terça-feira, 19 de março de 2019

O Defunto, de Eça de Queirós

http://projectoadamastor.org/antologia-dentro-da-noute-contos-goticos

Ou não fosse Eça de Queirós, o conto começa com um homem que anda atrás de uma mulher casada. D. Rui de Cardenas apaixona-se pela formosa D. Leonor, casada com um homem mais velho. Ainda assim, D. Leonor é de uma virtude irrepreensível e nem sequer olha para D. Rui. Desapontado, mas conformado, este acaba por desistir. Mas o marido, D. Alonso de Lara (o que eu gosto deste nomes pomposos) desconfia dos olhares que o vizinho deita à sua belíssima esposa, e desconfia da honradez dela também. Muito velhaco, obriga-a, a ponta de faca, a escrever uma carta a D. Rui em que o alicia a visitá-la para um encontro romântico à noite no seu quarto. D. Rui, tomado de paixão, cai direitinho na emboscada. Quando vai pelo caminho, na noite iluminada de lua cheia, um enforcado fala-lhe, pendurado da forca. Seguem-se uma série de acontecimentos sobrenaturais em que o enforcado salva D. Rui.
Para quem só leu os “Os Maias” e achou uma estopada tão grande como eu achei, o melhor que tenho lido de Eça de Queirós não é ensinado na escola. Nem nunca me passou pela cabeça que Eça escrevesse coisas destas tal foi a ideia que me transmitiram. Gostei muito deste conto, que não conhecia. Aqui Eça pode parecer ainda Romântico (no sentido do Romantismo, bem entendido) com a sua noite, os seus morcegos, os seus pilares negros ao luar, mas a história centra-se bem no Realismo da carnalidade explícita que leva D. Rui à armadilha e que mais tarde faz “arfar” o peito de D. Leonor. Mas tudo muito recatado, que afinal o que os salvou foi um milagre de Nossa Senhora porque eram os dois muito beatos. Numa história à inglesa, da altura, não teria havido intervenção de Nossa Senhora. Teria acabado sem explicação. Mas este é gótico à portuguesa. Talvez Eça tivesse de justificar a ousadia com um milagre católico se queria publicar este conto.
Gostei muito do pormenor em que D. Rui se ajoelha em frente da imagem em que a Virgem tem sete espadas cravadas no peito, e que mesmo assim sorri como se não lhe doessem. Só no final é que percebi o presságio. Mal empregado Eça não se ter dedicado mais a estes géneros, como aqui e em “A Relíquia”. Aconselho a toda a gente, principalmente a quem detestou “Os Maias”. Este é outro Eça. Um Eça que para mim era desconhecido até há bem pouco tempo.



-§-

Este conto encontra-se na compilação “Dentro da Noute – Contos Góticos”, do Projecto Adamastor. O download gratuito pode ser feito AQUI.




2 comentários:

Vampiregrave disse...

No que diz respeito a incursões no fantástico, por parte de autores portugueses mais reconhecidos pela sua escrita literária, talvez te interesse esta tese:
Camilo e Eça: o apelo do horror
http://repositorio.ul.pt/handle/10451/22956

katrina a gotika disse...

Parece-me muito interessante, Obrigada.