Já disse várias vezes e vou voltar a dizer: “Sobrenatural” deve ter sido das séries mais subestimadas que já existiram. Durante 15 temporadas e 15 anos (2005-2020), “Sobrenatural” prendeu a atenção dos fãs e fez mesmo fãs envergonhados que não admitem conhecer os Winchesters (mas conhecem!). A química entre Sam e Dean era intensa e genuína. É preciso não esquecer que a princípio eram dois irmãos em conflito, muito diferentes um do outro, unidos unicamente pela busca de vingança em sequência da morte da namorada de Sam nas mesmas circunstâncias que vitimaram Mary Winchester. “Sobrenatural” fazia-nos querer saber de Sam e Dean. As mortes atingiam-nos. Houve mesmo cliff-hangers entre temporadas que me deixaram muito preocupada com o destino dos “rapazes”. Até os personagens secundários se tornaram mitológicos de tão inesquecíveis.
“The Winchesters” segue a mesma fórmula, mas num patamar muito inferior a este. Com produção e narração de Jensen Ackles (aqui também no papel de Dean), esta é a história de Mary Campbell e John Winchester, ou seja, supostamente uma prequela dos acontecimentos de ”Sobrenatural”. Dean é o narrador, e desde o início nos deixa de pulga atrás da orelha de que isto não vai ser exactamente o que pensamos, mas não posso tentar explicar sem incorrer em spoilers. O último episódio desvenda tudo. Prestem atenção porque no final faz sentido.
Algumas passagens de “The Winchesters” parecem de facto contrariar o que vimos e sabemos de Mary e John. Por exemplo, na série original John não conhecia o passado de Mary como caçadora e só descobriu quando Azazel (o demónio dos olhos amarelos) a matou. É então que John se torna no caçador obcecado que conhecemos.
Em “The Winchesters”, John recebe de certo “homem misterioso” uma carta do pai, Henry Winchester, que o leva direitinho a um bunker dos Homens de Letras. Mais motivo ainda para desconfiar, uma vez que John Winchester nunca falou dos Homens de Letras aos filhos e que Sam e Dean só encontram esta organização já tarde na série. (O episódio em que eles descobrem o bunker é inesquecível.)
John e Mary conhecem-se por acaso quando John chega do Vietname. Também ela anda à procura do pai, Sam Campbell, que foi caçar para parte incerta atrás de uma pista sobre uns monstros de outra dimensão chamados Akrida. Os Akrida querem aniquilar a vida em todos os planetas e já não seria a primeira vez que tentavam atacar a Terra, mas foram repelidos pelos Homens de Letras. Como é que nunca tínhamos ouvido falar de uma ameaça tão grande como os Akrida? A certa altura os Akrida até dizem a John que foram eles quem mataram Henry, o que nos deixa ainda mais perplexos. Sabemos que os Homens de Letras foram dizimados por demónios. Então, que segredo se passa aqui?
“The Winchesters” tenta fazer o mesmo que “Sobrenatural” fazia no princípio: um monstro da semana ao mesmo tempo que os caçadores perseguem a ameaça maior, os Akrida. É neste pano de fundo que John e Mary se apaixonam.
Ora, sinceramente, sabendo nós que este foi um amor épico, eu esperava ver faíscas a voar entre os dois. Pelo contrário, e lamento muito dizê-lo, não existe quase química, nem boa nem má, entre os dois actores. Mary e John são ambos casmurros e mandões, o que bate certo, e passam a série a discutir. Nunca aquela relação resultaria na vida real e muito menos acabaria em casamento. Simplesmente não está lá. Mary e John parecem mais irmã e irmão, o que neste caso não funciona por razões óbvias.
Aliás, todos os personagens mais jovens são muito superficiais. Temos algumas cenas boas com a mãe de John, Millie Winchester, a bruxa boa Ada Monroe, Sam Campbell e os actores veteranos em geral (alguns deles caras familiares do passado, mas não vou revelar). Não culpo os actores mais novos. Simplesmente não lhes foi dado o peso dramático que acontece naturalmente nas conversas entre os mais velhos.
John, Mary, Latika e Carlos não tiveram grande enredo emocional com que trabalhar. Sem surpresas, a série não foi renovada. Não sei se tenho pena ou não. Depois do último episódio ficou tudo muito bem resolvido. Não estou a imaginar mais temporadas de monstros da semana (e até esses foram muito fraquinhos) depois das proporções épicas atingidas por “Sobrenatural”. Os irmãos Winchester impediram dois ou três apocalipses, foram ao Inferno, foram ao Purgatório, foram ao Céu, travaram a irmã de Deus, mataram Lúcifer, mataram Deus, até mataram a Morte, tinham um anjo como melhor amigo e foram os pais adoptivos de um novo Deus. É difícil ultrapassar isto.
“The Winchesters” estaria sempre condenado a ser um sub-produto Young Adult a não ser que ganhasse asas como “Sobrenatural” ganhou. Sim, é preciso não esquecer que as primeiras temporadas de “Sobrenatural” não deixavam adivinhar o que veio depois. Faltou aqui a magia entre Sam e Dean, e faltaram as asas, algumas bastante literais como as de Castiel. Talvez com o tempo “The Winchesters” levantasse voo também, mas a temporada inicial não bastou para agarrar os fãs.
Eu achei interessante como entretenimento, mas confesso que os melhores momentos foram protagonizados pelas personagens da série original (obviamente). Detestei a música dos anos 70. Adorei a moda! Aquele poliéster todo, as calças de boca de sino, a roupa hippie, as flores no cabelo. A certa altura Mary usa um vestido branco que parece uma mistura entre camisa de dormir e vestido de noiva (alguma moda da altura era tenebrosa, admito). E adorei que os caçadores tivessem de usar livros a sério para investigar os monstros e que só pudessem comunicar-se através de telefones fixos ou rádios. Muito retro. Não desprezemos o poder da nostalgia. Talvez um dos problemas da série tenha sido não ter apostado mais na nostalgia. Afinal, resultou com “Stranger Things”. Mas talvez os fãs de “Sobrenatural” não tenham idade para nostalgias dos anos 70. Seja o que for, não resultou.
RIP “The Winchesters”. Ou talvez não, porque em “Sobrenatural” as coisas só ficam mortas até voltarem à vida. Talvez Jensen Ackles acerte para a próxima.
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PARA QUEM GOSTA DE: Sobrenatural
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