quinta-feira, 19 de abril de 2007

As ideias não se apagam, discutem-se




Esta é a única coisa de jeito que ouvi desses senhores: "As ideias não se apagam, discutem-se".


Nota: Se bem que pôr a culpa do mal que grassa no país nos pobres dos imigrantes não é só xenófobo; é a cegueira total. Conheço alguns senhores da classe política que deviam não apenas ser metidos num avião mas antes levar um valente pontapé no cú e uma profissão nova, varredores do lixo, e talvez assim se começasse alguma coisa nova. Nunca, em tempo algum, apoio ou apoiarei a ideia do cartaz que reproduzo aqui, tirado da página do PNR (se eles pedirem ou cobrarem copyright, eu tiro.)

Este também é o post que nunca julguei ter de vir a fazer. Mas é mesmo isso, em democracia as ideias não se apagam, discutem-se, e vamos ter de discuti-las mais tarde ou mais cedo. Adiei infindamente o momento de o fazer.

O que me faz finalmente abordar o assunto é uma polémica recente num fórum que frequento e que não vou identificar. E passo de seguida a contar a história desde o princípio.
Não me lembro exactamente de há quanto tempo os skinheads/nacionalistas (não sei como se chamam a si próprios actualmente) começaram a frequentar bares e outros locais que antes eram apenas frequentados por góticos e afins, mas vou apontar uma data mental para mim própria que é 2005. Alguém me corrigirá se estiver errada. Isto acontece em Lisboa mas já me disseram que no Porto também se passa, não sei até que ponto, por isso que alguém mais próximo me elucide.
O que os levou a escolher a nossa companhia, desconfio bem, é o facto de os góticos serem uma tribo sobejamente conhecida pelo pacifismo. Depressa os skins perceberam que ali não iam arranjar arranjar confusão. Quem não gostou da companhia acabou por evitar os locais ou pura e simplesmente continuou a frequentá-los como se nada fosse porque, a bem dizer, as pessoas já lá estavam, há muitos anos!, quando eles decidiram assentar arraiais.
Foi com muita surpresa que os vi chegar e procurar a nossa companhia. Eu ainda sou do tempo em que os skinheads, nos anos 80, quando os de hoje ainda gatinhavam, andavam à procura de góticos no Bairro Alto para lhes baterem. Ah pois é! Tamanha mudança de atitude deixou-me intensamente intrigada como não podia deixar de ser.
Se é certo que os skins frequentam meios góticos -- resta-me saber se eles estão no meio de nós ou se eles são o meio de nós? -- não de estranhar que frequentem os nossos fóruns. E voltamos à história que me levou finalmente a escrever. Nesse fórum de que sou membro, alguém colocou como evento, ao lado do Super Bock e do Vilar de Mouros, o Encontro Nacionalista (ou o que seja que aquilo se chame) previsto para o próximo fim de semana. Seguidamente estalou a polémica, que eu não cheguei a ver porque foi de tal ordem que foi apagada e os moderadores do fórum decidiram que a partir de agora ali não se discute política de maneira nenhuma. A decisão dos moderadores do fórum não vai ser comentada aqui. Deixei apenas um post a dizer que discordava e a avisar que ia falar sobre o assunto no meu blog, e se a conversa continuar será no local. É uma filosofia de vida que tenho tratar as coisas nos lugares próprios e obedecer às regras da casa alheia que, neste caso, é a deles, e disso não me afastarei nem discutirei noutro lado.
Mas este post não é sobre o que aconteceu nesse fórum em específico mas sobre algo muito, mas muito mais grave, que é a ausência de capacidade de debate democrático que observo nas gerações mais novas, ironicamente aquelas que nasceram depois do 25 de Abril, o alheamento entre elas e a política, e a maneira como as discussões acabam em insultos básicos e, fundamentalmente, daí a ligação ao cartaz, o desconhecimento de que as ideias não se apagam, discutem-se.
Um fórum onde só se pode discutir cultura, religião e outras paixões pessoais é o Antigo Regime. Fátima, Fado e Futebol. A facilidade com que se instaura a proibição de falar de política, tal como o fanatismo de extrema direita e de extrema esquerda (mas mais de extrema direita que o Bloco ainda está muito mais soft -- até quando?) que ataca as franjas da juventude de hoje preocupa-me. Preocupa-me muito mais, contudo, a indiferença da maioria, principalmente a dos jovens que os velhos já estão cansados. Este post serve também de marco temporal para este acontecimento que julgo histórico.
E uma daquelas histórias que se conta aos netos. Pena eu não ter netos.

Voltemos ao cartaz. Não é com humor que se minimiza isto. Os Gatos não perceberam porque vivem noutro patamar. É preciso fazer um esforço para perceber como é que jovens de 20 anos são aliciados para o ódio e as razões que os levam a isso. É preciso falar com eles. É preciso discutir as suas ideias. É urgente acabar com o estado de coisas que origina que o ódio se volte contra o elo mais fraco (os imigrantes) quando se devia voltar contra o elo mais forte (a corrupção que segura este pantanal em que se tornou o país que os nacionalistas pensam que defendem).
Isto é tudo uma questão de ideias. As erradas e as certas. Eles têm razão, sabem? Perdeu-se a honra. É preciso dizer-lhes que a honra não está no ódio. A honra está, por exemplo, na honestidade, no respeito, naquela coisa que se chama ter uma coluna vertebral.
Eu percebo o ódio deles, mas o ódio deles está no lugar errado. Os anglo saxónicos têm uma boa expressão para isto: "your heart is in the right place". É cada vez mais preciso ter o coração no sítio certo. Alguns corações passaram-se para o lado errado. Perante o que temos assistido actualmente, e quem não vê não tem um problema de coração mas sim de falta de óculos, não é difícil perceber os porquês da coisa.

Por hoje é tudo. Ninguém é profeta na própria terra mas tenho a impressão de que me vou ter de referir a isto muito mais vezes, e com melhores palavras. Queria eu que não. Mas há três anos atrás, quando comecei a escrever este blog a insurgir-me contra o estado das coisas e a anunciar que chegava a escuridão, também me chamaram "pessimista" e "deprimida". Olhem, eu não estou deprimida. Estou apenas de olhos abertos. E vocês? Deus queira que desta vez a profecia caia em saco roto... but I don't think so.

14 comentários:

Pedro disse...

Eu caí aqui de para quedas. Não tenho acompanhado o blog.
Tenho verificado que as pessoas,em geral, não são democráticas.
Já vi mensagens minhas apagadas em foruns portugueses, britânicos e americanos.
A razão é sempre a mesma: As pessoas não gostam de ver expostas teorias que abalam as suas convicções.
Quando isso acontece as pessoas ficam irritadas e ou agridem quem põe em causa as suas ideias ou por e simplesmente apagam aquilo que as enfurece.
Quanto à emigração acho que devia haver mais emigração da ucrânia e rússia.
É o que precisamos.
Estou a falar a sério.
Vivo no sul .
Numa estadia no Porto reparo que as russas e minhotas são iguaizinhas.
Numa loja de empregadas russas e minhotas eu não conseguia distinguir umas das outras, por mais que tentasse.
Comentei isto com russa e mostrei-lhe minhotas vestidas com trajes tradicionais.
E eis que ela me diz que esses fatos ( tradicionais minhotos) , são iguais aos fatos tradicionais russos.
E esta , hein ?
(isto foi real).
Venham pois as minhotas de leste.
É disso que precisamos.

katrina a gotika disse...

Tens razão quanto aos trajes tradicionais. Os búlgaros são muito semelhantes aos nossos.

JPC disse...

Boa prosa, gostei e no essencial partilho de algumas das tuas inquietações. Não concordo contigo, porém, na análise pessimista da contemporaneidade. É assim agora como sempre foi assim. Olhe-se para trás para a história e perceba-se: o problema é transversal ao tempo e à humanidade. Mas este comentário anterior toca, ao de leve, na ferida. O problema quanto a mim, e quanto a muita outra gente que reflecte sobre isto, como John Gray (http://palavrar.blogspot.com/2007/03/servio-pblico-entrevista-de-carlos-vaz.html) ou o português Fernando Gil (que tem um livro magnífico precisamente intitulado A Convicção), é do domínio da própria convicção, ou crença, seja ela religiosa ou secular/ideológica. O problema, agora e sempre, é de gente que acha ser detentora da verdade e sente sua obrigação impor essa verdade aos outros. A bem ou a mal.
Quanto à honra, não se perdeu nada. É hoje como ontem. Obviamente que ainda há muita gente "honrada", nos termos que referes e obviamente que sempre houve gente corrupta e sem "honra" nenhuma (o nazismo, por exemplo, não nasceu ontem ou em 2005...). Muita coisa muda com o tempo, naturalmente, sobretudo as condições externas de vida, mas no essencial continuamos todos tão animais como há cinco mil anos atrás. Os carecas são só um bocadinho mais animais, pronto. Mas já os velhos sábios romanos como Cicero se queixavam que os jovens do tempo deles eram uma chusma sem valores nem princípios. Enfim... é como dizia, a estupidez e a ignorância (e o consequente ódio, etc) são factores universais e intemporais. Eu, que tenho quase 40 anos, bem me lembro que no "meu tempo", à excepção de meia-dúzia de lunáticos, a maioria se estava a cagar para o debate político. Mas também vejo que hoje em dia há muitos (arriscaria até a dizer mais) jovens a debater e a agir no plano cívico, cultural e comunitário, talvez não nos termos partidários ou institucionais clássicos, é certo, mas "eles andam ai". E com a vantagem de serem mais esclarecidos e menos espartilhados pela cegueira ideológica e religiosa de outrora, por via da maravilhosa globalização informática.
mas percebo perfeitamente a tua indignação.

fataemorganae disse...

Pois é... Nesse dito fórum as ideias ainda que colocadas não em jeito de ofensa são mal vistas... Um dos meus posts que não tinha nada de mais foi apagado juntamente com os outros...
Mas é assim... Infelizmente há pessoas que não sabem viver em democracia e que chegam ao ponto de se contradizerem...
Por um lado falam mal da vitoria de Salazar naquele programita de TV... Por outro servem-se do famoso "lápis azul"...
É normal que em threads daquele género haja discussões... esperam-se que construtivas...
A cultura sim... Mas quanto a religião nem me atrevo... A discussão iria acabar em censura certamente...
Mas também não nos podemos esquecer que a idade média dos users é de 16/17 anos.
Acima dos 22, devem haver umas 5/6 pessoas...
Acima dos 30 então uns 2 ou 3. E isso reflecte-se na maneira de escrever e de pensar... São poucos os que mantem uma conversa com cabeça, tronco e membros...
Tens razão quando dizes que há indiferença quanto à politica da parte dos jovens. Grande parte nem recenseado está porque acha que o seu voto não serve de nada.
Isto é sem dúvida preocupante...
Quanto à data dos Skins se misturarem com os Goticos, pelo menos do Bairro Alto falando é talvez um pouco anterior... Eu diria por volta de 2003... Ano em que deixei a vida nocturna um pouco de parte...
Gostei muito de ler estas tuas linhas... Já leio o blog há algum tempo mas só agora me deu para o comentar... (longamente... sorry)

Bernardo Kolbl disse...

Ouve pouco, se calhar.
Uma boa tarde.

Eu disse...

O passado interessa muito se aprendermos com ele, mas em Portugal somos alunos medíocres… Qualquer coisa não está a funcionar na maneira como as crianças andam a ser educadas, e nem todas têm capacidade nem vontade de se educarem a si próprias. Não estamos a criar indivíduos responsáveis e com um espírito crítico que lhes permita não se deixarem levar pela onda dos “falsos profetas”. Parece ser o resultado de uma sociedade onde impera a superficialidade, a agressividade e o egoísmo (muitos confundem-no com pragmatismo…). Inculca-se nos miúdos, desde pequenos, a importância do “ter” e do “mostrar”, em detrimento do “ser”. Acho que o nosso país é feito de comunidades egoístas e bairristas onde o racismo surge mais ou menos evidente quando nos identificamos com a nossa comunidade pela negativa, unindo-nos contra “o Outro”. Seja ele quem for.

katrina a gotika disse...

Estou a gostar dos vossos comentários.

Anónimo disse...

Subscrevo inteiramente a parte final; a narrativa não, por evidente desconhecimento. Não foram apenas alguns os corações que se passaram para outro lado: foram muitos. Que bom haver ainda muitos no sítio deles.

JPC disse...

att. pandora: concordo inteiramente com a primeira frase. Quanto ao resto do que escreves, remeto para o meu primeiro comentário: é assim agora e há muitas centenas de anos. De facto, assim de repente, não estou a ver nenhuma sociedade na história, ocidental pelo menos e de há dois mil anos para cá, onde não imperasse a superficialidade, a agressividade ou o egoísmo. Ou também me vão dizer que "antigamente é que era bom e a malta era toda generosa, culta, pacífica e profunda?". Não creio. Quanto às últimas frases, tenho para mim que é assim aqui, neste país cinzento e fadista, como é em todo o lado. Eu sei que isto se calhar não ajuda muito, mas pelo menos dá para por as coisas em perspectiva.

the dreamer disse...

A verdade, Gotika, é que a maioria dos jovens não sabe nada do que se passa, e pior, não quer saber.
Apercebi-me disto ontem quando fui com a escola dançar fora de Lisboa, e antes de sairmos o autocarro passou pelo Marquês de Pombal. Vi ontem pela primeira vez o cartaz. Claro que antes de o ver, já sabia de toda a polémica. O que aconteceu? Comentei a estupidez de acharem que o problema em Portugal é os emigrantes, e que eles só vêm para cá porque vêm fazer trabalhos que os portugueses não aceitam fazer.
Ninguém sabia nada da polémica dos cartazes e apenas uma rapariga se interessou pelo assunto, os meus colegas, 'lá estás tu com as tuas politiquices' e uma professora disse que 'isso não é um assunto a discutir aqui'.


Yuna

katrina a gotika disse...

Fantástico, Yuna. Fantástico.

Anónimo disse...

Acredito que muito boa gente não queira discutir com os senhores do cartaz ou as suas ideias por achar que não vale a pena, para não lhes dar crédito algum, para que não se fale deles, para não alimentar o monstro, etc, etc. Mas não é por não falar das coisas que elas desaparecem ou deixam de incomodar. Classificar determinados assuntos de tabu para que não haja discussão de ideias é mais fácil e menos incómodo. Não admira que as pessoas não saibam discutir e acabem com insultos.

C. J. disse...

Romanticida e Gotika, esse desinteresse que a 1ª de vocês presenciou é a caracteristica mais desgastante, estupida e raivosa do povo português e nao apenas de grupos ignorantes, analfabetos, sem acesso á informação, o pior é que é generalizada em todos os grupos da nossa praça.. e o mal é esse. Não o de haver um partido que defenda o que defender, mas o facto de por exemplo, o partido que temos no nosso Governo se encontrar ainda, impune não por ideias, mas por acções ainda piores que um cartaz...Não estou a defender o partido nacionalista, mas... como país democratico, nada é proibido de ser defendido, mas o que é feito impunemente é muito pior...

katrina a gotika disse...

Tudo é feito impunemente. Esse é que é o grande mal da nossa democracia, porque não pode haver democracia sem justiça. E a justiça tem de ser igual para todos, o que obviamente não acontece. Deste ponto de vista, nem sequer vivemos em democracia.