sexta-feira, 2 de novembro de 2012

comentários a lápis na contracapa

Em 1994 deixei os seguintes comentários, escritos a lápis, nas contracapas de algumas histórias que tinha escrito antes. Foi curioso descobri-los porque já não me lembrava de tê-los apontado.

Li e gostei, mas: o fim "cai" subitamente. Falta qualquer espécie de moral, de explicação moralizadora: o sentido da vida é apenas viver (não importa em que condições).
10.9.94

Falta ainda mais “ambiente”: tem que ser mais sinistro e opressivo; aproveitar a velha mitologia do lobo com uma abordagem diferente. Será que T. deixou de ser pessoa para se tornar “mais animal”? Afinal, vivia numa sociedade de lobos. Começar os capítulos e os parágrafos ao estilo do 1º parágrafo da história. Subtileza e ironia em relação à crueldade têm que ser mais carregadas. 
1994

Pág. 26 -> Situação mal explicada, susceptível de não ser imediatamente e claramente compreendida.
Li e gostei. Chorei com a morte de M. Achei o fim feliz. Penso que as personalidades de D. e de N. deviam ser um pouco mais aprofundadas. Algumas frases precisam de ser aperfeiçoadas estruturalmente e algumas palavras substituídas.
2.11.1994

Falta maior síntese e mais intensidade. A escrita tem que ser mais atractiva. Uma história tão boa não pode ficar tão mal escrita.
10.9.94

Ficou. Porque entretanto foi "substituída".
As histórias eram boas, e fortes, mas tantos anos depois não as poderia escrever da mesma maneira. A técnica evoluiu, a abordagem deslocou-se. Em termos mais simples, tal como já não escrevo assim, também já não vejo as coisas como via. Não seria bastante corrigir mas escrever de novo. Entretanto, perdi o interesse nessas histórias iniciais, que eram comparativamente curtas em número de páginas, como se tivessem cumprido o seu papel como ensaio do que havia de vir.
Mas de vez em quando gosto de ler estas primeiras histórias, literariamente imperfeitas como estão, e recheá-las do que falta e senti-las como se estivessem perfeitas. Foram-me "mostradas" como um filme, um filme que falhei em transcrever em palavras, mas o filme continua o mesmo.
O hiato entre a última história e a seguinte durou dez anos. Por variados motivos, acabei uma tentativa de romance em 1996 e só consegui voltar a escrever (o mesmo romance, curiosamente) em 2006. Ao fazê-lo, foi quando compreendi que tinha de virar a história do avesso e contá-la de outra maneira. Mas, nesse momento, as Musas bisparam que os canais estavam abertos e inundaram-me. Como marioneta nas mãos delas fui compelida a não pegar naquilo mas a pegar noutra coisa. No que as Musas mandam. As Musas não se importam muito com o estilo.
Fiquei impressionada com as palavras destes comentários, não pela sua dureza, porque não há crítica mais dura do que eu própria (e isso eu já sabia), mas porque continuo, ainda e sempre, a lutar com estes mesmos conceitos: ambiente, abordagem, subtileza, intensidade, clareza, estrutura, frase, palavra, estética.
Ultimamente, passa-me mesmo pela cabeça a pretensão de tentar "escrever isto como nunca foi escrito antes". Mas não é para mim, ainda, e não sei se alguma vez será ou se a idade e a prática terão significativa influência. Contento-me em "escrever isto como eu nunca consegui antes" e já não é mau.

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