Quietude
Na minha alma existe o vírus da calma
Existe um eterno estado de insatisfação
Existe ainda um vulcão em repouso
e mais alguns corais e conchas raros
cujas pérolas abrir não ouso.
Existe também a guerra nuclear
E a Inquisição da Idade Média
Existe um Hitler sequioso de matar
Está um mundo preso na minha mão
às ordens da Santa Inquisição.
O Inferno é meu, eu o controlo
O Céu não sei que é, que Deus Existe
E existe também uma Irlanda dividida
em que o Santo Catolicismo resiste
São estas as noções da minha vida.
O Irão é meu, sou Ayatola
Sou Gorbachev Bush Komeni
faço o que quero com as mãos ensanguentadas
presas em relógios de Dali
que batem minhas horas devastadas.
E existe Freud inconsciente
Na psicose louca de demente
que manobra meu Lenin às 5ªs feiras
dia mais longo das semanas inteiras
E dos restos da sanidade do presente.
25–3–1989
8 comentários:
O meu preferido até agora. Obrigada por partilhares isto connosco e por teres voltado a escrever no blog. Creio que já te tinha escrito isto, mas volto a repetir.
Susana
Obrigada.
E obrigada por dizeres que gostaste deste. Na verdade, quase o deixei de fora e hesitei muito em publicá-lo por achar que as pessoas não iam gostar nada. o_O
Sim, é verdade, achei que as pessoas não iam perceber que tentava descrever um delírio megalómano e não iam perceber nada e iam perguntar-se "what the fuck?" e rejeitar. Por isso, quase o deixei de fora.
E na volta, dizes que foi o que gostaste mais até agora.
Há coisas que não entendo. O que as pessoas gostam, não entendo. Sempre tive este problema.
E sim, por pouco não o publicava, e não o lias, e... e era assim.
Posso acrescentar que as pessoas a quem mostrei, amigos e assim, não gostaram nada. Acho que até gozaram. Sem brincadeiras, acho que até gozaram. o_O
Não gostaram??? A sério? A mim traz-me á mente uma memória muito forte do século XX. É quase um apanhado de história desse século. Eu então adorei este.
Uau (e esta foi também a interjeição que suspirei ao ler o poema), não fazia ideia. Tem ritmo, tem referências do tempo em que o escreveste, 1989, referências mais antigas que são as mesmas que as minhas. A última estrofe ressoou muito em mim (será por estar a fazer terapia neste momento?). E depois dás-lhe como título "Quietude".
Peço desculpa por não saber explicar melhor.
Susana
A "quietude" é o que parece por fora quando por dentro estão estes infernos todos. Sim, é um poema sobre a loucura. E na referência a Freud está obviamente a chave do poema.
Eu também achei graça às referências sobre os eventos marcantes da História, nomeadamente os mais negros, mas até agora fui só eu a achar graça. De tal maneira, como disse, que quase não publicava isto.
Pois, Mint, as pessoas mais próximas, as únicas a quem mostrei estes poemas, reagiram com indiferença ou rejeição. Quando não gozaram.
Basta dizer que tenho um blog desde 2003 e nunca me atrevi a publicar nada disto. Por causa dessas reacções.
Ultimamente tenho pensado muito nisso, muito mesmo.
E noutras coisas, mas nisso também.
E Sus, admiro-te muito por teres a coragem de dizer em público, assim, que andas a fazer terapia. Eu também fiz terapia e conheço os olhares (e os julgamentos) que as pessoas nos deitam.
Este poema não é apenas sobre a loucura (ou o que outros julgam loucura), é também sobre a *minha* relação com a minha suposta loucura, ou com a loucura que as pessoas me queriam convencer que era a minha.
Afinal, eu é que sempre estive lúcida. Os outros não estavam. Fazer terapia é uma das maiores provas de sanidade.
Mesmo agora, do nada, lembrei-me desta música: http://www.youtube.com/watch?v=_Yjp40UMhH0
Achei por bem partilhar :)
Fazer terapia é uma missão de Indiana Jones. Tenho vergonha de muita coisa, mas não de ter procurado ajuda quando precisava.
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