terça-feira, 29 de julho de 2025

Furry Vengeance / A Bicharada Contra-ataca (2010)

Isto é embaraçoso. Vi o filme e fartei-me de rir. Vi outra vez e ainda me ri mais. Este é daqueles filmes para toda a família que têm piadas subtis que só um adulto entende, mas as crianças vão gostar do humor mais imediato.
Uma empresa de empreendimentos que se diz ecológica quer destruir a floresta para construir uma urbanização. Dan Sanders é enviado para lá para supervisionar os trabalhos. Antes dele houve outro responsável que se demitiu depois de uma tentativa de assassinato.
Esta tentativa de assassinato veio dos animais da floresta, liderados pelo guaxinim, que vão fazer de tudo para proteger o seu habitat. O guaxinim consegue infiltrar-se numa reunião entre Dan e o patrão (um milionário chinês, associado de um indiano) em que este apresenta os planos para arrasar a floresta. A primeira coisa que acontece a Dan é a mesma tentativa de assassinato, mas Dan safa-se. Os animais não desistem de lhe fazer a vida negra. Um corvo bica-lhe na janela para não o deixar dormir, levando-o quase à loucura. No dia seguinte, enchem-lhe o carro de doninhas. E a perseguição continua, até que Dan se apercebe do que se está a passar. Tresloucado, diz à mulher (Brooke Shields) que os animais o querem apanhar, que o guaxinim é o cérebro da operação e que o corvo e a doninha são os capangas. A mulher manda-o ao psiquiatra. Mas Dan tem razão, há toda uma máfia organizada de animais que lhe querem fazer a folha e nada os travará.
“Furry Vengeance” é mais engraçado do que devia ser. Surpreende-nos e faz-nos rir com as referências que vai buscar. Até tem um momento Stephen King, quando o filho adolescente revela a Dan que há séculos que as pessoas estão a tentar urbanizar aquela floresta mas que, por alguma razão misteriosa, não conseguem (a razão misteriosa fez-me rir às bandeiradas) e no momento seguinte Dan é de tal modo levado para lá do limite da sanidade que se transforma num autêntico Jack Torrance. Os animais continuam a ganhar até que Dan decide tomar medidas extremas. Será o fim para o habitat da floresta?
Este filme conta igualmente com Angela Kinsey, a Angela de “The Office”. Para quem não se lembra, a Angela do Dwight Schrute. (Para quem viu “The Office” e não se lembra de Dwight Schrute não sei o que vos diga, são um caso perdido.)
O final de “Furry Vengeance” é infantil, mas depois de tantas piadas perversas era altura de dar um chupa-chupa às criancinhas.

16 em 20 (dentro do género) 


domingo, 27 de julho de 2025

Yellowjackets (2021 - ?) [primeira e segunda temporada]


− Porque é que o Travis está a gritar?
− Porque vamos comer o irmão dele.


Uma equipa de raparigas, campeãs de futebol, sobrevive a um acidente de avião que se despenha numa floresta remota. Durante quase dois anos, têm de sobreviver sozinhas na natureza.
Não costumo dizer isto muitas vezes, mas esta série não é mesmo para todos. Logo nos primeiros minutos percebemos que vai haver canibalismo. O interessante aqui é como as adolescentes chegam a esse ponto.
As raparigas passam 19 meses numa região montanhosa, incluindo dois invernos muito frios, em que têm de aprender a caçar e a aproveitar qualquer alimento que consigam encontrar. Mas este não é um grupo de raparigas vulgares. Como se não bastasse a insegurança e o drama dos 17 anos, há duas sociopatas entre elas. Para começar, as sobreviventes nunca estariam desaparecidas se uma das sociopatas não tivesse sabotado a caixa negra do avião, que tinha um localizador a funcionar. Porque é que ela fez isso? Porque no mundo normal não era reconhecida, e ali, na floresta, tem competências que a tornam valiosa aos olhos das outras.
A questão da fome é muito premente e presente. Mas as raparigas nunca decidem recorrer aos extremos de forma ponderada, racional e consciente. Pelo contrário, incapazes de lidar directamente com as implicações do que estão a fazer, acabam por criar um culto e deixar a escolha da vítima sorteada à "Entidade da Floresta". A entidade da floresta não existe, e algumas nunca acreditam nela, mas o culto é única maneira de sobreviver. Estas raparigas são combativas, campeãs, não lhes passa pela cabeça outra opção que não a sobrevivência. O único adulto que sobrevive ao acidente, um treinador de vinte e poucos anos, nunca se junta a elas. Pelo contrário, começa logo a perceber a dinâmica perigosa que se está a criar ali e a temê-las (e com razão). Até os lobos aprendem a ter medo delas.
"Yellowjackets" tem sido comparado a "O Senhor das Moscas" ("Lord of the Flies") na versão adolescente e feminina, e muito correctamente. Rapidamente se gera um clima de terror no acampamento, a selvajaria da lei da mais forte, seja por ser útil ou por ser a que está em contacto com a "Entidade". Ninguém quer abdicar do que está a fazer, mas ninguém quer ser a próxima.
A série não é só sobre as adolescentes na floresta. Vinte e cinco anos depois, seguimos as vidas de quatro sobreviventes que foram resgatadas e regressaram à civilização. Existe um pacto de silêncio entre elas, mas subitamente alguém começa a chantageá-las. Tenho lido críticas a dizer que esta parte da série é a mais interessante, mas não posso concordar. Mulheres desequilibradas e perigosas é sempre um tema fascinante (e já muito explorado), mas adolescentes desequilibradas e perigosas (e canibais) não é uma coisa que se veja todos os dias.
Aproveito para falar das sobreviventes, na versão adulta, que regressaram à civilização.

Taissa
Taissa é a minha personagem preferida. Só não percebo porque é que não era ela a capitã da equipa de futebol, porque Taissa é uma líder nata. (Por acaso é explicado porque é que a capitã era outra, mas não me convence.) Foi uma líder na floresta e é candidata a senadora na actualidade. Isto não é coisa pouca para uma mulher negra, casada com outra mulher negra, nos Estados Unidos. Taissa sempre foi a mais racional e madura do grupo, a que não fechava os olhos à realidade do que se estava a passar, com a perfeita noção de que era uma escolha pela sobrevivência que tinha de ser feita. Talvez por isso, por encarar a realidade de frente, a realidade a tenha sobrepujado. Taissa começou a ter episódios psicóticos e dissociativos em que a "outra Taissa" toma as rédeas. A chantagem traz a "outra Taissa" de volta, o que não é bom para uma candidata a senadora.

Shauna
Shauna é uma sociopata funcional do piorio, daquelas que não o parecem, sonsa e manipuladora. Na floresta, foi ela quem se encarregou de cortar a carne. Na actualidade, é uma dona-de-casa chata, e aborrecida, a precisar de ter um affair para se sentir viva.
As personagens são interpretadas por actrizes diferentes quando adolescentes e adultas, e devo dizer que algumas não me convenceram. Isto não é culpa das actrizes, que são excelentes, e adoro vê-las contracenar umas com as outras na versão adulta e adolescente, mas esta não é a mesma Shauna. Na adolescência, Shauna era brutal e tirânica, uma assassina capaz de matar pessoas só porque não gostava delas, mas na versão adulta finge-se sonsa e inofensiva? É que são tipos de personalidade antagónicos. Não estou mesmo a ver a evolução de uma coisa para a outra.
Se alguma vez conhecerem uma Shauna, fujam.

Misty
Misty é uma sociopata menos funcional, daquelas de quem o próprio Dexter tinha medo (e com quem acabou por casar). Interpretada por Christina Ricci (a Wednesday de "A Família Addams") na versão adulta, Misty é um terror na floresta e é um terror na civilização. Não quero contar o que ela faz, mas li uma sondagem em que as pessoas disseram que Misty era a sua personagem preferida. Quero acreditar que se estão a referir à actriz Christina Ricci, que realmente é extraordinária aqui.
Se alguma vez conhecerem uma Misty, fujam, se forem a tempo.

Natalie

Natalie é outra das personagens que não batem certo na versão adolescente e adulta. A versão adulta, uma ex-toxicodependente, é interpretada por Juliette Lewis. Mais uma vez, não me parece que seja culpa da actriz. Parece-me que a personagem estava sincronizada no primeiro episódio, mas a partir daí as personalidades divergiram e já não são a mesma pessoa. É curioso que as críticas que leio têm dito o contrário, não percebo porquê. Juliette Lewis interpretou Natalie como uma mulher destravada, histriónica, que não pensa nas consequências, que parece que está sempre bêbeda mesmo quando está sóbria, que parece, em suma, uma personagem de "Pulp Fiction", quando a versão Natalie adolescente é uma das pessoas mais sensatas e responsáveis do grupo. Pode-se argumentar que as drogas a transformaram, mas, como no caso de Shauna, não estou mesmo a ver. A Natalie adolescente depois de adulta, como drogada, já teria organizado um negócio em que era ela a traficante. A Natalie adulta é menos adulta do que a Natalie adolescente.

O monstro entre elas
Para quem tiver estômago para tal, "Yellowjackets" é uma série a não perder. O trocadilho não é inocente, há cenas muito perturbadoras com carne, sangue e ossos, e pior. Só há duas maneiras de ver esta série: com repulsa, ou com um desejo súbito de comer carne. Não preciso de saber, não me contem.
O tempo em que o terror não era levado a sério já passou. "Yellowjackets" tem um elenco de luxo. Apesar do tema, tanto a parte da floresta como a parte da actualidade são acima de tudo abordadas como drama. Para mim, a parte da actualidade funcionou como um alívio momentâneo do que se passava na floresta, com influências flagrantes de "Breaking Bad", "Better Call Saul" (com duas homenagens descaradas) e até de "Twin Peaks", mas por esta altura é mais correcto perguntar qual é a série de qualidade que não tenha sido influenciada por estas. Não consegui achar graça às tentativas de humor. Se fosse só sobre mulheres malucas e perigosas, sim, tinha achado graça, mas a tensão de saber o que ia ver no regresso à floresta (e que efectivamente vi) tirou-me a vontade de rir. Adorei a banda sonora dos anos 90, apesar de não ser o meu tipo de música preferido. Desde Smashing Pumpkins a Massive Attack a Nirvana, está lá tudo. Bom para a nostalgia.
Por último, "Yellowjackets" não é só uma série de terror, é também uma análise, de uma perspectiva forçosamente feminina, de uma história de sobrevivência de adolescentes ainda em maturação, ainda a explorarem a sua identidade e sexualidade, ainda não plenamente conscientes das consequências dos seus actos, não apenas para o mundo exterior, mas, sobretudo, as consequências do trauma com que teriam de viver o resto da vida. Estas raparigas não são monstros, mas há monstros entre elas, e há um monstro dentro de cada uma delas.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: drama, terror, canibais, O Senhor das Moscas/Lord of the Flies, Better Call Saul

terça-feira, 22 de julho de 2025

Black Water (2007)

 

“Black Water” é um filme aterrador com um crocodilo.
O casal Grace e Adam, e a irmã de Grace, Lee, estão a passar as férias de Natal na Austrália. Como turistas normais, decidem alugar um barco para pescar e passear no rio numa área de mangal. Estava tudo a correr pacatamente até que um enorme crocodilo de água salgada faz virar o barco e começa por comer o guia turístico. Grace, Adam e Lee conseguem subir a uma das árvores meio-submersas e ficar em segurança, mas quantas horas se podem aguentar lá sem tentar fugir?
O filme é baseado numa história real e é efectivamente muito realista. Aqui não há pessoas a cometerem erros estúpidos e asneiras irresponsáveis. Pode-se argumentar que o guia turístico que se ofereceu para os levar não era tão experiente como o patrão, mas percebe-se que é alguém que conhece o rio e sabe o que está a fazer. O único equívoco é que ele pensa que já não existem crocodilos naquela área, e tudo indica que a presença do réptil se deve à maré mais alta. Depois do incidente, os sobreviventes apercebem-se de que ninguém foi avisado de que tinham saído e para onde iam, mas um dia depois, na ausência do barco e do empregado, o patrão podia ter deduzido isso sozinho. Aliás, a certa altura um barco passa junto deles mas não suficientemente perto. Entretanto estas três pessoas têm de decidir o que fazer. Esperar por um salvamento que pode nunca chegar ou arriscar o rio? Seja como for, a sobrevivência depende de conseguirem sair dali.
Como disse, o filme é muito realista, excepto por um toque quase imperceptível de personificação do crocodilo que parece gostar de olhar as vítimas nos olhos antes de as atacar. Os crocodilos são traiçoeiros, escondem-se e atacam sem que a presa os veja, mas este gosta de provocar. Também gosta de acumular presas antes de as comer, mas, por outro lado, não me apercebi de nenhuma caça grossa no mangal e talvez o crocodilo esteja a apanhar as presas “para a despensa” antes que elas fujam, o que faz sentido. Pessoalmente, gostei desta personificação subtil do crocodilo. Transformá-lo num serial killer incansável torna tudo mais tenso.
A água não é negra mas é turva, e existe aqui muita coisa que pode perturbar as pessoas mais susceptíveis. Eu sei quem é que nunca irá passear num mangal depois de ver isto.

16 em 20


domingo, 20 de julho de 2025

The Babadook (2014)

[contém spoilers]

Os melhores filmes de terror são aqueles que nos fazem perguntar “será que isto podia acontecer comigo?”. Penso que “The Babadook” é um desses.
Amelia é a mãe viúva de Samuel, trabalha a tempo inteiro num lar de idosos, mal ganha para pagar as contas, tem uma dor de dentes que se calhar não pode tratar, anda sempre cansada e privada de sono, e é assombrada por uma tragédia: o pai de Samuel morreu num acidente de viação enquanto a levava para a maternidade. O aniversário de Samuel, que vai fazer sete anos, é também o aniversário da morte do seu pai.
Samuel é uma criança com grandes problemas de comportamento. Quando não se dedica ao ilusionismo, faz birras tremendas e constrói armas improvisadas que leva para a escola. Além disso, insiste que existe um monstro debaixo da cama ou dentro do armário, e passa a noite a acordar a mãe por causa do monstro. É também por isso que constrói as armas, para matar o monstro. Amelia não consegue tirar-lhe a ideia da cabeça, nem fazer com que Samuel obedeça e não leve as armas para a escola. Devido a isso, a escola acaba por expulsá-lo. Amelia fica por sua conta, sem o apoio da irmã que não suporta o comportamento de Samuel, em risco de perder o emprego porque não consegue acordar a horas, sozinha em casa com o filho.
Um dia, Samuel pede-lhe que leia um estranho livro infantil que, segundo ele, apareceu na estante sozinho, sobre um senhor Babadook. Amelia ainda começa a ler quando se apercebe de que não é um livro infantil mas uma história de terror. O Babadook ameaça aparecer e apossar-se de mãe e filho. A princípio Amelia não acredita e tenta livrar-se do livro, até à noite em que o Babadook aparece mesmo.

Spoilers
Não são exactamente spoilers, e eu não costumo fazer isto, mas vou interpretar. Na minha opinião não existe Babadook nenhum, esta é a história de uma mulher levada à loucura que mata o cão, o filho e até a vizinha. Isto não está no filme e alguém mais optimista pode ser levado a acreditar no final feliz, mas, pensando duas vezes, não é um final demasiado feliz para ser verdade? O que me alertou, confesso, foi aquela rosa negra que ela estava a plantar. Rosas negras existem mas são raras. Aliás, todo o esquema cromático do filme é de desconfiar. O negro está presente em todo o lado, até no lar de idosos e no parque infantil. De início não notamos muito, mas eu comecei a estranhar na festa de aniversário que mais parecia um velório. Quando vi o filme outra vez descobri coisas negras em todo o lado: nos armários, no baloiço do parque, até nas roupas e lençóis das crianças e nas pedras do jardim. E depois há o Babadook, que é a versão monstruosa de um ilusionista de capa e cartola. Será que o livro sequer existe?
Passamos o começo do filme a pensar que o problema é o miúdo, mas até que ponto não estamos a ver o mundo pela perspectiva negra e cada vez mais alucinada da mãe? Até que ponto Samuel diz que existe um monstro e começa a fabricar armas para se defender porque pressente que a mãe se está a transformar noutra coisa? Eu tirei as minhas conclusões. Li outras críticas que acreditam que o Babadook é uma metáfora para a dor mas que Amelia nunca chega tão longe. Todavia, se tudo se passou na cabeça da mãe, nada nos diz que o final não possa igualmente ser um delírio. Se a realizadora não gostar de interpretações ambíguas não devia ter introduzido a ambiguidade.
Um especial destaque para as interpretações de Essie Davis como Amelia e do jovem Noah Wiseman como Samuel. São completamente impressionantes e quase chegam para contar a história.
Ou o espectador pode preferir acreditar em contos de fadas e finais felizes.

15 em 20 (da maneira em que eu interpreto, menos um ponto pela ambiguidade)

 

terça-feira, 8 de julho de 2025

Exorcist II: The Heretic / Exorcista II: O Herege (1977)

Encontrei este filme num canal de cinema e fiquei em choque. Não me lembrava mesmo nada de o ver, o que só pode querer dizer uma de duas coisas: ou tinha perdido a sequela de “O Exorcista” com Linda Blair e Richard Burton, ou vi e é uma porcaria. Infelizmente, é a segunda opção.
Começa com o padre Lamont (Burton), um exorcista, a ser incumbido da investigação da morte do padre Merrin, que morreu durante o exorcismo de Regan MacNeil. As autoridades da igreja estão motivadas a dizer que Merrin morreu porque era um herege, que se lançou voluntariamente para as mãos de um demónio, se ninguém limpar o seu nome.
Regan é agora uma adolescente feliz e normal (e uma Linda Blair muito mais crescida e rechonchuda) que alega não se lembrar de nada do que se passou na altura, embora a mãe a obrigue a fazer psicoterapia. É exactamente nesta psicoterapia que Lamont e Regan decidem ser submetidos a hipnose, o momento mais aterrador do filme porque eu já não suportava aqueles holofotes a apagar e a acender e acho que se me forçassem a olhar para eles também começava a ver demónios. Mas avancemos. 

  

Sim, esta cena aconteceu. Não me perguntem, eu também não sei o que se passa aqui.

Nesta hipnose, Lamont desconfia que Regan já não está possuída mas que ainda tem uma ligação inconsciente com Pazuzu. Através desta ligação, Lamont descobre que Merrin exorcizou um outro jovem, Kokumo, em África. O que é que Kokumo tem em comum com Regan? Ambos aparentam ter poderes de cura. Assim, foram possuídos porque são “do Bem” e Pazuzu fez deles um alvo. Lamont vai para África à procura de Kokumo e comete a tremenda estupidez de dizer aos nativos que ouviu falar dele através de Pazuzu. Quase é apedrejado e tem de fugir. Por alguma razão, Lamont decide então invocar Pazuzu para encontrar Kokumo, agora um cientista que estuda pragas de gafanhotos, um símbolo de Pazuzu que, ficamos a saber, é um Espírito do Ar.
Depois disto tudo, Lamont regressa à América e decide levar Regan à casa onde o exorcismo se passou. Lá, Pazuzu aparece na cama em forma de Regan, tentando Lamont sexualmente, e a certa altura temos uma cena em que Burton está a beijar a falsa Regan enquanto a verdadeira Regan olha com repulsa. E não é preciso contar mais nada porque já é suficientemente mau.
“Exorcist II: The Heretic” é um filme confuso e rebuscado que só foi feito para lucrar com o original e, digo eu, explorar a natureza sensual de uma Linda Blair adulta e bem desenhada (daí o beijo, e os vestidos de Blair a mostrar-lhe perfeitamente as formas, etc). Em suma, este filme é um verdadeiro horror no pior sentido. Sim, acho que afinal até o vi, mas recalquei a memória traumatizante para não manchar “O Exorcista” no meu inconsciente. Ainda por cima é um filme chato em que não acontece nada apesar das voltas todas que dá. As únicas cenas que nos conseguem assustar foram “fabricadas” a partir do original, e a única parte que nos impressiona é o regresso à casa, porque é lá que está o que nos aterrorizou e o filme sabe disso e quer explorar-nos também. Não há nada que aconteça aqui que tenha pés e cabeça. Porque é que Regan aceitaria voltar à casa depois de se lembrar de tudo? Como é que Lamont, um exorcista, se põe a invocar o demónio que matou o homem cujo nome quer limpar (tornando-o no verdadeiro “herege” da história)? Porque é que Pazuzu se manifestou em forma de Regan em vez de possuir a Regan de carne e osso que estava ali mesmo ao lado? Porque nem Pazuzu quer ter nada a ver com este enredo.
O pecado mortal do filme, no entanto, o que o tornou blasfemo para mim, foi ter tentado explicar que Regan foi possuída por ser tão boazinha. Ora, o que torna o “O Exorcista” um filme aterrador é que não há razão. Um demónio consegue apossar-se de uma criança porque pode, ponto final. A ser levado a sério, este filme destruiria tudo o que o original representou. Por esta razão, declaro que “Exorcist II: The Heretic” é uma heresia que nunca devia ter visto a luz do dia.
A única virtude desta monstruosidade foi ter fornecido informação sobre a natureza de Pazuzu, que acabou por ser melhor aproveitada em filmes posteriores. As cenas em África têm uma beleza e uma atmosfera inquietante, concedo-lhe esse mérito. Tirando isso, se não viram, ou esqueceram, também não vale a pena ir ver excepto por uma questão de arqueologia cinematográfica.
Falando em arqueologia, se calhar o filme até merece ser visto só por causa da moda dos anos 70. Os vestidos de Regan parecem camisas de dormir e a certa altura ela usa um macacão de calções em cetim brilhante que parece um pijama. Tendo em conta o contexto, eu acreditei mesmo que a miúda tinha saído para a rua de pijama porque estava perturbada, mas não, é mesmo a moda da época. Apavorante.

10 em 20 (para ser boazinha como Regan)

 

domingo, 6 de julho de 2025

The Conjuring 3: The Devil Made Me Do It / The Conjuring 3: A Obra do Diabo

Actualmente, em todos os filmes que tenham a mão de James Wan, fico à espera de ver o diabo chifrudo ou outro semelhante. “The Conjuring 3” surpreendeu-me por ser tão contido nesse aspecto. Por outro lado, o enredo é longo e complicado e confesso que tive de ver o filme duas vezes porque da primeira acabei por perder o fio à meada.
Seguimos mais uma vez as aventuras do casal real/ficcional Ed e Lorraine Warren no que o filme promete “um dos casos mais chocantes das suas carreiras”, mas até disso tenho dúvidas. A história começa com o exorcismo de um miúdo de oito anos, possuído. A certa altura durante o exorcismo, o namorado da irmã do miúdo, Arne, pede ao demónio que deixe o miúdo e o possua a ele. O demónio faz-lhe a vontade. Dias depois, possuído, Arne mata o senhorio à facada. No momento seguinte Arne volta a ficar normal. Depois de ser examinado pelos Warren, estes concluem que Arne já não está possuído. Então, para onde foi o demónio? Entretanto, a advogada de Arne, com a ajuda dos Warren, monta uma defesa baseada no argumento “inocente por possessão demoníaca”, que segundo li aconteceu mesmo. A defesa não pegou mas Arne foi condenado a uma pena mais leve do que teria sido de outra maneira. Esta é a parte histórica do filme, mas há mais.
Voltando ao demónio. Os Warren descobrem que houve uma “possessão por encomenda”, isto é, que a possessão aconteceu por ordem de um ocultista de uma seita satânica. Começa aqui a parte do filme que é quase um policial, em que os Warren têm de seguir pistas para chegar à seita. Inclusivamente, juntam-se à polícia na investigação de duas raparigas desaparecidas que envolvia contornos semelhantes. É aqui que o filme se torna longo e complicado, porque enquanto andamos à procura das raparigas e atrás do ocultista quase nos esquecemos de Arne, e quando finalmente voltamos ao início quase nem nos lembramos de quem ele é. Foi por esta altura que perdi o fio à meada mas admito que a culpa possa ter sido minha.
“The Conjuring 3” introduz esta faceta de “policial” nos filmes “Conjuring” de que não desgostei, especialmente das passagens em que os poderes psíquicos de Lorraine ajudaram a desvendar o crime. A nível de terror propriamente dito, tirando as cenas de exorcismos que são sempre aquilo que são (mais ou menos efeito especial), pode haver este ou aquele pormenor que nos fique na cabeça, como a mão na cortina da banheira ou o colchão de água, mas não encontrei nada de particularmente assustador (a culpa também pode ser minha).
O que é certo é que o casal fictício Ed e Lorraine Warren (ou melhor, a química entre os actores Patrick Wilson e Vera Farmiga) funciona muito bem. Se isto fosse uma série eu era capaz de assistir a episódio após episódio só para os ver a resolver crimes e mistérios sobrenaturais, essa é que é essa.

13 em 20

 

terça-feira, 1 de julho de 2025

Black Water: Abyss / Black Water: Abismo (2020)

Este é mais um filme sobre o que nunca fazer quando se vai em aventuras. Dois casais e um amigo decidem ir explorar um sistema de caves remoto e desconhecido no norte da Austrália. Para tal, têm de descer um poço inexplorado. Como eu já tinha dito AQUI, quando se desce por um buraco perigoso é conveniente que uma das pessoas fique à superfície não vá o diabo tecê-las, de preferência com um rádio de longo alcance para chamar ajuda se for preciso e se ficarem sem rede de telemóvel, e especialmente quando se aproxima uma tempestade tropical, o que é mesmo o caso. Mas os nossos amiguinhos acham que não vai ser nada e enfiam-se todos pelo buraco abaixo. Entretanto a tempestade abate-se sobre a superfície e as paredes da gruta subterrânea começam a verter água aqui e ali, mas Cash, o solteiro e guia turístico, diz que são só infiltrações sem importância.
Na verdade os amigos atravessam grutas muito húmidas e apertadas até chegarem a uma grande galeria com um lago subterrâneo deslumbrante. Cash já está a pensar em fazer muito dinheiro com a descoberta quando percebem que não estão sozinhos: um crocodilo monumental patrulha o lago, e os amigos encontram restos de turistas a boiar. (Aqui pode-se perguntar como é que o crocodilo foi lá parar, mas há uma explicação.) Quando tentam sair por onde entraram, uma grande enxurrada (resultado da tempestade) entra pela caverna adentro e cobre a saída. Agora alguém tem de nadar debaixo de água pela gruta inundada e tentar sair da caverna para pedir ajuda, sem ser apanhado pelo crocodilo. Pior ainda, a água não pára de subir, o que significa que em breve o crocodilo vai conseguir chegar às rochas mais altas onde os amigos procuraram abrigo. É uma corrida contra o tempo.
O filme ainda mistura um bocadinho de drama: a mulher de um casal está grávida do homem do outro, e há algumas discussões a três quando a namorada traída descobre, mas, sinceramente, o que é que isto interessa quando estão a minutos de morrerem afogados ou de serem comidos por um crocodilo?
O que gostei neste filme é que não envolve criaturas subterrâneas desconhecidas, ou alienígenas, ou empresas científicas à procura de recursos milagrosos, ou missões militares com propósitos obscuros, etc. É tudo muito simples: pessoas normais, um crocodilo normal, uma tempestade normal, e já faz dano que chegue.
Como em todos estes filmes de grutas não faltam as passagens claustrofóbicas e os momentos debaixo de água de suster a respiração, e como em todos os filmes de crocodilos não faltam as cenas arrepiantes em que… sabem o quê.
Simplesmente preferia que os personagens, apesar de não serem espeleólogos profissionais (tirando um), tivessem demonstrado mais bom senso, e já não ficariam fechados numa caverna inundada com um crocodilo, e nós já conseguiríamos importar-nos com o que lhes acontece.

13 em 20