domingo, 19 de maio de 2024

The Haunting of Bly Manor (2020)

A certa altura, um dos personagens diz que esta não é uma história de fantasmas mas sim uma história de amor. Nesse caso, eu diria que não é apenas uma história de amor mas várias histórias de amores e desamores que assombram os vivos e atormentam os mortos.
A história passa-se na Inglaterra rural, nos anos 80, na imponente Bly Manor, uma mansão senhorial do século XVII ou anterior. Dani Clayton é uma jovem professora americana contratada para ser ama/preceptora (ou melhor, au pair, que é mais moderno e mais fino) de duas crianças órfãs em Bly Manor, Flora de 8 anos, e Miles, de 10, cujos pais morreram num acidente no estrangeiro. Pior um pouco, a preceptora que antecedeu Dani suicidou-se no lago da propriedade. Henry Wingrave, o tio de ambos, refugia-se no seu escritório de advogados e bebe dia e noite.
Os miúdos são estranhos. Já nem me refiro à linguagem que utilizam, que parece mais de crianças do século XIX, porque ambos tiveram a educação da mais elevada classe alta britânica, com colégios internos e tudo. Flora parece falar com alguém invisível. Miles tem momentos de conduta completamente inapropriada para a sua idade. Apesar da sua juventude, Dani é uma professora experiente e atribui estes comportamentos aos traumas sofridos pelos dois órfãos, com toda a paciência. Dani, ela própria, traz atrás de si o “fantasma” da culpa pela morte do noivo, que a atormenta a cada instante.
Não estou a cometer nenhum spoiler ao dizer que Bly Manor é completamente assombrada por vários fantasmas que, a princípio, só as crianças conseguem ver. Mas alguns fantasmas, que nem sequer sabem que estão mortos, continuam a interagir com o pessoal da casa como se estivessem vivos sem que ninguém desconfie. Uma das partes mais interessantes da série, confesso, foi tentar adivinhar quem era fantasma ou não, e as próprias crianças fazem bons candidatos. Um dos meus episódios preferidos foi mesmo visto pela perspectiva de um fantasma que não sabe que está morto. O episódio é confuso, misturando o presente, as recordações, as conversas do passado, a estranheza de não se saber onde se está, o que reflecte a confusão (e o estado de negação) que o espírito sente em relação à sua situação.
No entanto, em retrospectiva, podemos perguntar-nos como é que apenas as crianças, e não os adultos, têm conhecimento da assombração mais perigosa de Bly Manor, o espírito vingativo e assassino da antiga proprietária do palacete, uma dama do século XVII que se recusou a morrer e muito menos a abandonar a sua casa de família. Mas isto é facilmente explicado. As crianças são receptivas, os adultos não. Talvez, em 400 anos em que Bly Manor mudou de proprietários, a lenda se tenha esquecido, ou os rumores tenham sido interpretados por mentalidades mais científicas como superstições campestres. Só quando os adultos, em virtude das circunstâncias, se tornam mais receptivos, começam eles também a aperceber-se e até a ver os fantasmas.
“The Haunting of Bly Manor” é uma série baseada em obras de Henry James. Admito que não estou familiarizada com o autor. Dele só li “O Altar dos Mortos” e, apesar do título, o livro nada tem de sobrenatural. É um romance denso e psicológico sobre um homem e uma mulher que se encontram regularmente quando vão acender velas aos mortos e que acabam por travar conhecimento. Um deles descobre que o outro acende velas a um indivíduo que cometeu actos execráveis e fica completamente decepcionado com a pessoa a quem já considerava uma alma-gémea. E é isto, nada de fantasmas excepto as assombrações do passado. “The Haunting of Bly Manor” também tem um episódio chamado “O Altar dos Mortos” vagamente inspirado no romance, mas repleto de elementos sobrenaturais.
Esta não é uma série cheia de horror por todos os cantos, embora baste o ambiente da mansão para ser inquietante o suficiente, mas algumas cenas são bastante assustadoras e podem permanecer connosco. Eu sei que nunca mais vou atravessar um jardim à noite sem olhar para todos os lados.
Ficou um enorme mistério por resolver, contudo: em Bly Manor só existe um cozinheiro, uma jardineira e uma governanta. Quem é que limpa aquelas divisões todas que nem se vê um grão de pó? Nem que a governanta trabalhasse dia e noite (o que não é o caso) conseguiria manter os chãos impecáveis, o pó limpo, as madeiras, os reposteiros, os sofás, os quartos, a cozinha, etc etc, já para não falar das grandes limpezas em profundidade algumas vezes por ano. Acredito menos nisto do que em fantasmas. Foi logo a primeira perplexidade que me veio à cabeça ao ver aquele casarão. Talvez os fantasmas ajudem a limpar? Os vivos não limpam de certeza.

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PARA QUEM GOSTA DE: The Haunting of Hill House, The Haunting, Henry James, Mike Flanagan, fantasmas, casas assombradas


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