fazerem isso) mas não encontra a tal idosa em lado nenhum embora ouça barulhos no andar superior. A certa altura Samantha sente-se tão à vontade que joga snooker, encomenda uma pizza, vê televisão, e dança à maluca ao som do walkman, fazendo derrubar uma jarra. É então que descobre a fotografia de uma família frente ao Volvo vermelho do casal Ulman (a amiga dela tinha comentado que era um bom carro).
Neste tipo de filmes é costume que os adolescentes façam coisas estúpidas, mas Samantha parece ser mais espertinha do que o comum e tira logo as piores conclusões, indo buscar um facalhão à cozinha. Porquê? Por esta altura do filme nós, os espectadores, já sabemos que ela está em grave perigo, e não é do Diabo, mas ela não sabe. Porque é que ela pensa que precisa do facalhão? Não seria mais normal partir do princípio de que se os Ulman compraram a casa podiam ter comprado o carro também? Nada mais natural. Mas se Samantha está mesmo convencida de que corre perigo, não seria ainda mais lógico dar corda aos sapatos e fugir, mesmo sem a boleia da amiga que não atende o telefone? Parece que ela acaba por colocar de lado os receios (infundados, daquilo que ela sabe) e recebe a pizza. A pizza é entregue por um cúmplice dos Ulman e está drogada. Quando Samantha acorda está amarrada no chão no centro de um pentagrama, os Ulman e o cúmplice rodeiam-na em trajes ritualísticos, e a tal “idosa” é um demónio que lhe dá a beber o próprio sangue. Aqui acontece outra cena bastante irrealista, no meu entender. Samantha não apenas consegue soltar-se das amarras, como apunhala o demónio, esfaqueia os dois membros do casal e degola o cúmplice, um homem forte de uns trinta anos, e foge dali para fora. Wow! A miúda devia andar nas artes marciais e ninguém sabia!
Agora estão a dizer que contei o fim. Nada disso! Na verdade, o final pode explicar esta fuga tão fácil. Basta dizer que o fim deve direitos de autor, e de que maneira.
Mas não quero com isto insinuar que “The House of the Devil” não tem os seus méritos. Samantha pode não saber, mas corre de facto risco de vida e os espectadores passam o filme à espera que algo de terrível aconteça a qualquer momento. O fim é que não é nada original, infelizmente.

13 em 20
 

terça-feira, 1 de abril de 2025

The Gallows / The Gallows - Maldição do Passado (2015)

Não desgostei completamente deste filme, outro dos tais filmado em estilo found footage tipo “The Blair Witch Project”.
O enredo tem por pano de fundo uma tragédia. Em 1993, numa escola secundária, durante a representação da peça “The Gallows” (“A Forca”), um acidente com os adereços fez com que um dos jovens actores, Charlie Grimille, morresse enforcado em palco à frente de toda a audiência.
Vinte anos depois a escola torna a encenar esta mesma peça. O jovem que tem o papel principal, Reese, pertencia à equipa de futebol e juntou-se ao teatro por estar apaixonado pela estrela da “companhia”, Pfeifer, mas é um péssimo actor. Ao saber disto tudo, o seu melhor amigo do futebol engendra um plano para poupar Reese a uma vergonha: na véspera da estreia, vão entrar na escola através de uma porta que não fecha e destruir o cenário. Assim a peça não acontece e Reese tem a oportunidade de estar junto de Pfeifer para que esta “chore no seu ombro”.
Devo dizer que considerando o tipo de filme esta ideia até não é completamente estúpida, embora egoísta e maquiavélica: pelo menos ninguém se aleija, ninguém acaba enforcado, ninguém se perde na floresta. Duvido que Reese conseguisse conquistar Pfeifer desta maneira, mas isso é outra conversa.
Reese, o amigo e uma cheerleader entram então na escola e começam a destruir o cenário, quando aparece Pfeifer, supostamente porque viu o carro deles no parque de estacionamento. Com o plano gorado, decidem abandonar a ideia, mas quando tentam sair encontram todas as portas trancadas, até aquela que nunca fechava. Como acontece nestas coisas, algo começa a persegui-los e a apanhá-los um a um. Antes disto, no entanto, descobrem um segredo do passado: quem devia ter feito o papel de enforcado na peça original era o pai de Reese, que disse que estava doente nesse dia. Charlie Grimille, o que morreu no acidente, teve de o substituir. Mais sinistro ainda: Charlie Grimille era o carrasco. Aliás, Reese não é o único participante nestes acontecimentos com uma ligação pessoal à peça, o que suscita a dúvida: estão a ser perseguidos por um fantasma vingativo ou por uma pessoa de carne e osso, ou ambos?
O problema deste filme, como todos os filmes do género, para além das câmaras de amador “a tremer” que a certa altura se tornam irritantes, é mesmo a falta de orçamento. Quatro miúdos numa escola às escuras, quase não se percebe onde é que eles estão e quem está a fazer o quê, o enredo é sempre o mesmo.
Não desgostei do filme porque havia todo o aspecto da vingança a explorar, mas um argumento mais trabalhado e uma filmagem normal teriam funcionado muito melhor.

12 em 20