quinta-feira, 8 de maio de 2008

Ju-On (2000)



Também conhecido por "The Curse", título americano, que depois de adaptado se tornou o mais bem conhecido "The Grudge", este é o primeiro filme da série realizado por Takashi Shimizu em 2000.
É difícil recordar o que era o mundo no ano 2000 e o que poderá ter dado azo a alguém descobrir esta pólvora, mas, é inegável, este filme mete mesmo medo, até aos veteranos de guerra como esta humilde vossa. Vou tentar explicar porquê.

Não tenho medo de miados de gatos na noite, era só o que faltava, e o princípio do filme até nos faz rir. Quando o espectador fica à vontade, na ilusão do ridículo, visitando aquela agradável casinha japonesa de dois andares, zás!, desatam zombies a sair do roupeiro! E de repente a casinha já não é tão agradável, já não se sabe que imagem horrorosa se vai cruzar com os meninos de uniforme da escola, com o professor de fato e gravata, com a mãe de família, todos pessoas muito normais que tiram os sapatos à porta e se dedicam aos afazeres mais quotidianos sem imaginarem o que os espera.
A mistura de flashbacks mal anunciados leva o próprio espectador a cair numa confusão que, à segunda vista, não parece assim tão inocente. Anestesiado pela falta de lógica, enquanto tenta fazer sentido do que vê, fica paralisado e receptivo a todos os horrores que o realizador lhe mete pelos olhos dentro. O gato também é um zombie? Parece que sim, mas só se percebe depois. E será que se percebe ou que se tenta recriar a história rocambolesca até descobrir os seus meandros mais suculentos?
O enredo oficial é simples: um marido ciumento mata a mulher e o filho quando descobre que ela tem uma paixão pelo professor do miúdo. Os espíritos das vítimas assassinadas voltam, então, para se vingarem em todos os inocentes que apanham pelo caminho. Parece muito simples mas se calhar não é. O marido ciumento não mata só a mulher e o filho como mata também o gato. Numa lógica muito retorcida pode-se imaginar porque mata o fruto do casamento, mas porque raio mata o gato? Se tivesse cão, também matava? Periquito? Iguana? Carochinha? (E já agora, no colégio, porque é que os coelhos também são mortos?) Nada nem ninguém escapa à fúria assassina? Por sua vez, a alma do gato também volta para se vingar? A morte é tão injusta e a revolta tão avassaladora?...
O marido ciumento não se fica por aqui. De seguida mata a mulher grávida do professor que, aparentemente, não faz ideia da tragédia que causou. Ou será que faz? Afinal, em pedaços subtis, é afirmado que dormiu em casa da esposa assassinada quando ainda eram colegas de colégio. E porque diz o assassino: "eu tenho tomado conta do miúdo, agora é a tua vez"? Qual é realmente o grau de inocência de cada um dos personagens? Porque é que o professor tem uma alucinação em que se vê a assassinar o gato, com as mãos sujas de sangue?
Fora estas adivinhações de alcova, que já são fruto da minha dedução, porque é que o filme funciona tão bem? Penso que a resposta está na simplicidade com que pega em clichés e os adapta de forma inesperada. A criança, para quem sabe que está a ver um filme de terror, desde o princípio parece mais viva que morta mas não engana ninguém, excepto o professor que o visita. Mais uma vez, só não vê quem não quer. Uma das primeiras imagens do filme é a casa, ao fundo, em grande plano, tranquila e normal, rodeada de árvores e verdura, mas quando a câmara foca o que está perto o espectador percebe que tinha debaixo do nariz uma teia e respectiva aranha. Os miados de gato também dão à coisa uma familiaridade que podia ser à nossa porta. Passa uma velhinha e olha e não vê nada. Todas as pessoas assassinadas desaparecem sem deixar rasto. Só se percebe depois que o gato que faz tanto barulho, brincadeiras à parte, é o único aviso que de facto chega aos sentidos de todos, mas ninguém ouve. Tal como o menino que está morto e o professor também não vê. E o espectador já viu os clichés trezentas vezes, e mesmo assim não adivinha porque está demasiado bem feito e mexe com os nossos mitos mais profundos, tão antigos e inconscientes como o do gato preto e da bruxa.
Por exemplo, uma das razões porque os seres humanos são tão impressionáveis em relação aos miados dos gatos, principalmente quando lutam, é porque estes parecem choros de bebé ou gemidos de criança. O que é verdadeiramente aflitivo. Ver uma criança em perigo a fazer o som de gato é duplamente aflitivo: primeiro, porque desperta em nós o instinto de protecção da espécie; segundo, porque é tão anti-natural que dá náuseas. Por esta altura já estamos muito mal dispostos.
Depois, o mito do roupeiro. Desde pequenos que sabemos que as portas dos armários do quarto não se deixam entreabertas. Nos guarda-fatos há monstros que por magia saem para fora quando há uma fresta disponível. E ao ver este filme quase pensamos que se a porta do roupeiro não estivesse aberta nada disto acontecia. E sabemos bem que não. Tal como sabemos que não se fica sozinho numa casa estranha onde todos os barulhos são diferentes.
Não só utilizando os clichés, Ju-On soma e segue brincando com eles. Toda a gente sabe que num filme de terror falta sempre a luz quando chega o monstro. Aqui, é uma das próprias personagens que se entretém a acender e a apagar um candeeiro, clic, clic, clic, clic, até que, como se esperava, este não torna a acender. Quem a mandou fazer sinais de luz, certo? Todos sabemos que a luz que se acende numa sala escura não é para apagar.
E, acima de tudo, todos sabemos o que acontece quando se vai procurar barulhos em cantos escuros. Na infância, pelo menos, todos sabemos, mas entretanto esquecemos ou fizemos por esquecer. Ju-On vem relembrar-nos que as portas do roupeiro são para fechar.
No fim do filme, diz-nos a espírita de serviço que a verdade está no sake. Quando os fantasmas passam pela aguardente e esta chega às bocas mais impressionáveis está aberta a porta para saírem zombies dos armários. Este retorno à vida adulta, inesperado e cómico, vale mais uns pontinhos extra. Pelo sim pelo não, é melhor não confiar na aguardente de casas estranhas.


17 em 20.

8 comentários:

Fata Morgana disse...

:) Espero que haja em DVD, porque fiquei cheia de vontade de ver!

Klatuu o embuçado disse...

Olha eu gostei muito do filme, faz um belo uso da técnica do suspense e inflige bem no espectador uma atmosfera metafísica do horror.

Quanto ao argumento, é igual a todos os outros, os filmes de horror nem precisam de história.

katrina a gotika disse...

Morgana, deve haver em DVD, mas assegura-te de que é o filme de 2000, e o primeiro, porque há sequelas que ainda não vi e cujas críticas não são nada de jeito. Este é mesmo o primeiro.

E, Klatuu, claro que os filmes de terror precisam de história. Sem história não funcionam porque não "pegam" na parte emocional e ninguém os leva a sério. Ninguém tem medo do que não leva a sério. Logo, não funciona.

Klatuu o embuçado disse...

«Nem»... Têm, mas não é por aí.

Lumig disse...

Vejam a série completa que vale a pena :)

Lumig disse...

p.s. - as sequelas

http://www.imdb.com/title/tt0330501/ ju-on: the curse 2 também de 2000

http://www.imdb.com/title/tt0364385/ ju-on: the grudge (2003)

http://www.imdb.com/title/tt0367913/ ju-on: the grudge 2 (2003)

ainda está para sair o que será o último capítulo.

katrina a gotika disse...

Se for tão mau como as sequelas..

Lumig disse...

A série inteira já é do tipo "ou se gosta ou se detesta", por isso a mim não me vai fazer diferença nenhuma.

Cumprimentos