segunda-feira, 17 de junho de 2019

The Walking Dead (9ª temporada)


[crítica à nona temporada; contém spoilers]

O maior spoiler desta temporada é que não foi tão deplorável como se previa. Apesar da perda do protagonista, a nova showrunner Angela Kang conseguiu melhorar a qualidade: as personagens começaram a tomar decisões racionais (na maior parte, pelo menos), a história voltou a fazer sentido, a série tornou a ser uma coisa que se consegue ver sem que nos apeteça atirar o comando à televisão.
Não gosto de ser maldizente, mas neste caso é completamente óbvio. Assim que Scott Gimple entrou, a qualidade foi por água abaixo. Angela Kang pegou na série e fez um trabalho hercúleo tendo em conta o estado em que a herdou. Scott Gimple foi para “Fear The Walking Dead“ e este último programa deixou de ter pés e cabeça. Factos.

Agora sim, uma telenovela
Até que ponto é que são spoilers quando já se sabia no fim da temporada anterior? Rick foi-se embora para fazer um filme televisivo (ou vários, já ouvi as duas versões) no universo Walking Dead. Maggie bateu com a porta porque não lhe deram o aumento que ela exigiu e foi fazer outro programa, mas pode muito bem regressar se essa tal série não for renovada (chama-se “Whiskey Cavalier” e eu não vejo). Outra baixa de peso foi já anunciada para a temporada seguinte. Não vou dizer quem, porque nem toda a gente acompanha este tipo de notícias, mas esta vai ser mesmo muito difícil de gerir. Sempre quero ver como é que vão descalçar esta bota. Pobre Angela Kang, se calhar não merecia herdar uma série a desfazer-se aos bocados.
O grande momento da temporada, não há como dar volta a isto, foi a “morte” de Rick Grimes. Esta foi mesmo uma morte anunciada, oficialmente e tudo, com todos os fãs à espera do episódio “fatídico”. E considerando os litros de sangue que Rick perdeu, noutra série qualquer teria morrido mesmo. Mas isto é “The Walking Dead” e fizeram batota.

[Spoiler: e pela primeira vez o cavalo safou-se! Finalmente! Até os cavalos já começam a tomar decisões racionais!]

Mas Rick foi-se mesmo embora. A grande questão era, e ainda é, pode a série continuar a agarrar os fãs se dos primeiros episódios só restam Daryl e Carol, e (mais ou menos do princípio) Michonne? Têm sido introduzidos novos personagens e a série tem feito um grande esforço para nos interessar por eles, mas a verdade é que aqueles que nos interessam são o grupo de Atlanta, aqueles que vimos sobreviver aos primeiros dias do apocalipse, aqueles com quem partilhámos todos os horrores e alegrias desde então até agora, os que ainda vivem quando tantos outros ficaram pelo caminho. Uma série bem feita ter-nos-ia conduzido até ao fim da história dos personagens relevantes, aqueles em que nós investimos desde o início. Mas “The “Walking Dead” prolongou-se demais, muitos actores foram para outros projectos, e agora está efectivamente a funcionar como telenovela. Entram uns, saem outros, sem que consigamos ter tempo de nos ligarmos a eles. Pelo menos podiam aprender com as telenovelas brasileiras: é comprido, comprido, mas um dia acaba antes que sature. Ora, “The Walking Dead” não quer acabar. Quer ser abatido pela falta de audiências. Por este andar, vai conseguir o que deseja.

Vilões sem pés nem cabeça
Mas é preciso dar o devido valor à nona temporada e à nova showrunner. Desde os primeiros instantes, num episódio chamado “A New Beginning”, em que até o genérico é diferente, percebemos que a série vai tomar outro rumo. Confesso que a princípio não gostei muito do novo genérico. Parece uma coisa saída de “outro filme”, um mundo futurista de Fantasia com cavalos e natureza verdejante, muito longe dos subúrbios urbanos e desertos que eram imagem de marca da série. Custou, mas acabei por me habituar. Este já não é o mesmo mundo. Este é um mundo em que a sociedade que conhecemos desapareceu, em que tudo tem de ser reinventado, em que as pessoas têm de voltar às carroças e à agricultura. Tudo isto foi um bocadinho um choque, porque já nem parece a mesma série. Eu, pessoalmente, preferia o ambiente urbano e os prédios desertos.


Mas nenhum choque foi maior, para mim, como o momento em que Negan apareceu. Inconscientemente, eu já tinha “apagado” Negan. A série começa com um salto temporal depois da guerra com os Salvadores e de alguma forma irracional eu tive esperança de que se tivessem “esquecido” dele. (Não seria a primeira coisa incoerente que a série fazia, mas seria de certeza a mais perdoável.) Sim, eu sei que nos comics Negan está preso, porque Rick quer mostrar que apesar de tudo as pessoas ainda podem recuperar algo da civilização perdida e não é preciso andarem a matar-se uns aos outros, e que Negan na prisão significa um regresso à lei e à ordem, sim. Mas Negan é uma personagem tão mal concebida, tão antipática, tão desinteressante, e agora completamente irrelevante atrás das grades, que o melhor era libertarem Jeffrey Dean Morgan para ir para o “Sobrenatural” onde faz mais falta.

[Spoiler: sim, Jeffrey Dean Morgan vai regressar ao “Sobrenatural”, já há imagens!]

Houve uma passagem em que Negan conseguiu fugir da prisão e eu rejubilei, sem ironia: “Sim, faz-nos esse favor, desaparece e não voltes! Adeus!” Desgraçadamente, ele voltou. Enfim, foi um momento de esperança.
O mais preocupante é que “The Walking Dead” continua a tentar redimir Negan, talvez até a ponto de o tornar um personagem importante na nova sociedade, e isso é um erro. Negan é um monstro e ninguém o quer ver dar-se bem. É verdade que tem jeito para miúdos e que as cenas com Judith, agora crescida, têm tentado convencer-nos de que ele é um homem mudado. Mas não é. O que a série estará a tentar fazer é transformá-lo noutro personagem completamente diferente, o que nunca é bom do ponto de vista da coerência. Isto não é bom drama e não ajuda à recuperação da série.
Mas mal tínhamos recuperado do primeiro salto temporal, em questão de poucos episódios, e ainda na primeira parte da temporada, há outro salto de alguns anos. Não me perguntem quantos. Só sei que agora a Judith tem aspecto de andar algures na terceira ou quarta classe, mas posso estar enganada. Entretanto [grande spoiler] Judith tem um irmãozinho mais novo cuja idade também não percebemos muito bem porque ainda mal o vimos. (Qual é o interesse em arranjar mais um descendente ao Rick Grimes se acabamos por não o conhecer?...)
Maggie já se foi embora, nem a vimos ir. Carol está a viver com o “rei” Ezekiel e estão ambos a criar o adolescente mais burro que já apareceu em “The Walking Dead”: Henry. Sinceramente, acho que aqui a série estava a gozar consigo própria e com a famosa estupidez dos seus personagens. Henry foi um puto criado com os melhores sobreviventes do seu mundo. Era impossível ser tão idiota. Carol merecia melhor. (E aqui lembrei-me da filha dela, Sophia, a que apareceu no celeiro com os zombies, na quinta. É curioso como ainda me lembro do nome dela. Mas tenho a certeza de que vou esquecer Henry assim que acabar de escrever este artigo. O que aconteceu a Sophia, todo o grupo a arriscar a vida para a encontrar, teve impacto. Fez crescer Carol e Daryl na nossa simpatia. Henry não teve importância nenhuma.)
O que nos leva aos novos vilões desta temporada, que Henry consegue atrair até às comunidades. Os Whisperers são a coisa mais irrealista que “The Walking Dead” já fez. Ainda mais irrealista do que a malta da lixeira. É preciso querermos acreditar muito para aceitarmos que algumas pessoas consigam viver disfarçadas de zombies durante anos e anos desde o apocalipse, e, ainda mais estranho, que nunca se tenham cruzado nem com Rick nem com nenhum outro grupo de sobreviventes. Como vilões, têm os seus momentos, mas é preciso desligarmos grande parte do cérebro para os aceitar.

Mas os zombies são imperdíveis...
Em suma, “The Walking Dead” já foi uma grande série mas talvez seja mesmo impossível recuperá-la das temporadas catastróficas da guerra com os Salvadores. Angela Kang fez um excelente trabalho e a qualidade melhorou a olhos vistos, mas à medida que os personagens importantes vão saindo os escritores vão tendo de improvisar o melhor que podem para acomodar essas perdas que nada têm a ver com o enredo. E é isso que a história parece agora: um improviso em cima do joelho. Tudo se ressente da longevidade, ou melhor, da velhice da série. Se de repente “The Walking Dead” fosse cancelado e não houvesse uma décima temporada eu não me importaria quase nada. E este “quase” significa Daryl, Carol e Michonne. Gostaria de os ver ter um fim coerente. Mas as esperanças de isso acontecer são quase nulas também.
E, no entanto, eu sei que continuarei a ver esta série (tal como “Fear The Walking Dead”) enquanto ela passar. É que os zombies de Greg Nicotero são muito bons, imperdíveis. Mas actualmente já não espero qualquer desenvolvimento dramático/emocional que me afecte, como acontecia no princípio, e é pena ver uma das minhas séries preferidas chegar a este estado.


Sem comentários: