quarta-feira, 24 de novembro de 2004

Estou a ficar estúpida

Não estou a brincar.
Os volumes e volumes de cultura que fui adquirindo ao longo do meu percurso educativo e nos variados media estão-se a varrer como itens apagados de um disco rígido.
No call centre (porque é assim que se escreve à inglesa, e não call center, à americana), no outro dia, um gajo disse-me que uma palavra da morada levava um "chapéuzinho" e eu fui incapaz de me lembrar, durante a meia hora seguinte, que o "chapéuzinho" se chama acento circunflexo. E sei que circunflexo leva também um acento, mas não me lembro de qual nem de onde.
Estou a emburrecer ao contactar com família, chefes, patrões, clientes, que não sabem escrever, falar ou interpretar o que lêem.
Costuma dizer-se "junta-te aos bons e serás como eles; junta-te aos maus e serás pior que eles".
A programação televisiva - Castelos Brancos de ignorância (já repararam que ele não sabe falar inglês e no entanto viveu na América, a besta?!? Como é que é possível que não tenha aprendido a conjugar os verbos? Onde é que arranjou o dinheiro, a traficar diamantes?), telenovelas brasileiras e portuguesas de enredo duvidoso, filmes de porrada, também não ajudam à manutenção do pouco que se aprende na escola.
Infelizmente, nem os amigos escapam. A comunidade gótica, mesmo sendo em média mais culta do que o resto das idênticas camadas juvenis, não escapa à onda de ignorância que alastra (e é glorificada) pelo país. Temo ser muitas vezes discriminada por não dar erros de português - porque ninguém quer empregar um intelecto superior ao do chefe, obviamente.
Estamos reduzidos ao triunfo da mediocridade.
Ainda hoje, nesta vergonhosa entrevista que Santana Lopes deu a Judite de Sousa, o próprio primeiro ministro não conseguiu articular duas ideias coerentes uma atrás da outra.
É a isto que estamos reduzidos? Sim, vou votar "sim" no referendo da Constituição Europeia porque pior não podemos ficar.
O que é mais interessante é que a minha estupidificação pode, a longo prazo, vir a ser recompensada com uma promoção que há uns anos atrás era impensável. Tenho ainda que me fazer/ficar/fingir mais estúpida. Para meu próprio benefício.

Não sei se sabem mas na América, por exemplo, as pessoas com melhores notas no liceu entram nas melhores universidades (e têm bolsas de estudo que lhes permitem sair de casa dos pais para estudar) e as pessoas são de facto recrutadas pelo mérito que exibiram nessas mesmas melhores universidades. Ou seja, a educação vale a pena. Em Portugal, já não vale a pena estudar.
Não me admira, portanto, que os clientes que telefonam para o call centre leiam um "S" ou um "Q" e digam "C", porque não reconhecem as letras. Estamos reduzidos a isto. Mas não é porque sejam estúpidos. É porque são, até, mais inteligentes do que eu. Perceberam, a tempo, que estudar era uma perda de tempo.

Só mais uma nota:
Os cursos que nós tiramos em Portugal não valem a ponta de um corno na Europa porque, pura e simplesmente, não valem a ponta de um corno. E na Europa há padrões de qualidade muito sérios. Por outro lado, se o curso for tirado, por exemplo, num colégio inglês ou francês, já tem garantia de qualidade no estrangeiro.
Era para nos fazer pensar.

Mas...
Mais uma nota:
Convém a políticos como os nossos que as massas ignorantes continuem ignorantes pois de outra forma teriam de se esforçar mais para ganhar os votos que, de outra maneira, lhes escapariam.
Há sempre aquela camada de reformados que votam no governo porque vão ter (ou tiveram) um aumento de 200 escudos na pensãozita. Que bom!

Eh bien.

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