sábado, 30 de março de 2019

Jericho (2006 - 2008)


O que é um bom apocalipse sem o Lennie James?
Admito que foi este actor (Morgan em “The Walking Dead”) que me levou a dar outra hipótese à velhinha “Jericho”. Cheguei a ver alguns episódios na televisão, mas tinha perdido o princípio e algo me afastou da série. Na altura havia coisas melhores a passar, o que pode ter tido influência.

Quando um ataque terrorista faz detonar 23 bombas nucleares nas capitais americanas, a pequena cidade de Jericho, remota no meio do Kansas, passa quase incólume ao desastre. Os poucos habitantes observam, boquiabertos, a explosão da bomba mais próxima. Muito depressa descobrem que não foi a única. Entretanto, conhecemos o misterioso recém-chegado Rob Hawkins (Lennie James) que tem uma bomba atómica na cave (sim, uma bomba atómica na cave!) e tudo indica que estará ligado aos ataques. Hawkins é a verdadeira alma do mistério de “Jericho”, e o único que diz coisas que podiam ter saído de “The Walking Dead”, como daquela vez em que alerta os outros habitantes para não espalharem a informação de que Jericho sobreviveu e tem provisões, ou poderão atrair pilhagens.
A premissa é muito boa. A civilização como a conhecemos colapsa. Falha a electricidade, o abastecimento de água, os transportes. Mais tarde, uma bomba EMP (bomba electromagnética e não sei mais nada sobre isto) destrói todos os circuitos eléctricos de telecomunicações e automóveis. Isto também priva a cidade de notícias e ninguém sabe o que se passa. No segundo episódio ainda há alguém que diz “se estamos a ser atacados temos de descobrir o que se passa lá fora”, mas na verdade ninguém parece assim tão interessado.
Jericho é uma cidade de survivalistas americanos, daqueles mesmo ferrenhos que pensam que “quanto menos Governo melhor” e que o Governo é um inimigo em geral. Assim que as instituições federais desaparecem, imediatamente começam a governar-se a eles próprios à boa maneira do far west, isolados de tudo e sem grande apetência para contactar o exterior ou esperar por ajuda. Isto, acima de tudo, é-nos muito estranho. Mas também é este o valor de “Jericho” como documento sociológico e político de uma América isolacionista e paranóica (sem nunca se assumir como a extrema direita agora conhecida por alt right) que uma década mais tarde irá eleger Trump. Para quem ainda não percebe, “Jericho” é muito elucidativa.
A nível da série propriamente dita, bem designada algures como “telenovela apocalíptica”, alguns erros experimentais ditaram que fosse cancelada logo na primeira temporada. A série foi pensada para “render” vinte episódios em que o mistério de Hawkins e das bombas se arrasta a passo de caracol. Entretanto, temos episódios de filler que não deviam ter ali cabimento, como aquele em que a crise do dia foi a biblioteca a arder. O cúmulo do absurdo deste tipo de séries com a crise do dia resolvida à hora de jantar continua a ser “Under the Dome”, que já só se conseguia ver por hate watching, mas “Jericho” consegue andar lá perto muitas vezes. Como daquela vez que a comida era tão escassa que meia dúzia de habitantes de Jericho vão tentar caçar veados porque já não há nada para comer, enquanto duas amigas, como se numa série à parte, passam o dia a beber margaritas porque era o dia em que uma delas se devia ter casado. Então havia fome ou não havia fome? Porque as amigas não dão por nada. Muitas vezes tive a sensação de estar a ver uma telenovela entrecortada, por acidente, por uma série de mistério, e vice-versa. O número de personagens e enredos paralelos era para durar anos, aparentemente. Mas as audiências não gostaram. Porque é assim: os Estados Unidos foram praticamente destruídos por uma ameaça militar e desconhecida, e nem sabemos se foram só os Estados Unidos ou o mundo todo, quem é que se interessa se o outro deixa a mulher para ficar com a outra, ou se a outra deixa o noivo certinho para ficar com o rapaz rebelde? No entanto, a série achou que alguém se ia interessar por estes enredos de telenovela. Foi engraçado, lá para o fim da série, já depois de cancelada, como estes personagens começaram a morrer a torto e a direito, e outros simplesmente desapareceram sem deixar rasto ou explicação.
A série tinha uma mania irritante nos primeiros episódios, de passar uma música pop de novela (como nos “Diários do Vampiro” mas pior) como som de fundo nos momentos mais tensos, que quase me fazia arrancar os cabelos. O objectivo, penso eu, era que a música fosse irónica, como “It’s a Wonderful World” em “Bom Dia Vietname”. Mas aqui não havia dramatismo bastante para o justificar e não resultou. Deve ter havido mais pessoas a queixar-se porque pararam com a música irritante em questão de poucos episódios.
A série continua a engonhar o mistério até aos dois últimos episódios, em que finalmente temos algumas respostas. E já não era sem tempo! Mas não foi mesmo a tempo, porque não foi renovada.

Fazer a América grande outra vez
Os espectadores fiéis da série não se conformaram com o cancelamento e fizeram tanta pressão que a CBS produziu mais sete episódios para terminar a história que tinha acabado num cliffhanger. Aqui, então, foi sempre a correr. Os responsáveis pelas bombas afinal não são terroristas nem nações inimigas. São uma corporação que quer destruir a América para ocupar o poder. A América torna-se a corporação e a corporação torna-se a América. Era este o objectivo dos ataques, destruir a democracia e a constituição americana e estabelecer um governo-fantoche controlado por uma companhia que se tornou demasiado poderosa. Nestes últimos sete episódios, os sobreviventes unem-se para derrotar esta ameaça à democracia e fazer a América grande outra vez. Até se fala em Revolução.
Esta série é o sonho molhado dos survivalistas americanos, patriotas e defensores acérrimos do direito ao porte de arma, não se dê o caso (como aqui) de precisarem de combater o Governo, que é sempre o mau da fita.
Eu vi para perceber o mistério das bombas, mas admito que todo o filler foi extremamente aborrecido e quando a série acabou suspirei de alívio.


Lennie James em "Jericho"

Saliento, além de um Lennie James muito mais novo que foi imediatamente contratado para o universo “Walking Dead”, a presença de um seu colega na série de zombies, Xander Berkeley, um Gregory praticamente irreconhecível mas igualmente vilão.
Aqui também um vilão (às vezes), aparece James Remar, o pai do “Dexter”.
E para os amantes do “Sobrenatural”, é um miminho a prestação de Richard Speight Jr., mais conhecido por Gabriel/Loki/Trickster, aqui num papel, acreditem ou não, completamente sério e dramático. Outra grande performance é a de Timothy Omundson, igualmente um vilão que não chega aos calcanhares do infame Caim em “Sobrenatural”. Não esquecendo a actriz Shoshannah Stern (a caçadora surda Eileen Leahy) que aqui também é uma durona.
Se a série é aborrecida, encontrar todos estes actores como eles eram há 10 anos foi motivo suficiente para ver até ao fim.


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