quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

Mais vale ver o filme

"Salem's Lot", de Stephen King, relata a chegada de um vampiro muito antigo à pacata cidade de Salem's Lot e a consequente infecção vampiresca que em espaço de poucos dias transforma todas as casas e respectivas famílias - pai, mãe e filhos bebés - em covis de vampiro. Desta sorte só escapa um garoto que lê histórias de terror, um escritor e um padre. Quanto ao padre, não tenho bem a certeza se escapa. Terá talvez, na sua fuga da igreja onde já não podia fisicamente entrar, inciado um novo foco de de vampirismo para onde os passos o levaram. O seu destino é de todos o mais misterioso. Do ponto de vista literário, deve ser a primeira vez que o digo aqui: mais vale ver o filme. Este ainda não vi mas não custará muito que supere o livro, e podem-se esperar os sustos e saltos na cadeira com que tão mal o cinema americano tem transformado o terror num filme de "screams". Do ponto de vista do vampirismo em geral, que é o que interessa a nós, "vampire lovers of the world", a disseminação vampírica é inconsistente. Stephen King segue o cânone medieval em que a vítima se transforma também em vampiro. Ora, se assim fosse, desde esses tempos até hoje, e com tanta gente mordida, já éramos todos vampiros. (Talvez sejamos e não saibamos.) Tudo o que não tem lógica, numa história de terror, perde grande parte do potencial (se não todo) do seu objectivo último que é meter medo. É para isso que servem as histórias de terror. Mas Stephen King não quis ser original. Se Tolkien reescreveu o Velho Testamento, o senhor preferiu reescrever "Drácula" à americana... e não saiu nada de jeito. No mínimo, e para que o mito fosse respeitado, ao eliminar o vampiro principal, o patriarca, a fonte, todos os outros se desfariam em pó. Não acontecendo isto, e não sendo observada a regra de que a vítima tem de beber o sangue do vampiro que a transforma (como em Bram Stoker ou Anne Rice) é como digo: por esta altura até o Van Helsing seria um vampiro. Filosofia? Sim, há. Um dos que se safam, mas porque foge a tempo, é o sheriff da cidade, que com a sua sabedoria de muitos anos de observação se apercebe desde o princípio do que está a acontecer e justifica o lavar de mãos com a sua decepção geral perante o ser humano: "Acho que eles vão gostar de ser vampiros. A cidade já estava morta. Sim, eles vão apanhar-lhe o jeito. Mas eu não. Eu vou-me embora." Há sempre quem o faça, caro Gillespie.

Outro livro que li recentemente foi "Os Filhos dos Homens" ("Children of Men") de P.D. James, e tão fraquinha é a literatura que mais uma vez... mais vale ver o filme. Não que a ideia original não seja boa, um futuro próximo em que o ser humano perdeu a capacidade de se reproduzir e que por isso está condenado a uma lenta extinção, mas a história (passada em Inglaterra) perde-se demais em chás das cinco, encontros em museus e visitas nostálgicas a igrejolas decrépitas. Dizem que o filme tem mais acção. Mesnos acção seria impossível, excepto, talvez, se fosse Manoel de Oliveira a realizar. Filosofia? Eu cá, se fosse Deus, e se quisesse acabar com esta merda toda, e acho que há razões para isso, era mesmo assim que o fazia. Um apocalipse soft, sem massacres nem anjos de espadas vingadoras, fazia mesmo o meu género de apocalipse. O meu tipo preferido de Ómega.

1 comentário:

Klatuu o embuçado disse...

Falando de vampiros...
a) muita gente que aqui vinha era mesmo por curiosidade mórbida e fantasia sexual. Isto sabias.
b) isto dos blogs - em termos de relacionamentos - é bom para limpar o cu. Isto sabias.
c) da vida já não conhecemos ninguém... daqui também não; muito menos. Isto sabias.
d) não há solução para a vida... e por isso é um absurdo tentar encontrá-la aqui, em frente a um monitor... E isto: sabias?

Dark kiss.

P. S. Continua a pagar as contas, que está um frio do caralho! ;)