terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Este é um daqueles posts complicados que uma pessoa se arrepende de sequer pensar em escrever, mas vai ter de ser.

Descobri o que a vida é. A vida é a perda consecutiva e sistemática de tudo e mais alguma coisa. Não viemos aqui para acumular ganhos, mas sim para perder tudo. No fim, perde-se a própria vida. Já tinham pensado nisso? Nesta sucessão de perda em perda até à perda final?
Bem, eu pensei. Devia ter três anos quando pensei nisto pela primeira vez. Não pensei nisto bem assim, claro. Deve ter sido por volta dessa altura que percebi o que era a morte, e que tudo e todos iam morrer, e a partir daí nunca mais percebi o que estamos aqui a fazer se só estamos à espera da morte. A parte da perda só percebi agora. Estamos aqui para perder, para aprender a odiar esta Terra a ponto de nunca mais querermos cá voltar. Porque de outra maneira, quem é que queria ir para outro sítio?

Há quem responda a esta argumentação que ela é uma forma de consolação para as pessoas que tiveram o azar de ter má sorte. Estou ciente disso. Admito que sim. É uma hipótese. Que eu tenha muito azar.

Mas não deixa de ser a forma como eu vejo a vida e quanto a isso não há nada a fazer. Facto.

Sabem, no ano passado passei pelo inferno. A pior parte foi ter de aceitar que aquilo que me resta é aquilo que me resta. (Ainda não aceitei.) Mas para aqueles que leram desde aí, posso dizer-vos que agora tenho uma escravidão (trabalho) mais ou menos estável, que posso dar-me ao luxo de acender o aquecedor quando está frio (porque é que pensam que gosto tanto do Verão, duh?!...) porque já há dinheiro para a electricidade, que actualmente já consigo deitar-me todos os dias às 4 da manhã e cada vez mais cedo (um esforço titânico que dura quase há um ano e pelo qual ninguém, NINGUÉM!, pelo menos aqui, me vai dar valor), e que, enfim, estou a sobreviver.

Mas não era só disso que queria falar-vos. Este blog vai fazer três anos. Três anos é muito tempo. Hoje, pela primeira vez desde que o comecei, passou-me pela cabeça deixar de o escrever. Nunca antes tinha pensado nisso, mesmo na altura em que era uma hipótese bastante provável ter de abdicar da internet por não a poder pagar. Pensei sempre em voltar assim que pudesse. Mas hoje não. Hoje foi mais existencialista. (Privilégio de ser rico e não ter de me preocupar em como pagar a internet, talvez. Os ricos sempre tiveram a mente mais livre para a filosofia.)
Não por ter falta do que dizer, nem por sombras. Eu tenho sempre algo que dizer enquanto o mundo não parar de girar e pelo que eu sei ainda não parou.
Digo "existencialista" porque dei por mim a pensar para que é que isto existe. Nesta altura da minha vida, a única coisa que faz sentido é meter-me nos copos e esquecer tudo. Talvez me deva dedicar mais a isso e menos a isto. Vou pensar no assunto. Escrever isto para quê? Já aqui está o suficiente para encher um livro. Se calhar, já chega.

E depois, sinto que no último ano envelheci uns dez. Foi uma coisa abrupta, uma coisa que veio de dentro e não do tempo propriamente dito. O tempo, esse, sinto que se esgota.
Havia uma coisa que eu gostava de fazer antes do fim. Gostava de me apaixonar outra vez. Não falo de arranjar um namorado ou uma namorada, nem sequer é isso. Eu tenho lá vida para isso! Falo de me apaixonar por alguém que também se apaixonasse por mim. Para variar.
Mas isso só me aconteceu duas vezes. Estarei a ser demasiado ambiciosa quando digo "só"? Terá sido a dose permitida aos seres mortais? Mais do que a dose? Não sei. Gostava de me apaixonar outra vez antes do fim.
Durante 12 anos o meu coração esteve fechado. Há razões para isso mas não vêm agora ao caso nem nunca virão porque são demasiado íntimas para partilhar (se calhar até demasiado íntimas para partilhar com uma só alma, quanto mais com tantas!). Terei batido algum recorde? 12 anos em que nem admitia a ideia de me voltar a apaixonar?... Mas isso mudou. Há cerca de dois anos, isso mudou. Um dia acordei e percebi que as feridas estavam saradas. Há cicatrizes. Medonhas cicatrizes. Daquelas que não se vêem. Daquelas que eu não quero que ninguém veja. Só quando estou sozinha comigo própria, sob anestesia, me permito voltar a chorar sobre elas e as suas consequências. Essas lágrimas não são para partilhar com ninguém. E isso também é novo. Durante todos estes anos não voltei a chorar sobre o assunto. Fingi que não era humana? Não, foi pior que isso. A minha alma, ou a parte dela capaz dessas emoções, bateu com a porta e abandonou a humanidade. Pensem nisto como uma sombra. Imaginem durante anos uma pessoa andar por aí sem projectar sombra, porque a sombra se zangou com o mundo e o deixou, e perceberão o que quero dizer. E agora a sombra voltou e já não estava habituada a vê-la.
Mas percebo porque voltou. Durante muito tempo, como Orfeu, estive fechada no mundo das trevas a atravessar o Inferno. Finalmente cheguei a um porto de calma onde me posso dar ao luxo de voltar a sentir-me humana. Durante muito tempo tive trabalhos hercúleos. Tive de ser de pedra, de sal, de gelo. Agora posso voltar a ser mulher. Já não me lembrava da sensação. É uma sombra que volta.

Mas a paixão é uma reacção química e o amor é uma viagem a Paris. Não há outra maneira de dizê-lo, gostava de me apaixonar de novo. Enquanto há tempo. Enquanto o vento está de feição. Algo me diz que este é o último momento de bonança antes da última tenpestade. Há certas coisas que uma pessoa sabe. Este é o tempo. Este ou nenhum.

12 comentários:

Lúcio Ferro disse...

Também eu. Só que as coisas nunca se passam assim. Não nos apaixonamos porque queremos. Aliás, já pensou se haverá ainda em si capacidade para se apaixonar? Eu tenho pensado bastante nisso e às vezes chego à conlusão de que em mim não. Enfim, não sei. Boa sorte.

Escreve muito bem. Voltarei.

Vítor disse...

Queres ir tomar um café?

Eu disse...

Boa viagem. E se deixares de escrever aqui, publica um livro que eu compro.

Klatuu o embuçado disse...

Talvez... mas eu hoje achei uma nota de 50 euros!! :)

Dark kiss.

Vítor disse...

50 euros?! Convidei a pessoa errada...

Klatuu o embuçado disse...

Toma lá 1 euro... :)=

Anónimo disse...

Profundas palavras. E sábias. Principalmente as finais.

Ainda assim, boas festas e espero que voltes a apaixonar-te!

shakermaker disse...

Ora viva!

Hoje não venho comentar nem tão pouco ler. Deixo isso para outro dia, com todo o gosto.
Vim apenas fazer publicidade descarada e como já estou naquela fase em que faço tudo o que me apetece e todos me ignoram pois já estão habituados, então cá vai...
Começou a atribuição dos blogjobs do shakermaker.
Por isso, já pode confirmar se foi um dos contemplados com tão desprestigiante galardão.
Atenção: não tome isto como desconsideração. Afinal, isto é apenas uma brincadeira e se não fosse um visitante quase assíduo deste blog não viria aqui de todo.
Já agora, aproveito também para lhe desejar Boas Festas!

Um abraço...
shakermaker

Lord of Erewhon disse...

Feliz Natal, Gotika.

Solum disse...

Parabéns, Gotika. Claro que vale a pena. O Cieberespaço é escrever para memória futura, para um público imaginário que um dia será real. Alguém um dia lerá o que escrevemos. Tenho essa sensação quando vou para os aruivos e, em face de documentos antigos, pergunto se quem rabiscou aquilo algum dia julgaria que eles fossem objecto de estudo. E foram. Ora, se é assim como listas antigas dos arquivos camarários e paroquiais, porque não com a blogosfera, muito mais acessível, organizada, interessante e representativa de um tempo? Há quem tenha pretensão de fazer literatura num blog, quem busque audiências como quem destila vaidade, quem se pavoneie como num carnaval, quem se julgue absolutamente genial e procure aqui a justa imortalidade. Mas a blogosfera não é isso. É a eterização dos devaneios de todos que se misturam no ciberespaço virtual assim fazendo uma enorme enciclopédia de sabedoria, diferença, confronto, complementariedade,... e... para infortúnio de muitos, anónima banalidade.
Jaime Castanho
www.tapornumporco.blogspot.com

katrina a gotika disse...

Penso que percebeste, scott_db.

' Claudjinha disse...

Muito bem, adorei o teu blog... é mesmo daqueles que se começa a ler e não se consegue parar mais e é nestes momentos que acho que o meu não é nada comparado com isto. Mas enfim, o teu ultimo texto está espectacular e foi o que mais gostei. Tinhas 13 comments e faço-t aki o 14º, pois odeio o numero 13... lool
desculpa a invasão!
bj, fika bem e continua a escrever...