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quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Fear The Walking Dead (série TV)


Assim que foi anunciada, esta “sub-série”, versão de “The Walking Dead” passada em Los Angeles no início do apocalipse zombie, sofreu imediatamente as críticas que denunciavam como seu único motivo de existência o objectivo de capitalizar o êxito da série original. Admito que pensei o mesmo. No entanto, há certas ideias que crescem em nós, e comecei a ficar entusiasmada ao ler a sinopse que prometia acompanhar uma família normal à medida que a civilização desmoronava. A série original não fez isto. Quando Rick Grimes acorda no hospital o apocalipse zombie já ia de vento em popa, Lori e Shane e Carl já tinham fugido de Atlanta, e nunca chegámos a ver o caos dos primeiros dias. Era esse caos que eu esperava ver em “Fear the Walking Dead”.
A série até começa bem. Uma família normal de classe média, na sua vida normal e suburbana, num bairro normal em Los Angeles, pai e mãe e ex-mulher e filhos adolescentes de ambos os casamentos com os problemas normais do quotidiano e um problema suplementar porque o filho mais velho (mas já maior de idade) é toxicodependente. Mesmo assim, em termos relativos, a família é muito funcional. O pai é professor de inglês na escola secundária, a mãe trabalha no conselho administrativo da escola, a ex-mulher é auxiliar de enfermagem (parece-me) mas quer estudar medicina, todos os putos andam na escola excepto o mais velho que dá na veia, até o namorado da filha é um rapaz perfeitamente normal. Era mesmo isto que se pretendia, como é que pessoas perfeitamente normais, com vidas perfeitamente normais, sem qualquer ligação às forças policiais ou militares ou tendências “survivalistas”, que se calhar nunca dispararam uma arma na vida, como é que eles se safam, ou não, no apocalipse zombie quando este rebenta no cenário de uma grande cidade como Los Angeles.
Os episódios iniciais acompanham a família enquanto os primeiros relatos começam a chegar aos media. Existe tanta incredulidade quanto secretismo da parte das autoridades para evitar o pânico. As primeiras pessoas a verem os infectados julgam-nos doentes. Pensa-se que é uma epidemia, como é normal que se pense numa primeira fase. Numa segunda fase, as forças da ordem começam a disparar sobre os infectados (já em estado zombie). Como resultado, vê-se um motim seguido de pilhagem, como também seria de esperar. As auto-estradas para fora da cidade ficam entupidas de trânsito parado, como já tínhamos visto em Atlanta.
Até aqui, julguei que ia fazer uma crítica positiva a esta série. Era mesmo isto que queria ver. O princípio, a desorientação, o pânico, a indecisão quanto ao que fazer. Pessoas normais a reagirem como pessoas normais. E até aqui a série mostra isso, e mostra bem.
E depois não mostra mais nada. Não é um spoiler porque não vou estragar nada aos espectadores, porque assim que chega o exército e isola a parte do subúrbio onde a família mora, por segurança e contenção, não se vê mais nada. Nem motins, nem pilhagens, nem o êxodo para fora da cidade, nem a cobertura jornalística, nem a abordagem científica à epidemia, nem as decisões políticas e militares ao mais alto nível, absolutamente nada. Logo, não posso estragar o que não se vê. E é por isto que esta crítica não pode ser positiva, porque quando o mundo se desmorona e a “nossa” família normal abandona o recinto militarizado, o mundo já é aquilo que conhecemos quando Rick Grimes sai do hospital. Do princípio vemos pouco, e não vemos suficiente.  O objectivo da série não foi atingido. (Quanto a mostrar o princípio, isto é; quanto a capitalizar o êxito de “The Walking Dead”, atingiu perfeitamente.)
Há teorias que explicam que a AMC não quis gastar uma batelada de dinheiro em cenas da cidade em caos (coisas como helicópteros, viaturas, cenários, figurantes, guarda-roupa, maquilhagem, CGI, etc). Se é o caso, que grandes sovinas. “The Walking Dead” é uma das séries de maior sucesso dos últimos tempos. Se não se meter dinheiro aqui, então onde? (Mas este “apocalipse” vai mal para todos, anda tudo aos tostões, compreendo isso.) Compreendo, mas empobreceu a série, e nota-se a absoluta penúria da produção. Acho que é mesmo o que mais salta à vista: o que falta. É Los Angeles, uma cidade de milhões de habitantes, não é uma quinta na Georgia!

 Onde estão as pessoas? Onde estão os carros? Onde estão os efeitos especiais?

Apesar do que falta, não diria que é uma má série para os apreciadores do género. Os seis episódios (apenas seis) lá vão acompanhando a família e explicando como esta acaba por ajudar o apocalipse a propagar-se mais depressa, e não posso contar mais.
Duas notas finais, uma sobre a realização em tons desbotados, quase em sépia, como numa velha fotografia ou num filme muito antigo ou de série B, que nos lembra que estes acontecimentos são o passado, literalmente e simbolicamente. O mundo que vemos no primeiro episódio já não existe no universo de The Walking Dead. Gostei desta falta de cor, tão significativa.
A segunda nota final é sobre este cartaz promocional:


Lamento, mas esta cena nunca acontece. Era interessante, o choque entre o mundo de normalidade dos miúdos a jogar basket e o mundo que se desmorona à volta deles, mas, completamente alheios, os miúdos não percebem que os zombies já vêm a subir a rua. Podia ter acontecido, e o cartaz é fortíssimo no seu simbolismo e só por isso não o considero publicidade enganosa, mas nunca acontece.
A série promete mais do que cumpre, e é pena. Os apreciadores não vão gostar tanto como de “The Walking Dead” e muitos fãs até vão achar os seis episódios aborrecidos. Eu queria ver mais, muito mais. Mais caos, mais pânico, mais tiroteios, mais trânsito, mais centros comerciais, mais edifícios de escritórios, mais hospitais, mais autocarros, mais explosões. Menos cenas filmadas no quintal dos fundos. (Não estou a ser sarcástica. Há mesmo cenas filmadas no quintal dos fundos.) Não vi, e preferia ver.

 Por outro lado, tivemos a zombie mais sexy que eu já vi na vida!



quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Spartacus

 "Spartacus", protagonizado por Liam McIntyre


Este não seria, em princípio, o género de série que eu julgaria que me interessasse. Evitei ver, durante muito tempo, devido a este preconceito que veio no “embrulho” de apresentação. Mais tarde, lendo críticas de outros fãs em fóruns da série, constatei que esperavam o mesmo que eu: só que o que eles queriam, eu abominaria! “Spartacus” assenta, pelo menos inicialmente, numa tradição de séries de acção (porrada, guerra, karaté…) de enredo muito básico. Alguns fãs, levados em erro, queixavam-se porque achavam o enredo muito complicado.

[Um pequeno aparte para que se compreenda porque foram levados em erro. Tornou-se quase um cliché dos filmes de acção um certo tipo de enredo: um gajo duro, veterano de guerra ou praticante de artes marciais, mas decente e leal e boa pessoa, retira-se do combate para viver uma existência pacífica em família. Bom marido, pai extremoso, disposto a viver em paz e sossego. Até que um malvado qualquer, inimigo, criminoso, agência governamental, etc, lhe mata a mulher e a prole. Isto são os primeiros 10 minutos do filme e a justificação para a carnificina que se segue. O resto é o gajo a vingar-se, a partir aquela merda toda, enfim, o “kill them all”. E este é, em linhas gerais, o primeiro episódio de “Spartacus”. Incluindo o “kill them all”.]

O enredo nunca é complicado, mas as séries de acção também já não são o que eram. Muita coisa mudou desde os tempos de “Kung Fu”, e o público feminino saiu nitidamente beneficiado (actores mais jeitosos, introdução de cenas românticas, maior profundidade psicológica das personagens).  Recentemente, por motivos de audiência, esta abordagem “musculada” estendeu-se também às séries históricas (ou baseadas em factos históricos em que nem sempre a veracidade histórica é respeitada). Tenho lido opiniões que identificam este “Spartacus” como descendente directo de “Roma”, e não discordo, embora seja conveniente recordar que a tradição de séries históricas de reconstrução muito realista e chocante data de mais atrás, por exemplo com “Eu, Cláudio” (de 1976). Em “Roma”, novos limites foram ultrapassados, a câmara deixou de ter medo de mostrar sangue (e sexo quase explícito), e resultou extraordinariamente.  Seguiram-se outras séries que aproveitam o filão da crueldade e barbarismo de outros tempos, como os “Os Tudors”, e a partir daí parece que existe uma competição para ver quem consegue fazer a série mais sangrenta, mais sádica, mais chocante. “Spartacus” inclui-se nesta linha, com requintes de crueldade dignos de filme de terror. 

Não há outra maneira de o dizer, a série perturbou-me. Todas as três temporadas (mais a série intercalar, possivelmente a mais sádica de todas). Não pelo sangue, pelas tripas, pelos miolos. Sendo uma história de gladiadores, e de guerra, não é aconselhável a quem se incomoda com estas coisas. Devo mesmo dizer que os realizadores trataram com elegância as cenas mais desagradáveis (aproveitando a imagética BD de “300”, o filme, em que o sangue é apresentado, por exemplo, a encher todo o écran como encheria uma “vinheta” de banda desenhada), ao contrário de uns “Tudors” em que os pormenores mais perturbadores das execuções são mostrados com um sádico realismo.
O que me perturba, em Spartacus, é a desumanidade com que os escravos são tratados. Revira o estômago aos espectadores modernos, e os realizadores sabem que sim. Pior ainda: quando os romanos começam a crucificar pessoas os cristãos começam a sentir-se incomodados, muito incomodados. Os realizadores também sabem.
Não é por acaso que o velhinho filme “Spartacus”, com Kirk Douglas, costumava ser exibido na Páscoa. A derradeira cena, na Via Ápia, fala por si. E acaba mal, muito mal. Existe, na revolta de Spartacus, uma primeira centelha de valores muito caros aos cristãos. Num mundo de barbarismo, a bondade. Num mundo de escravidão, a libertação.
Mas quem foi o verdadeiro Spartacus? É possível que nunca venhamos a saber, apenas podemos especular. Só sabemos dele o que os romanos contam. É preciso não esquecer que a História, como tentativa de registo científico de relatos de várias fontes, é uma modernidade do século XIX. Em tempos romanos os “historiadores” faziam de propósito por exagerar a ameaça do adversário porque quanto mais temível este fosse maior era a glória da vitória de Roma. Assim tão simples. Aníbal, tudo indica, foi exagerado. Spartacus poderá ter sido também. (Curiosamente, de Jesus, o que provocou a maior de todas as revoluções, existe apenas, que se saiba, uma pequena menção histórica. Jesus, mero pregador judeu sem importância, não era percebido pelos romanos como uma ameaça.) Poderia ser Spartacus, o verdadeiro, minimamente idealista como o Spartacus do filme e da série?... Sempre existiram iluminados, génios à frente do seu tempo, algumas vezes admirados outras vezes esmagados. Não discuto isto. Seria o verdadeiro Spartacus um deles? Ou um rebelde, sem outra causa excepto resistir aos romanos dentro do império como os bárbaros resistiam fora (e ganharam, no fim), atacando e roubando e fazendo-lhes a vida negra? Em suma, um terrorista? Menos nobre ainda, algo entre o ladrão e um cacique de guerrilha em busca de glória e poder? Não sabemos. A série apresenta uma explicação plausível para muitas das  movimentações do verdadeiro Spartacus, mas haveria outras.
A minha visão desiludida do mundo não me ajuda muito a acreditar em heróis. E menos consigo acreditar que o verdadeiro Spartacus, como o da série, conceba já, naqueles tempos, valores de liberdade, fraternidade, igualdade. É muito cedo, demasiado cedo. Para que a humanidade lá chegasse foi preciso cortar muitas cabeças. Noutras arenas.

E mesmo assim, neste século XXI do 3º milénio, liberdade temos menos do que já tivemos. Fraternidade (porque “fraternidade” é pedir demais) chama-se agora solidariedade e caminha a passos largos para a caridadezinha. Quanto à igualdade, ui!, isso nunca existiu excepto na utopia da palavra. Nunca existiu, não existe, e nunca existirá.

Não acredito, pois, como dizia, que o verdadeiro Spartacus tivesse a noção dos valores que encarna na série. Contudo, posso estar enganada, porque nem um século depois um outro Fulano, o que dizia “quem vive pela espada morre pela espada”, inventou a civilização ocidental como a conhecemos hoje. Não foi preciso derrotar Roma, foi Roma que, em desespero de causa, se agarrou com unhas e dentes à religião dos escravos, a verdadeira revolta civilizacional. Spartacus, qualquer um deles, não ia gostar disto, mas Roma haveria de mandar no mundo durante mais dezanove séculos! Não a mesma Roma, mas Roma à mesma.
O corpo de Spartacus nunca foi encontrado. O corpo de Cristo, se calhar até menos procurado por ser julgado de menor importância, também não. Terá esta coincidência, em pleno século do cristianismo, alimentado a lenda de Spartacus?


Heróis e zombies
“Spartacus” foi um êxito de audiência. Como “The Walking Dead”. É interessante  reflectir na altura em que estas coisas são feitas, como se alimentadas pelo espírito do tempo que paira no ar. Zombies e escravos. Escravos zombificados e zombies escravizados. Sem um Spartacus que nos livre disto. Mas merecemos? Diz a lenda que quando os rebeldes foram capturados pelos romanos todos eles se acusaram: “Eu sou Spartacus!”, de modo a poupar o verdadeiro à morte ou a um castigo exemplar. Estes, diz a lenda, não eram zombies. Lutavam, e sacrificavam-se, não deambulavam pelo centro comercial a encher a barriga. Cada povo tem o Spartacus que merece, ou a falta dele.
Spartacus morreu, mas o espírito de Spartacus não morreu. Renasceu, em toda a sua valentia, durante a Resistência. E pode renascer ainda, quando os escravos perceberem que são mais do que os dominus e dominas do mundo. Era de crer que por esta altura já tivessem percebido. Como não percebem, conclui-se que são zombies. Mexem, mas naquele cérebro já está tudo apagado.




...



 Andy Whitfield, primeiro protagonista de "Spartacus"


R.I.P.
Lamento a morte de Andy Whitman (protagonista da primeira temporada), aos 37 anos. Esta morte, precoce, carregou de luto uma ficção já de si carregada de morte. A Fox está a re-exibir a primeira temporada.