[contém spoilers]
Não é possível falar deste filme sem entrar em grandes spoilers, especialmente para explicar porque é que não gostei. Tudo o que posso dizer sem estragar a experiência é a sinopse: uma mulher negra de muito sucesso, activista e escritora, é raptada para um cenário de pesadelo.
Quem quiser ver o filme antes pode parar de ler por aqui e voltar mais tarde.
Spoilers
O filme começa de forma inteligente. Numa plantação da América do Sul durante a Guerra Civil, ocupada por Confederados, escravos apanham algodão enquanto a dona da casa se passeia nos seus trajes de Scarlett O’Hara. Os Confederados, que neste caso também são capatazes, são brutais para com os escravos. Há cenas de violência de nos fazer revirar o estômago e recordar os campos de concentração nazis (até têm um forno crematório de tijolo para incinerar os mortos). Uma escrava recém-chegada é transformada em propriedade do Comandante dos soldados e, pela forma como é especialmente alvo de maus-tratos e pelas coisas que ele lhe diz, conseguimos concluir que deve ser alguém que “arranja sarilhos” e que deve ser “posta na linha”. Esta escrava, Eden, fica a ser a criada pessoal do Comandante, a quem este também viola quando lhe apetece. Nada nos diz que tudo isto não acontece numa plantação da época, excepto talvez uns pormenores a que nem consegui prestar atenção de tão embrenhada nas atrocidades que estava a ver.
Subitamente, Eden fecha os olhos e acorda no presente, onde ela é Veronica Henley, activista e escritora de sucesso. Pensamos, o que se passou aqui? Um sonho com uma antepassada? Reencarnação? Não. Veronica Henley foi raptada por um grupo de racistas, no presente, que encenaram uma plantação do passado para poderem exercer sadismo sobre os negros que apanham. Veronica Henley, pelo seu perfil público, é um alvo especial e desejável para “pôr na linha”. É esta a reviravolta do filme. Quando pensávamos estar a ver cenas históricas, estávamos, na verdade, a assistir a cenas do presente. Um dos pormenores em que reparei foi que me pareceu que estavam a queimar o algodão que apanhavam, o que me intrigou bastante mas nem sei ao certo o que vi.
Então, basicamente, um grupo de racistas fanáticos e psicopatas decidiram fazer uma recriação dos “bons velhos tempos”, onde maltratam, escravizam e assassinam pessoas. As críticas que li foram impiedosas para com o filme que tencionava projectar uma grande declaração nos termos de “o presente é igual ao passado” mas a mensagem não passou. Nem me vou meter nos problemas de racismo na América onde as coisas são extremas, viscerais e violentas (eles que resolvam isso.)
O que vou fazer é explicar porque é que o filme não funcionou para mim. Apesar da abordagem histórica, “Antebellum” é um filme de terror, em nada diferente daqueles filmes de psicopatas que raptam pessoas para as torturarem na cave. Quando percebi o que se passava na plantação fictícia pensei que tinham organizado aquilo num descampado nos confins de nenhures. Mas não! Os psicopatas aproveitaram um Centro Histórico de Recriação da Guerra Civil que já existia. Isto é problemático a nível de plausibilidade. Mesmo imaginando que um maluco milionário o tenha comprado e transformado em propriedade privada, um Centro Histórico não se fecha assim. É como um museu, aparece nas notícias. Há actores, figurantes, restaurantes, figurinistas, pessoal de manutenção e limpeza, organizadores, visitantes, turistas, autocarros cheios de crianças em visitas de estudo. (Aliás, no fim percebemos que há toda esta gente muito, muito perto.) Até se corre o risco de aparecer uma família de visitantes que não sabe que o Centro Histórico fechou e deparar-se com soldados Confederados a transportarem um cadáver verdadeiro para o forno. Já para não falar de patrulhas de polícia nas estradas circundantes que podiam perguntar-se porque é que aquela gente se vestia em trajes da época se a propriedade já não era um Centro Histórico, que podiam até avistar o fumo “estranho” a sair do crematório. São coisas que despertam a curiosidade e alertam profissionais experientes.
Mais problemática ainda é uma cena, a certa altura, em que a protagonista foge a cavalo. Os capangas perseguem-na e disparam contra ela (com armas modernas) mas assim que ela passa os portões da propriedade param e ficam ali especados feitos parvos. Ora, não! Estes homens deixaram uma vítima fugir (que vai direitinha à polícia) e são culpados ou cúmplices de homicídio. Só podiam fazer uma de duas coisas: continuar atrás dela para a silenciarem, ou, caso achassem que tudo estava perdido, desatar a fugir a sete pés, nunca ficar ali parados como fantasmas que não podem sair de uma casa assombrada.
Fiquei com a sensação de que os realizadores queriam fazer uma coisa épica mas nunca viram filmes de psicopatas. O fim estragou-me o filme todo. Talvez devessem ter feito um drama de época ou um documentário sobre o racismo e resultava melhor. Como filme de terror deviam ter considerado os pormenores que nos convencem da plausibilidade. Não pensaram.
11 em 20
terça-feira, 15 de abril de 2025
Antebellum / Antebellum - A Escolhida (2020)
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