quinta-feira, 4 de junho de 2009

Quando começou a tristeza? Vi um filme, recentemente, em que era perguntado a uma das personagens quando tinha acontecido, esse momento, em que a tristeza começou. Mais uma vez (porque não me é desconhecida a resposta) pus a pergunta a mim própria. De novo me questionei se houve alguma vez, na infância... Mas não houve. Por dramática que soe a resposta, a verdade é que sempre me conheci triste, desde que tomei consciência de ser pessoa. Certamente que as próprias condições familiares em que nasci e cresci, na infância, tiveram a ver com essa tristeza. Não é alheia também a pobreza. Durante a infância interessava-me pelas actividades de que todas as crianças gostavam, mas nunca havia dinheiro para nada. Acabei por perder o interesse em quase tudo. Isso podia-se ter alterado a algum ponto da minha vida mas nunca se alterou. Não acredito que a pobreza pura e simples (embora nunca tenha conhecido outra coisa e acreditando apenas em relatos de quem se encontrou em situação semelhante) signifique necessariamente infelicidade. Mas no meu caso, a quem faltavam também os bens não materiais, foi crucial. E como eu sempre fui diferente, mais sensível, muito mais sensível do que os demais, porque sentia mais também sofria mais.
Agarrei-me à televisão e aos livros como a única fuga possível. A televisão. Os livros. Não digo libertação, mas fuga. Ainda hoje o são, e foram o meu único escape até descobrir a música. Só na música, e na escrita, encontro momentos de libertação, momentos em que a tristeza não desaparece mas em que a consigo esquecer. É por isso que apenas no meio de vós, góticos, me sinto em casa, e são esses os únicos momentos em que sinto que pertenço a alguma coisa. Não há mais nada além disso.
Nos últimos três anos, altura em que os bens materiais já nada me diziam, fui progressivamente destituída também de ser aquilo que EU considero ser uma pessoa. Não tenho esperanças de voltar a sê-lo. Não tenho esperanças de voltar a Ser.
Acho que há coisas que, por serem tão graves, não ser resolvem com "pequenos momentos de alegria" (o que raio será isso?) mas apenas com mudanças radicais. Não adianta tentar plantar um jardinzinho onde caiu uma bomba nuclear, para embonecar a coisa. Às vezes ainda me admiro onde vou buscar as forças para continuar, contrariada, continuar.
Não tenho planos nem quero fazê-los.

2 comentários:

Tomás disse...

É preciso tomates muito grandes para derramar assim o nosso íntimo no meio da rua onde toda a gente o possa ver e julgar.

A minha vida é praticamente o negativo da tua e sinto que acabámos os dois no mesmo sítio.

Sinto que já capitulei há muito muito tempo. Lembro-me duma altura no início em que para contrariar a minha aparência de pessoa que inspira confiança deixei crescer cabelo e barba até parecer um anarquista sem abrigo, num esforço consciente para transmitir uma imagem de "barco a afundar, não entrar". Acho curioso que a altura do natal e ano novo também sejam as mais críticas por esses lados. Eu e o meu irmão também reparámos nesse padrão com a minha mãe. A minha explicação era que no natal e ano novo era a altura tradicional para se passar com a família, e que a minha mãe sentia a pressão dos pares (resto da família) em como tinha falhado em manter uma família.

Quando andávamos todos a caçar bisontes, cultivar os campos ou andar à porrada com as tribos vizinhas as pessoas mais velhas davam espaço às pessoas mais novas porque lhes faltavam as forças. Era a ordem natural das coisas e não havia como se lhe escapar. O poder passava inevitavelmente para os mais novos. Hoje a força física não interessa, e como animais que somos só largamos o osso quando somos obrigados. Se não somos obrigados continuamos agarrados, e como seres humanos que também somos arranjamos desculpas para continuar no poder - ah e tal, porque estou a providenciar para os meus filhos, consigo isso melhor que eles e é a minha obrigação. Para agravar as coisas, no mundo de hoje a experiência e manha são o que conta mais, e isso são coisas que a idade amadurece, como acontece com os vinhos. A moral da história é que os putos que se fodam, nós por cá continuamos e havemos de tomar conta deles. E como não sabemos tudo, não percebemos o mal que isso está a fazer aos putos. Nem nós, os putos, percebemos muito bem. Só nos apercebemos que qualquer coisa está mal e apontamos detalhes específicos. Que são obviamente ignorados, porque afinal de contas somos putos, que percebemos nós disso?

As pessoas bem sucedidas que eu conheço (e conheço algumas) são aquelas que se adaptam a isto, como pequenas decorações na fachada dum arranha-céus. Obtêm os seus graus académicos para poderem obter uma posição onde sejam pagos em função desse grau, não propriamente porque façam alguma coisa de relevante - afinal de contas, quem faz as coisas relevantes são as pessoas mais velhas e experientes. São obedientes porque são recompensados (como os cães), e os mais ambiciosos aprendem um ou outro truque para impressionar os patrões/donos (como os cães).

Em troca recebem os restos da mesa dos donos (como os cães) e vão brincar com eles. Compram roupa, discos, vão a concertos, gastam a mesada que os donos lhes dão em bugigangas para se entreterem e esquecerem a vida de merda que têm.

Um dia mais tarde, muito depois de os joelhos já lhes doerem, quando a mãe natureza os olhar e disser "o quê, com esta idade é que queres ter filhos? Já nem devias estar vivo!" terão a experiência e manha necessária para conquistar as posições que os falecidos e senis deixarem vazias e poderem finalmente sentarem-se à mesa como gente.

Achas que é uma visão adequada do nosso mundo? Consegues ver a justiça? Consegues ver a igualdade e fraternidade? E o cão come cão nas entrelinhas?

katrina a gotika disse...

É preciso tomates muito grandes para derramar assim o nosso íntimo no meio da rua onde toda a gente o possa ver e julgar.

Agradeço o elogio mas no meu caso não sei se é coragem ou pura e simplesmente necessidade de desabafar em qualquer lado, ou aquela necessidade do único sobrevivente de um naufrágio que se encontra sozinho numa ilha deserta de deixar algo escrito a contar a história, a dizer "eu sobrevivi e estive aqui". Já escrevi aqui sobre isso. Às vezes é essa a sensação que tenho ao escrever este blog.

O que dizes da sociedade é verdade e não contesto, se bem que fora do contexto destes desabafos pessoais. Ainda hoje estava a pensar que é necessário que a sociedade volta a ter valores como a amizade, a lealdade, a sinceridade, a palavra dada, a honradez, coisas que se perderam, que se perderam irremediavelmente. Não acredito que se consiga continuara assim muito mais tempo porque a sociedade humana precisa de cooperação para funcionar. Não somos lobos solitários mas formigas. Se as formigas enlouquecem e se atacam umas às outras o formigueiro está condenado. Por isso acho que esta falta de valores vai ruir também, e temo que as pessoas se voltem (mais uma vez) para o outro extremo, o do fanatismo, que já se anuncia por muitos lados.