domingo, 29 de outubro de 2006

ser ou não ser? não ser

1ª parte

Tem sido algum tempo o de silêncio. Tantas coisas se passaram dentro do tempo em que nada se passou, agora que me resta aprender a ser feliz na escravidão. (Também não foi fácil aprender a ser feliz na liberdade. Aprender a ser feliz não é fácil para ninguém; parece ser o destino do homem.)
Sinto as minhas energias esvaírem-se aos poucos, em fluido espesso, como se tivesse um vampiro colado ao pescoço noite e dia. O meu rosto cansado e envelhecido de profundas olheiras cadavéricas não conta história diferente. A idade, dizem, e com razão, é um estado de espírito.
Luto contra uma doença tão desconhecida quanto banal é a incompreensão. Noite em que consigo adormecer às 4 da manhã é uma vitória. Tudo o resto é mais perto da madrugada. Quis o destino brincar com as minhas ambições. Tenho andado a deitar sonhos para o lixo como quem arranca a pele. Não, não vos vou dizer que sonhos eram. Ninguém tem nada a ver com isso. O passado é um fantasma. O futuro é um fantasma. O meu presente é esperar pelo próximo copo de veneno. As minhas noites continuam a ser mais belas que os vossos dias.


2ª parte

A minha vida, toda ela, foi um manifesto contra a natureza. Mesmo as minhas ambições, até os meus sonhos, não tenho a certeza de os ter desejado ver realmente concretizados. Quando era muito pequena, tão cedo na infância que não me lembro exactamente quando, descobri que tudo morre e nunca mais me esqueci disso. Nem por um segundo. Nesse momento, a vida deixou de ter sentido. Se é para morrer mais tarde e voltar ao pó, mais vale morrer mais cedo. Se, pelo contrário, a vida é apenas uma passagem para outros reinos, não vejo a necessidade de ter andado por esta estrada. E de permanecer? Muito menos.
Contrariada porque não gosto do sítio onde me encontrei de olhos abertos, nunca cheguei a decidir se quero ser ou não ser alguma coisa aqui, eis a questão. Vou sendo, quando me apetece, deixo de ser quando me canso de brincar aos infernos.
Antes de adormecer, quando consigo a suficiente serenidade mental, e até mesmo a qualquer momento insuspeito de vigília, dou por mim a repetir "liberdade, liberdade, liberdade, liberdade, liberdade, liberdade, liberdade, liberdade, liberdade, liberdade, liberdade, liberdade, liberdade, liberdade, liberdade, liberdade, liberdade, liberdade, liberdade..." até me lembrar do que ela é.




How long have you been lost out here?
How did you come to lose your way?
When did you realise that you'll never be free?
When did you realise that you'll never be free?


Miranda Sex Garden, "Fairytales of Slavery"

5 comentários:

ACABOU. disse...

fantasma que perturba-me, acorrenta-me...
fantasiar o que perfazer, como outra criatura...
absorto de correntes pútridas, reclino-me à ansiar...
morte? sono? outra criatura...

machuca...

http://aescritaperfeita.blogspot.com

Klatuu o embuçado disse...

JAJAJAJA!!! sair em dias de ventania anunciada só te faz mal! :)=

katrina a gotika disse...

Necare:

Enquanto não decides se és ou não, vais sendo alguma coisa.

E tu, enquanto eu decido se vou sendo alguma coisa ou não, podias ir escrevendo qualquer coisinha no teu blog para me entreter.

Aestranha disse...

Desculpa dizer-te... ainda para mais quando é a primeira vez que aqui venho... Mas a desesperança fica-te tão bem!

Adorei o teu blog e espero que não te importes que volte aqui...

Peculi disse...

liberdade....

eu clamo por paz de espírito. é fdd mesmo!