domingo, 7 de novembro de 2021

Variações (2019)

“Pela minha música, vou ao fim do mundo”

A primeira vez que vi António Variações foi no programa do Júlio Isidro, Passeio dos Alegres, em 1981. Não recordo a canção ou canções, mas jamais me poderei esquecer do impacto. António Variações era um dos artistas mais extravagantes que eu já tinha visto na vida. Também, na verdade, não tinha visto muitos. A nossa sociedade era fechada e pequenina, pouco receptiva à diferença. E continua a ser, a verdade é essa, agora um bocadinho mais disfarçado.
Não podia compreender, aos nove anos, a importância que Variações iria ter na música portuguesa, nem percebia o que ele estava a fazer. Nem tive oportunidade de vir a compreender no seu tempo de vida, infelizmente. Não era o meu tipo de música, nem nunca será, mas Variações abriu as portas a muita música de fusão folk / fado / pop que se faz actualmente. Teria sido assim sem ele?
A Lisboa de Variações é uma Lisboa anterior à minha. Meia dúzia de anos nos separam no tempo e nos espaços, os mesmos espaços ou outros semelhantes, e é como se todo um mundo novo se tivesse aberto entretanto.
Estava muito curiosa quanto ao filme porque nunca conheci nada de Variações excepto o pouco que se escrevia nas revistas, e isso era mesmo muito pouco e fortemente censurado. Falava-se da roupa, do turbante, não se falava da homossexualidade. E muito menos da SIDA.
Os leitores mais novos não imaginam o que foi o pânico da SIDA. Não imaginam, principalmente, o estigma associado à SIDA. Primeiro considerada uma doença de homossexuais, prostitutas e drogados, ter SIDA implicava que se pensasse que o infectado fosse um dos três. Acho que o filme podia ter explorado melhor este aspecto, o secretismo e a discriminação que existiam em volta da doença.
De resto, adorei conhecer melhor esta personalidade marcante, compreender como as origens provincianas jamais poderiam satisfazer este homem cosmopolita, como Lisboa era ainda demasiado pequena para horizontes tão vastos.
Acabei o filme a chorar copiosamente.
Parece-me que há umas polémicas sobre a maneira como a personagem foi retratada e como certas coisas se passaram. Nestes casos tão recentes, não é grave. Ainda há muita gente viva que dê o seu testemunho sobre os acontecimentos e sobre a pessoa real que conheceu em carne e osso. Não há filme biográfico em que a personagem seja igual ao original, até para efeitos de dramatismo. Faz parte.
Recomendo este filme, principalmente, a quem nunca conheceu António Variações.


Não vou dar nota porque também não conheci a pessoa que aqui é personagem. Não posso avaliar.


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