Sempre que é feito um remake de um clássico, é legítimo questionar porquê. Muitas vezes a única razão é monetária: sucesso de bilheteira instantâneo. Toda a gente quer ir ver, nem que seja por curiosidade. Na esmagadora maioria das vezes o remake não é melhor do que o original.
Confesso que já não me lembrava dos pormenores todos do enredo do “Carrie” de 1976 (tirando o sangue de porco e o massacre, que ficam na memória para sempre) e que tive de ir lê-los à Wiki. Tirando poucos detalhes insignificantes, o enredo do remake é exactamente o mesmo.
Mas há problemas de anacronismo. O filme de 2013 passa-se na actualidade, com smartphones e tudo. Torna-se muito difícil acreditar que a mãe de Carrie não soubesse que estava grávida e que Carrie, no ano de finalista do liceu, não soubesse o que é a menstruação. No caso da mãe de Carrie, fanática religiosa possivelmente com perturbações mentais, ainda se admite que estivesse em negação (estava a dar à luz e pensava que estava a morrer de cancro), mas no caso de Carrie torna-se ainda mais inacreditável. Quantos anos tem Carrie, afinal, quando lhe aparece o período em pleno duche do ginásio à frente das colegas? 15, 16 anos? Isto faria com que tivesse nascido por volta do ano 2000. Carrie, no filme, é uma miúda do novo milénio, que vive na cidade e sabe usar o computador da escola para pesquisar “telecinese”. É impossível, verdadeiramente impossível, não saber o que é o período, mesmo que a mãe nunca lhe tivesse explicado as coisas da vida, mesmo que não tivesse acesso a televisão nem rádio nem jornais, mesmo que não tivesse tido Biologia na escola (o filme explica que durante muito tempo foi ensinada em casa). Até os outdoors de publicidade a tampões e pensos higiénicos a deviam ter deixado curiosa, não? Assim, o filme não devia ter ido buscar um elemento do enredo que em 2013 é completamente irrealista.
Mas não o era em 1976, nem em 1974 quando Stephen King publicou o livro homónimo. Nesta altura, Carrie teria nascido nos anos 60, talvez até mais cedo. Era perfeitamente possível, vivendo na América rural e isolada, sem escola nem televisão, que uma mulher não soubesse o que era o período nem que estivesse grávida ou sequer como é que se engravidava.
Nem é preciso ir à América rural e imaginarmos uma casinha isolada no meio da pradaria. Em Lisboa, nos anos 70, esses assuntos ainda eram tamanho tabu que até as mães tinham vergonha de falar com eles às filhas. Era completamente possível uma miúda ser surpreendida com a menstruação sem saber o que era, ou ficar grávida sem saber exactamente como. (Basta recordar a revista Crónica Feminina e os artigos que lá apareciam a explicar estas coisas, todos muito decentes e cheios de eufemismos para não chocar as susceptibilidades mais puritanas.) Nesse aspecto, o livro e o filme de 1976 eram completamente plausíveis.
Portanto, o filme começa logo de início a alienar-nos do realismo em torno da história, o que é mau num filme de terror. Mas será este “Carrie” um filme de terror, ou melhor, um filme de terror bem conseguido? (O momento mais perturbador, para se ter uma noção, é a cena em que matam o porco. Só digo que envolve um martelo.) Senti mais esta versão como um drama centrado na relação mãe e filha, com Julianne Moore a desempenhar um papel deveras à sua altura que não vou esquecer tão cedo. O sangue de porco, o bullying, a vingança, tudo isso soa a cópia.
Então porque é que se fez este filme? Tirando a resposta possível “e porque não fazer?”, talvez pelos efeitos especiais mais modernos? Por falar nestes, achei-os muito espalhafatosos e exagerados. E todo aquele cliché em que Carrie utiliza as mãos ao mesmo tempo que aplica os poderes psíquicos para se vingar foi realmente de filme de terror barato.
O que fica deste filme? Um decalque ferido de anacronismos que não justifica o remake. Em 1976, “Carrie” teve impacto e foi chocante. Em 2013, “Carrie” vê-se e logo se esquece. Salva-se o espectacular desempenho de Julianne Moore.
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domingo, 14 de março de 2021
Carrie (2013)
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