segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Sede de Sangue, de Manuel Teixeira Gomes

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Este conto devia ser daqueles que mais me empolgam. Um vampiro. Um vampiro a sério! Mas infelizmente o conto não me cumpriu as expectativas.
Esta é mais a história de um mirone, o narrador, que do seu escritório, onde escreve para um jornal da terra, tem uma vista privilegiada para a “taberna” de um Sr. Trovas e sua esposa Balbina Catada, “antiga marafona que ele desposara em Lisboa”. Sim, a “taberna” é um bordel, e “marafona”, presumo, era sinónimo de prostituta. (Actualmente, “marafona” significa “mulher feia”. É curioso como as palavras evoluem.)
O narrador passa a maior parte do conto a descrever as “marafonas” (nos dois significados) que trabalham na taberna, até que lá aparece uma bela mulher de raça cigana: “Era uma rapariga de aparência franzina que, airosa, de perna cruzada, arcando divinamente o braço nu, fumava cigarros e falava espanhol. Ao expelir o fumo do cigarro em ténues baforadas toda se encostava para trás e o seio entumecia-se-lhe prodigiosamente debaixo do leve casabeque solto; de entre as fartíssimas madeixas do cabelo, que lhe caía sobre os ombros em lustrosas ondas negras, o rosto emergia oval, puro, mate, iluminado por dois olhos babilónicos, imensos olhos ardentes que fascinavam…”
Ora, esta nova trabalhadora da taberna começa a dizer, repetidamente: “a minha vida está por um fio: não tarda muito que não venha alguém beber-me o sangue”. Por estranho que pareça, ninguém lhe pergunta o que é que ela quer dizer com isto. Não é uma coisa normal de se dizer. Mas um dia, de facto, o nosso narrador/mirone observa a chegada de um estranho homem: “No momento em que o tive quase ao meu lado examinei-o bem: era enorme; era monstruoso! O arcabouço mociço, redondo, com proporções de mó de moinho; os braços grossíssimos, como troncos d’árvore articulados, encurvavam-se a miúdo e ligavam as mãos com um jeito de formidável turquês que se fecha para esmagar qualquer coisa; e as esgalgadas pernas de uma tão maravilhosa elasticidade que só as feras assim as têm. Mas o rosto, então, apavorava: lívido, golpeado pelo farto bigode preto, que lhe caía em compridas, agudas pontas dos dois lados do queixo, e sob as hirsutas sobrancelhas, na profundeza das órbitas cavernosas, ardiam-lhe os olhos desvairadamente…”
O narrador espreita como a cigana e este “gigante” se encontram, como se afastam até uma praia, e como ele efectivamente lhe bebe o sangue. E depois o conto acaba, sem qualquer explicação. “Os médicos que lhe fizeram autópsia, ao dia seguinte, não lhe encontraram pinga de sangue nas veias, mas ninguém suspeitou que um vampiro lho houvesse sugado, pois durante a noite a maré lavajara por muitas horas o cadáver e o sítio onde ele ficara, presumindo-se que assim desaparecera o sangue derramado.”
Há casos em que a falta de explicação valoriza a história, mas este não é desses casos. Afinal, o que foi aquilo tudo? Este homem “monstruoso” era mesmo um vampiro (sobrenatural) ou um assassino qualquer? E se a vítima tinha conhecimento do vampiro (sobrenatural ou não) porque é que aceitava tão placidamente que este lhe viesse beber o sangue? Não saber as respostas a estas perguntas deixou-me frustrada e sem perceber o que é que o conto queria, de facto, contar. A mim parece-me que o autor estava mais interessado em falar das marafonas e da Balbina Catada. Como grande fã de literatura de vampiros, não gostei.




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Este conto encontra-se na compilação “Dentro da Noute – Contos Góticos”, do Projecto Adamastor. O download gratuito pode ser feito AQUI.


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