domingo, 4 de julho de 2021

Gravity (2013)

Este é daqueles filmes para roer as unhas do princípio ao fim. Três astronautas estão no espaço, fora da nave, numa actualização de rotina ao observatório Hubble, quando começam a ser atingidos por destroços de um satélite russo destruído por um míssil. A princípio estes destroços não deviam atingi-los, mas a trajectória muda e o pior acontece.
Nos primeiros minutos, só sabemos que não morrem todos porque o filme não pode acabar já. Mas esteve perto. E desculpem o spoiler, mas é a essência do filme: no fim a personagem interpretada por Sandra Bullock, engenheira, fica mesmo sozinha no espaço e não sabe como voltar. George Clooney, no papel do astronauta do vai-vém Explorer, diz-lhe claramente: “A doutora é que é o génio, eu só conduzo o autocarro”.
Mas Ryan Stone, a engenheira, não sabe conduzir o autocarro. Ficamos logo muito preocupados quando a vemos pegar nos manuais de bordo para se orientar. Claramente, é alguém que não sabe o que está a fazer. Alguém como nós, se nos víssemos naquela situação. O observatório é destruído, o Explorer é destruído, Stone consegue chegar à Estação Espacial Internacional, que também acaba por ser destruída. O filme é classificado como Drama, Ficção Científica e Thriller, mas não sei até que ponto não é igualmente Terror. Os corpos dos astronautas acumulam-se horrivelmente, congelados, os capacetes partidos, os rostos rachados e metidos para dentro como se o vácuo os tivesse sugado. Não existe um monstro, mas o espaço, ele próprio, é um ”monstro” indiferente que não se apieda da fragilidade da vida humana.
As comunicações com Houston estão cortadas. Seguindo as instruções do astronauta veterano, Stone consegue chegar à estação russa. E este parece ser mesmo o fim para ela, quando se apercebe de que a nave russa não tem combustível.
Desesperada, Stone começa a tentar o rádio, silencioso desde que perderam as comunicações com Houston. Aqui acontece a cena mais comovente e psicológica do filme. Stone consegue estabelecer contacto com alguém, possivelmente um rádio-amadorista em qualquer local remoto na Terra. Ele não fala inglês, não sabe quem está do outro lado e não faz ideia de que pode ser a última vez que Stone fala com alguém. Nesse momento de desespero, Stone apaga as luzes da nave russa. Como ela confessa no princípio do filme, Stone perdeu uma filha de quatro anos. Tudo o que ela conta sobre isso indica alguém que nunca conseguiu lidar com esse luto e em vez disso enfiou a cabeça no trabalho para não enfrentar a perda. Aqui, confrontada com a morte iminente, Stone tem de decidir se quer continuar a viver sem a filha. O radio-amadorista tem um bebé, a quem começa a cantar uma canção de embalar. Stone pede-lhe que não pare de cantar, que a embale até à hipotermia e à morte.
No último momento, Stone pensa numa solução, a única possível e a mais desesperada, e decide viver enquanto conseguir. O que não vai ser fácil. Por causa da chuva de destroços, ainda vamos ver a estação espacial chinesa completamente destruída. Sem querer acumular mais spoilers, até há alguns momentos de humor nervoso quando Stone percebe que tudo na estação chinesa está escrito em chinês e começa a carregar nos botões ao calhas a tentar perceber o que resulta. É o tudo por tudo.
Esta é uma história de sobrevivência filmada com tanta beleza como horror: a Terra, linda e azul como pano de fundo, ali tão perto, mas longínqua e proibitiva na falta dos meios de lá regressar. Stone, a protagonista, tem de vencer ainda outro obstáculo, interior e secreto: será que quer mesmo sobreviver? Não será que aceitou a missão com um desejo de morte? Sem motivação e sem os conhecimentos técnicos bastantes, tem ela alguma hipótese de escapar? E será que quer mesmo escapar?
Eu fiquei agarrada ao filme do princípio ao fim. É um filme curto mas a acção acontece a um ritmo tão vertiginoso que parece ainda mais curto. Só não posso dar 20 em 20 porque me parece que, para além da história de sobrevivência, excelente como ela é, faltava aqui mais qualquer coisa, algo de transcendente que só acontece nos filmes verdadeiramente geniais. “Gravity” é um drama de sobrevivência e de tragédia pessoal, mas eu queria mais.
 
17 em 20



Sem comentários: