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quinta-feira, 21 de julho de 2016

Caixa Económica Operária: tradição de clandestinidade

 

Já lhe chamaram "um dos segredos mais bem escondidos da capital" mas se os edifícios tivessem alma, coisa em que não acredito, apesar de tudo o que parece, então a nossa (agora familiar) Caixa Económica Operária teria uma vontade própria para brilhar mais na obscuridade. Recentemente, no documentário da RTP2 "Antes da Pide", tomei conhecimento de que aqui se realizou o derradeiro congresso do Partido Comunista Português antes da ilegalização.
Na verdade, estou um pouco perplexa porque julguei que para escrever este artigo me bastaria ir buscar um link à Wikipedia, acrescentar uma frase ou duas, e feito. Para minha surpresa, tive de andar à procura dos factos a que o documentário remete, aqui:

«Aos vinte e nove dias de Maio de mil novecentos e vinte e seis, às vinte horas e quarenta e cinco minutos, na Rua Voz do Operário número sessenta e quatro primeiro, da cidade de Lisboa (1) reuniu-se em segundo Congresso a massa filiada no Partido Comunista Português secção da Internacional Comunista», tendo a saudação aos delegados sido feita pelo «camarada Rodrigues Loureiro, Secretário-Geral interino da Comissão Central» (2) . Assim começa a Acta que regista a abertura, há 80 anos, dos trabalhos do II Congresso do PCP, iniciado, portanto, um dia depois de os militares golpistas comandados pelo general Gomes da Costa se terem sublevado em Braga e iniciado a sua marcha para Lisboa, onde acabaram por chegar quando os trabalhos do Congresso estavam a terminar.


E aqui:

O II Congresso realiza-se em 29 e 30 de Maio de 1926, na Cooperativa Caixa Económica Operária, em Lisboa. (...) Com efeito, a ditadura desencadeia uma forte vaga repressiva contra os comunistas e as organizações e militantes democráticos e sindicais. Centenas de dirigentes operários e militantes comunistas são presos.


E nem mesmo aqui quiseram mencionar o local:

II Congresso
(1926)
O II Congresso inicia os seus trabalhos a 29 de Maio de 1926, em Lisboa, mas estes - que contavam com a participação de 100 delegados - são interrompidos em consequência do golpe militar reaccionário que irá conduzir à instauração da ditadura fascista.A repressão aos comunistas não se faz esperar e. em 1927, a sede do PCP é encerrada. O PCP entra na clandestinidade, Da primeira reorganização do Partido, em 1929, emerge a figura de Bento Gonçalves que virá a ser Secretário-geral do Partido.


Esta clandestinidade da Caixa interessa-me pessoalmente porque, segundo fontes familiares, era onde o meu pai se continuou a reunir com a célula do partido muito depois da ilegalização. Faz-me confusão que não exista mais informação disponível online, ou se calhar sou eu que já estou mal habituada, e eu ainda sou do tempo pré-histórico Antes da Internet, das bibliotecas e dos pedidos por favor que nos deixassem ver os arquivos. Mesmo assim, acho estranho que um edifício tão cheio de história não tenha mais páginas online a contá-la. Começo por fazer a minha parte, e cá está.


Actualmente é outra a "clandestinidade" da Caixa (mas ainda assim não menos clandestina, e ainda bem que o é, o tal segredo mais bem guardado de Lisboa) e são outros os subgrupos que a povoam. Curiosas as voltas que a História dá, que me encontrei a cruzar o caminho extinto dos passos do meu pai, noutros passos completamente meus.
Serve este artigo, pois, para chamar a atenção para a tradição de clandestinidade de um edifício, Rua da Voz do Operário nº 64, que parece ter alma própria e gostar pouco de ser falado. A avaliar pelo sucesso dos últimos anos, agora que outra Comissão gere a "clandestinidade" desta moderna CEO, o espírito da casa tem acolhido com aprovação os novos inquilinos. Uma imensa minoria, diria alguém, uma minoria ainda menos imensa, digo eu.
Mas termino com humor. Passou-me pela cabeça, ao conhecer o passado do lugar, o que aconteceria que se de repente ali se abrisse um portal espaço-tempo, como tão a propósito seria que acontecesse num edifício tão carregado de história, e de repente ficassem frente a frente os comunistas daquele tempo, e os PIDES daquele tempo, e os estupefactos visitantes de agora. E quase imagino comunistas e PIDES, daquele tempo, por única vez a concordar, de olhos esbugalhados: "Esta juventude está perdida!"
Perdida não, que encontrou onde se encontrar.


domingo, 11 de novembro de 2012

Rosa Crux ao vivo na Caixa Económica Operária 3.11.2012 [actualizado: foto]

[Foto de Nuno Consciência, gentilmente cedida via Abismo Humano.]

Publicado originalmente no Pórtico.

Estive quase para não ir ver. Muitos factores. Cansaço sobretudo. Antes de anunciado o concerto o nome da banda era-me apenas familiar. Não conhecia a música. Nisto entram ainda mais factores que não vou enumerar, mas saliento acima de tudo a falta de tempo para procurar música nova que me interesse (era diferente nos anos da adolescência, e este tema dava pano para mangas, mas não me vou alongar).
Os concertos têm tido, pelo menos para mim, o efeito de motivar a pesquisa. Foi o que fiz e descobri os Rosa Crux. Quanto mais os ouvia e via (existem online suficientes vídeos de performance ao vivo) mais me convencia de que devia ir.
Que o devia a mim própria.
Que o devia aos Rosa Crux.
Que uma banda como os Rosa Crux merece um obrigado presencial. E o apoio necessário para continuar.
Foi tudo cinco estrelas. Só faltou o público. Várias razões podem explicar que a Caixa Económica Operária estivesse a um terço da sua capacidade. Festas de Halloween, primeiro concerto de Dead Can Dance em Portugal a 24 de Outubro na Casa da Música, fim-de-semana propício a ponte que pode ter levado muitos (dos que têm possibilidade de ir) para fora de Lisboa, e, last but not least, a fatídica falta de dinheiro (dos que não têm possibilidade, ponto final).
Os Rosa Crux não se incomodaram com a escassez de público. Um público, porém, talvez demasiado tímido, o que motivou a que o vocalista pedisse às pessoas para se aproximarem do palco. As pessoas aproximaram-se. Timidez talvez de parte a parte uma vez que exceptuando o "bon soir", o pedido que não se fumasse para não prejudicar a voz, e o anúncio da música final, a que se seguiu o encore com mais dois ou três temas instrumentais, Olivier Tarabo sorriu muitas vezes mas não falou. Se problemas havia, com a voz, esta foi bem poupada porque não se notou qualquer falha.
Não tenho uma lista de temas (aliás, temeria errar se me aventurasse por aí) mas ouviram-se certamente os mais conhecidos, e até os outros, de tão bons, não pareciam desconhecidos. Não faltou a performance "La danse de la terre". Melhor do que descrever o que existe amplamente em imagens na internet, convido os leitores que não conhecem e/ou nunca viram ao vivo a ver por si próprios. Ao vivo não faz a poeirada que parece. Diria mesmo mais, eu que não sou nada adepta de performances teatrais deste género, logo completamente insuspeita de favorecimento, achei que a performance se passou com uma naturalidade que não colocou pessoas menos "teatralmente interactivas" (como eu) pouco à vontade. Confesso que tinha receio que acontecesse qualquer cena propícia a fobia social como o público ser convidado a participar. [Alguns artistas não compreendem que algum público não quer participar. Felizmente, não foi o caso.]
O facto de existirem na internet tantos exemplos do que a audiência pode actualmente esperar dos Rosa Crux (inclusive da participação no Entremuralhas 2011) suscita-me a inutilidade de entrar em mais pormenores. Tudo o que virem em vídeo é melhor ao vivo. Está tudo dito. Foi um bom concerto. Um grande concerto. Um dos melhores que já vi. Faltou o público. A banda não se importou. Merecia mais.

Rock gótico
Muitas vezes me perguntam o que é o gótico. Não vou responder a isso agora.
Muitas vezes me perguntam o que é a música gótica. A resposta é tão complexa que costumo responder que a música gótica é a música que os góticos ouvem. Tecnicamente não é bem assim, mas serve. Hoje, ao falar dos Rosa Crux, posso afirmar: isto é música gótica. Mais especificamente, rock gótico. Guitarra, contrabaixo, piano, sinos, coros, temas épicos, ritualísticos, melancólicos, sempre cobertos de obscuridade (no caso dos Rosa Crux tamanha obscuridade que as próprias letras são em latim), e acompanhamento electrónico suficiente. Pode não parecer importante, para ouvidos mais jovens, mas o rock gótico dos anos 80 (isto é, quando o rock gótico hoje chamado "clássico" foi inventado) era descrito como "voz grave, guitarra, baixo, caixa de ritmos". Na altura, o uso da caixa de ritmos a substituir a bateria era algo de inovador e ousado! Lembro-me de uma discussão sobre se os Cult eram ou não góticos porque usavam bateria em vez de caixa de ritmos. Os Fields of the Nephilim idem. É difícil explicar isto a ouvintes mais recentes mas nos anos 80 os géneros musicais também eram catalogados consoante os instrumentos que usavam. Era tudo muito compartimentado. As bandas de rock não usavam sintetizadores, as bandas de rap não usavam riffs de heavy metal, as bandas de heavy metal não usavam vocalizações pop. Era a Lei. Tudo o que saía destas "caixas" era um bicho de sete cabeças. Eram tempos simples, em que os Depeche Mode faziam música electrónica, ponto final, Madonna fazia música pop, ponto final, os U2 faziam rock, ponto final. Imaginem a nossa surpresa quando aparecem, nos anos 90, umas bandas esquisitas como os Rammstein, a usar sintetizadores e guitarras! Seria electrónico, seria rock, seria industrial?
Tudo isto para explicar porque digo que os Rosa Crux, embora o primeiro álbum date de 1995, seguem a base clássica "voz grave, guitarra, baixo, bateria e/ou electrónico", logo, o rock gótico como o conhecíamos. Sem preconceitos ou receios. É curioso notar que os Rosa Crux existem desde 1984, mas talvez o público não estivesse pronto para os Rosa Crux. [Outras bandas, como os Alien Sex Fiend, sofreram devido ao mesmo génio.] Eu própria me imaginaria, na altura, a torcer o nariz a toda a imagética de sinos, velas, caveiras, rituais, e a remetê-los para a secção "demasiado religioso para o meu gosto".
Os gostos, na altura, e maioritariamente, eram outros, não preciso de os enumerar agora, mas talvez seja mais do que tempo de reconhecer aos Rosa Crux o estatuto que merecem.
Se me pedissem um exemplo de rock gótico, presente, alive and kicking, dificilmente encontraria melhor.