domingo, 12 de julho de 2020

The Terror: Infamy


“The Terror: Infamy” é a temporada seguinte na sequência do excepcional “The Terror”. Digo “seguinte” e não “segunda” porque a história não tem nada a ver com a da primeira. Nem a história nem a qualidade. Na minha opinião, e não sou a única a pensar assim, era bem melhor terem feito uma série diferente sem acartar o peso da temporada original. Comparar esta temporada à inicial (uma das melhores séries de terror que já vi na vida, senão a melhor) não faz nenhuns favores a “Infamy”, pelo contrário.
Não é que eu não estivesse preparada para a decepção. “Infamy” tinha uma tarefa quase impossível, estar à altura de uma série que é praticamente perfeita, a que eu só não daria 20 em 20 por ser picuinhas e pelo CGI do tuunbaq deixar muito a desejar. Dava-lhe 18 em 20, mesmo assim. A “Infamy” posso dar 14 em 20 pela parte histórica e pela cinematografia; não posso dar mais porque não merece.
“Infamy” passa-se nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, logo após o ataque a Pearl Harbor, quando os residentes japoneses foram declarados inimigos de guerra e presos em campos de concentração. Esta é uma passagem da História da América que só recentemente começou a ser discutida abertamente, e é actualmente considerada uma infâmia. Não foram aprisionados apenas os imigrantes japoneses como também a segunda geração, isto é, cidadãos plenamente americanos nascidos e criados nos Estados Unidos. Todos foram arrebanhados das suas casas e enfiados em barracas sem condições nem dignidade, em campos com arame farpado sob custódia do exército, a lembrar os judeus na Alemanha mas sem as câmaras de gás. Nesta série participaram muitas pessoas que estiveram nesses campos eles próprios, ou que são descendentes. O tema de ”Infamy” é muito bom e teria sido melhor fazerem um drama histórico em vez de uma série de terror porque, honestamente, foi a parte de terror que estragou tudo.
O que se salva em ”Infamy” são precisamente os pontos que tem em comum com a temporada original. Tal como no caso das tripulações do HMS Terror e do HMS Erebus no mar árctico, estas pessoas também já estão a viver um filme de terror sem ser preciso o sobrenatural a piorar a situação.
Tal como em “The Terror”, o sobrenatural é exótico e tem a ver com a cultura dos protagonistas. O tuunbaq, no primeiro caso, o yurei aqui, um espírito vingativo que consegue levantar o próprio cadáver da sepultura ou possuir pessoas conforme isso sirva o seu objectivo.
E, tal como em “The Terror”, existe o uso das fotografias distorcidas a indicar que algo de sobrenatural e ameaçador está prestes a acontecer. Temos até uma explicação para estas fotografias em ambas as temporadas. Chester Nakayama, o protagonista, pergunta ao seu professor de fotografia porque é que as fotos saíram assim e este diz-lhe que a máquina fotográfica é a maneira como o fotógrafo se relaciona com o mundo. Isto é, que as fotos saíram distorcidas porque o fotógrafo pressentia uma distorção na sua realidade. Gostei desta explicação, um pouco poética e um pouco psicológica, e não preciso de explicação melhor. Gostei que a explicação também se aplicasse às imagens distorcidas captadas pelo doutor Goodsir em “The Terror”. E gostei das cenas com os pescadores japoneses a pescar em águas geladas, tal como em “The Terror”, e tudo o que me lembrava da primeira temporada só me fazia saltar à vista que não estava a assistir a uma história com a mesma qualidade, e a comparação ainda prejudicava mais o que já não era bom.
O primeiro episódio até promete. A primeira morte é arrepiante, se calhar porque  ainda não sabemos o que se passa. O drama dos japoneses nos campos de concentração, a desconfiança e o ódio dos americanos para com aqueles que até há pouco tempo eram seus vizinhos, é cativante e vale a pena. O romance de Chester Nakayama com uma mulher de outra minoria, Luz Ojeda, filha de mexicanos, também ajuda a estimular o interesse. As primeiras aparições do yurei, o espírito vingativo, na forma de uma japonesa lindíssima e, por esse motivo, mais enganadora e perigosa, também são intrigantes. Onde é que tudo isto falha? É na continuação. Afinal o yurei queria a alma de Chester, mas depois já não queria e qualquer alma de criança lhe servia, mas depois já queria os filhos de Chester, e entretanto acho que já nem o yurei sabe o que quer. Não me perguntem, eu também percebi muito pouco. E uma história tem de fazer sentido. Aqui até parece que quem começou a escrever não sabia como acabar e desatou a improvisar às três pancadas. Não correu nada bem. A história tornou-se cada vez mais errática, tanto a nível do yurei como a nível das personagens humanas (num episódio Luz já não quer ver Chester à frente, mas 30 minutos depois já quer viver com ele, sem que nada tenha acontecido para a fazer mudar de ideias) e começou a ser um bocadinho doloroso de assistir.
Existem algumas partes que realmente espelham qualidade, como o Além onde o yurei está aprisionado, uma espécie de Céu e de Inferno ao mesmo tempo, e toda a envolvente histórica, e os episódios em Guadalcanal que nos mostram o horror real da guerra, mas depois parece que tudo isto foram cenas escritas separadamente umas das outras e que alguém teve de as coser numa manta de retalhos que saiu assimétrica e feia. As cenas de terror propriamente dito, que deviam ter sido arrepiantes como foi a primeira, simplesmente não tiveram o impacto que deviam porque a certa altura já não sabemos o que se passa, nem temos a certeza se nos interessa saber, e é como assistir a um desenho animado em que os personagens não são de carne e osso. Havia aqui bastante material para agarrar o espectador, mas foi desbaratado.
Alguém mais mauzinho do que eu disse que “infâmia” é chamar “The Terror” a esta temporada. Eu também acho que é melhor esquecer essa parte do título e ver isto como uma tentativa falhada de criar algo verdadeiramente pungente. Se calhar o problema foi esse, como no caso da expedição perdida do HMS Terror, ambição a mais.

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